Abri a caixa e descobri o fim do Gato de Schrödinger

ALEXANDRE MAGALHÃES- Há duas semanas relatei nas páginas do Jornal de Negócios meu drama pessoal. Abri a coluna fazendo um paralelo entre a situação familiar, envolvendo a mim, a minha namorada bom-despachense, minha enteada, meus sogros e pessoas que convivem conosco no dia a dia, como nossa amiga e cozinheira Eleuza, suas filhas, para as quais dou um pequeno reforço escolar, e nossa ajudante das tarefas do lar, a Tida, além de pessoas que encontramos nas ruas e nos comércios de Bom Despacho, e o Gato de Schrödinger.

Para quem não leu a coluna escrita e publicada há quinze dias, o Gato de Schrödinger é um paradoxo criado pelo físico austríaco Erwin Schrödinger em 1935. Em sua história há um gato dentro de uma caixa e ninguém sabe se ele está vivo ou morto. Esse “fato teórico” procura ilustrar a mecânica quântica, imaginando-a aplicada a objetos do dia-a-dia.  Enquanto ninguém abrir a caixa, o gato estará vivo e morto ao mesmo tempo. Abrir a caixa, e só isso, pode resolver o paradoxo, deixando claro se o gato está vivo ou morto.

O que o Gato de Schrödinger tem a ver comigo e com as pessoas mencionadas no primeiro parágrafo? Como relatei naquele texto, todos os mencionados estávamos com suspeita de ter contraído a covid 19. Havíamos tido contato com uma pessoa contaminada, que também não sabia à época que havia sido infectada pelo coronavírus, e diante da notícia de sua doença, passamos a viver como o bichano do pesquisador austríaco: estávamos ao mesmo tempo contaminados e sem contaminação. Só os exames abririam a caixa e libertariam o gato ou nos forçaria a enterrá-lo.

   ACOMPANHE O JORNAL NAS REDES SOCIAIS

www.instagram.com/jornaldenegocios

www.facebook.com/jornaldenegocios

Foi uma semana de intensa negociação entre minha namorada bom-despachense e seu convênio médico. Ora autorizavam, ora não. Em alguns momentos pediam que um médico indicasse a necessidade do exame, em outros, pediam que os familiares preenchessem inúmeros questionários. Após esta longa semana, os exames foram autorizados e na quinta-feira passada, dia 9 de julho, feriado da Revolução Constitucionalista em São Paulo (luta que colocou São Paulo contra o restante do país, que apoiava Getúlio Vargas), minha namorada bom-despachense, atendendo a um protocolo da empresa, levou uma profissional de saúde do laboratório até o sitio da família, onde todos cederam suas amostras sanguíneas.

Por eu não ter o mesmo plano de saúde que meus familiares bom-despachenses, fui diretamente ao laboratório, paguei, para não ficar nervoso com meu plano de saúde, e realizei o exame.

Eu optei por um tipo de exame, aconselhado pelo médico da família, enquanto todos os outros “gatos” fizeram o exame autorizado pelo convênio médico.

Por serem exames diferentes, o meu resultado foi o primeiro a sair, já na sexta-feira, às 18:00 horas. O laboratório me avisou que enviaria o resultado pontualmente neste horário, o que tornou minha vida uma tristeza. Se na quinta-feira, antes de realizar o exame eu estava tranquilo, animado, após o exame não fiz nada direito. Dormi mal, alimentei-me pessimamente, minhas leituras foram truncadas e sem concentração e meu feriado paulistano, que valeu já que não dei aula à noite, foi ruim. Senti-me triturado, amassado, desesperançado.

Às 18:03 horas da sexta-feira escutei o sinal sonoro da chegada de uma nova mensagem no celular. Levantei-me curioso, mas com medo de olhar a mensagem. Mas, o Gato de Schrödinger precisava ser liberto ou enterrado e não era justo com o felino, nem comigo, nem com meus familiares paulistanos ou bom-despachenses que eu o mantivesse dentro da caixa.

Abri meu WhatsApp e vi que a mensagem era do laboratório. Olhei a mensagem e li meu resultado: “não reagente” para IGM e IGG, ou seja, não tive e não estava com coronavírus.Senti um alívio. Botei o gato para correr, joguei a caixa fora, rezei pela alma de Erwin Schrödinger e fiquei confuso. Não sabia se estava feliz ou triste. Que bom que não tive e nem tenho esta doença, mas não teria sido melhor se já tivesse sido contaminado, sem sintomas, e já estaria livre disso? Vi o gato me olhando lá da rua inexistente em que eu o havia soltado.

Avisei primeiro minha namorada bom-despachense, depois os familiares bom-despachenses, em seguida minha família paulistana e, finalmente, os amigos que sabiam do que estávamos enfrentando, fossem eles de qualquer lugar do mundo.

Nesta terça-feira, bem cedo, chegaram todos os exames dos familiares bom-despachenses: ninguém foi infectado e nem está neste momento com a doença. Após a corrida matinal na direção do Rio Picão, passamos no sítio de meus sogros e nos olhamos com alívio, sem dizer palavra. Apenas um olhar de liberdade. Vi meu sogro, sogra, namorada e enteada libertarem seus gatos e, imediatamente, após a breve comemoração, colocar novamente as máscaras, passarem álcool em gel nas mãos e retomarem as precauções “normais” dos não infectados.

Sei que algum dia o Gato de Schrödinger morrerá, mas ainda não foi desta vez.

Hoje, já sabendo que ninguém foi afetado pela covid 19, eu e minha namorada bom-despachense tomaremos um vinho. Feliz, claro, mas cada gota desta bebida homenageará um dos 75 mil mortos (e contando) que entristecem e revoltam os brasileiros.

Meu amigo Ivan, prepare o café espresso, pois a partir de amanhã voltarei a visitá-lo no Na Praça Lanches sem colocar sua vida em risco.

Que todos os brasileiros consigam abrir a caixa e encontrar seu animalzinho vivo. Infectado, talvez, mas vivo…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *