Desenvolvimento? Ouça os mestres, inicie pela educação!
Tudo o que sou como profissional, e muito do que sou como pessoa, devo à educação que recebi de meus mestres ao longo da vida. Não sou pedagogo, mas tenho bem a noção de que educação é muito mais amplo do que ensino, assim como os mestres são um grupo maior do que o de professores. Meus primeiros mestres foram Dona Rita e Seu Majela, com ensinamentos tantos que não consigo enumerar, e que tampouco cessaram. Educam todo dia, todo instante, em cada atitude, cada palavra, cada olhar.
Mas quero focar aqui nos mestres professores, mestres de sala de aula! Sempre admirei aquelas senhoras e senhores que, ainda que jovens, transmitiam e inspiravam tal respeito que nos era natural adotar os tratamentos senhora e senhor. Comecei minha história com essa turma na Escola Coronel Egídio Benício de Abreu, lá no meio da Vila Militar. Poucas lembranças tenho de minha vida nessa época (memória também não é lá meu forte), mas lembro muito bem de Dona Emília, de brincar na areia sob uma árvore frondosa, de levar suco e Mirabel na merendeira, de fazermos piquenique na Mata do Batalhão e de dormir profundamente nos momentos de relaxamento depois do recreio!
Sono profundo que levei até a primeira série no Praxedes com Dona Celeste. Foi abaixar na carteira e… Que vergonha, rapaz! Bom, mas voltando à educação, Dona Celeste foi quem me ensinou a ler e a fazer as primeiras contas! De tanto carinho e respeito que tínhamos por ela e ela por nós, continuou conosco na 2ª série! O Praxedes teve uma passagem curta e marcante na minha formação. Como eu achava imponente aquele prédio…
Bom, no meio da 2ª série, lá fui eu me mudar de escola, para mais perto de casa. Aquele era tempo em que a gente ia pra escola a pé! Na Egídio, a gente ainda ia na tradicional Rural do Seu Maurício, do Expresso Wilson, pai do amigo Erivelton. Mas o Chiquinha Soares ficava a três esquinas de casa, e minha mãe dava aulas por lá. O que começou como conveniência se tornou uma relação de muito aprendizado e carinho ao longo dos anos.
O Chiquinha Soares virou uma segunda casa para mim. Fiquei lá por 4 anos, até o final da 5ª série. Primeiro me recebeu Dona Marli, que veio depois a ser diretora da escola. Na 3ª série me educou Dona Conceição, outra mestra marcante. Rigorosa, ela lapidou meu gosto pelo estudo e acompanhou momentos importantes como minha catequese e Primeira Comunhão, em parceria com outras professoras queridas como Dona Telma.
Na 5ª série, conheci o primeiro mestre (no masculino!) marcante em minha vida estudantil: Professor Paulo. Ele era diferente de tudo! Primeiro, chegava na sala e passava uns 15 minutos desenhando uma caricatura no canto do quadro enquanto fumava um cigarro. Muitas vezes, um de nós mesmos. Tinha um talento impressionante. Depois dava um espetáculo de aula de matemática. Lembro que gostei tanto que, alguns anos depois, tive aulas particulares de Matemática com ele, em que passávamos longas tardes resolvendo problemas difíceis do Mário de Oliveira (!). Aulas que tiveram contribuição fundamental para me levar ao curso superior de Computação anos depois.
A partir da 6ª série, estudei no Colégio Tiradentes da Polícia Militar, minha terceira casa. Lembro-me como hoje de Teotônio controlando nosso acesso, monitorando a formação para cantar o hino, ensinando-nos como disciplinar um batalhão de adolescentes e ter o carinho da maioria de nós. Como na 5ª série no Chiquinha Soares, passei a ter vários professores por série e certamente cometerei a indelicadeza de deixar de citar alguns ao enumerar. Mas não posso deixar de citar algumas dessas pessoas fantásticas que “cuidaram” da minha educação com tanta competência e carinho.
Pessoas como Dona Geralda, que rendia aulas deliciosas da nossa língua portuguesa e chegou a me presentear com uma gramática, além de recomendar leituras importantes na minha adolescência. Ou o João Delfino, que me acompanhou desde o Chiquinha Soares, me apresentou a diversos esportes como vôlei, handebol e atletismo, assim como tinha paciência com o sofrível futebol que eu gostava tanto de jogar. Lembro ainda da serenidade do Lourival, que demonstrava tudo quanto era fórmula com uma simplicidade e uma elegância impressionantes. Aulas “históricas” do Professor Ronan, como aquelas acerca da Guerra do Paraguai, foram essenciais para definir meu entendimento da política e da justiça humana. Lembro ainda de aulas de Biologia com Dona Regina, das redações com Dona Tatá, da física com o Tchesco. Adorava as aulas de química com a Clarete e as de geografia com Dona Irene. E, para completar, tinha uma pessoa extraordinária como diretora da escola, a querida Dona Lourdinha, que tanto batalhava pela qualidade do ensino e por um futuro melhor para todos nós alunos daquela escola pública.
E é aqui que paro e volto a este 2020: o que houve com nossa escola pública? Enquanto países se transformaram nesses últimos 30 anos com investimento massivo em educação, como ocorreu com a Coréia do Sul e demais Tigres Asiáticos, nós fizemos um pacto cruel de mediocridade com as novas gerações do ensino público. Naquela época, embora já houvesse sinais de queda do investimento público na área, as escolas públicas (incluídos aí outras como Miguel Gontijo, Professor Wilson Lopes e Irmã Maria) eram a primeira opção de todos em Bom Despacho. Hoje, os filhos das classes média e alta estudam em escolas particulares, separados dos filhos das famílias de menor poder aquisitivo. Os professores nas escolas particulares têm melhores salários, os alunos das escolas particulares têm melhores resultados no Enem e nos vestibulares.
Nada contra as escolas particulares, elas obtêm esse destaque por mérito! E por demérito de um poder público que passou a oferecer educação como quem apenas cumpre uma obrigação mínima, sem a estrutura adequada, sem os melhores recursos didáticos e tecnológicos, sem a devida valorização dos profissionais que são fundamentais para que a história educacional de qualquer jovem seja bem sucedida. Um poder público que, na pretensa tentativa de ser inclusivo, reduziu a disciplina e a cobrança sobre os jovens estudantes, facilitando-lhes a vida que fora “tão sofrida” para seus pais e protegendo-os excessivamente.
Outro aspecto preocupante é o “projeto de vida profissional” que concebemos para os nossos jovens (ou a falta dele). Eles chegam cada vez mais imaturos à fase adulta da sua formação. Quantos casos você conhece de jovens que fizeram a universidade com todo esforço e sacrifício, próprio e da família, e terminaram por trabalhar numa função que nada tem a ver com sua formação superior? Na mesma função que teriam 4 ou 5 anos antes se não tivesse feito a faculdade. E mais, quantos chegam à universidade com problemas psíquicos sérios, depressivos, perdidos?
Senhoras e senhores, eu ralei muito, eu brinquei (e me ralei) muito, eu botei fogo em barracão fazendo experimentos, eu levei palmadas e chineladas, eu trabalhei, eu fiz amigos, eu fui muito amado e generosamente educado nessas ruas e escolas aqui de Bom Despacho. E, graças a Deus e a esse sistema educacional forte que nos forjou, vejo muitos amigos e colegas contemporâneos bem sucedidos por aí. Vi muitas vidas transformadas pela boa educação que recebemos.
Mas temo pelas gerações atuais de estudantes. Estamos construindo um modelo em que os filhos de famílias mais pobres têm cada vez menos oportunidades de ascensão. Além disso, muitos que se esforçam por tê-las, investem em faculdades e cursos que não lhes darão as oportunidades que sonham ter, além de tirarem as férias e o sono dos mantenedores dessas famílias. Formamos uma sociedade rasa e com poucas perspectivas.
Precisamos resgatar com urgência o valor dos nossos mestres, o respeito pelas nossas escolas e a responsabilidade para com nossos jovens. Responsabilidade não é só dar de comer ou trazer um presente no aniversário, respeito não se produz sem educação completa e os professores não podem ser mestres só para aqueles que podem pagar. Porque, se assim o forem, vamos continuar sendo um gigante pobre e mesquinho, de visão curta, que não enxerga que se tivermos um Brasil de pessoas completas e bem educadas poderemos ser a potência que tanto dizem que seremos. No futuro.
E se o país não quiser? Vamos nós mesmos! Bom Despacho pode transformar seu sistema educacional independentemente do país? Pode. O município já faz um bom trabalho na pré-escola e nos primeiros anos do ensino fundamental. “Mas depois disso cabe ao Estado, Paulo Henrique!” – vai dizer algum cético. Eu sei. Mas o estado pode nos permitir algumas extensões, respeitada a Base Nacional Curricular e as diretrizes de ensino em Minas Gerais. Por exemplo, já oferecemos algumas disciplinas ligadas a esporte e cultura no contraturno para estudantes do ensino fundamental. A Escola Estadual Professor Wilson Lopes do Couto oferece alguns cursos profissionalizantes, numa iniciativa louvável e isolada. E se o município se mobilizasse para oferecer cursos dessa natureza em larga escala? E quanto ao letramento digital?
Há caminhos. Reúnam nossos mestres. que tenho certeza de que eles têm caminhos a nos indicar. Não precisamos ir longe, basta lembrarmos de tudo que por nós fizeram. Eu sou só gratidão!
E, se Bom Despacho espera tanto por desenvolvimento, ele será muito mais vigoroso e duradouro se vier com educação. Estou aqui longe de querer ser idealista ou pedagogo ou representante de categoria. É raciocínio lógico, gente: se formos um batalhão de pessoas bem formadas, o desenvolvimento vai brotar em cada esquina.
“Dê-me uma alavanca e um ponto de apoio e moverei o mundo!”