A saga de ser Mãe e as lembranças do passado

 

MARIA CELESTE MORAIS – Na Praça, me despedi de meu bisneto de dois aninhos com abraços após uma manhã de brincadeiras. Tudo normal, não fosse ele retornar, segurar meu rosto e me aplicar um beijo reforçado pela palavra “beijo”. Entre o pouco que ele fala, esse beijo com assinatura me marcou, e o meu sentimento de privilégio cresceu. Nem sempre foi assim, embora a consciência de participar da eternidade ao ser mãe estivesse sempre presente. Uma sensação de mérito, de importância ao fabricar uma nova criatura para o mundo! Um elo que a idade nos faz perceber com mais sabedoria e retribuir ao universo com gratidão.

Penso em minha avó Hermengarda (meu bisavô era poeta!) que deixou com a sogra a filhinha primeira e foi participar do entrudo, a festa de carnaval de antanho. Por que a sogra insistiu que ela fosse, se responsabilizando pela recém-nascida? A mãe, quase menina, voltou cansada dos festejos onde as pessoas se atiravam bacias de água com limão. Adormeceu ao amamentar a criança e sufocou-a, sem querer. O susto, o remorso, o peso da tragédia nunca abandonaram aquela mãe ferida tristemente pela sorte quando não havia psicólogos e nem antidepressivos.

Três décadas mais tarde, minha mãe perderia um filho por afogamento, com menos de três anos de idade. Ambas, com a força da coragem, venceram a vicissitude e tocaram seus destinos. Mulheres de fibra, construíram a saga da família e nos transmitiram a força para enfrentar as tempestades, as chuvas e os ventos da vida. Literalmente, vovó rezava quando o tempo fechava, clamando a São Jerônimo e Santa Bárbara. Certamente a chuva iria passar sem rezas, mas éramos crédulos e a sensação de que nossos intercessores estavam de plantão nos fortalecia e alentava.

De minha mãe Irene guardo, com filhos e netos, a memória de uma grande disponibilidade para transmitir afeto através da comida. Seus pães de queijo, almoços fartos, bifes individualizados, ficaram na história, assim como também o acolhimento, os colchões esparramados pelo chão para receber os familiares.

Não conheci pessoalmente minha avó Amélia, doce até no nome. Meu pai gabava a sua força de trabalho incansável, a sua resiliência na labuta desde o primeiro ao último raio de sol.

Fui professora e ensaiava com meus alunos hinos e poemas dedicados às mães, em um tempo em que o romantismo já se extinguia, mas a gente ainda falava de mães com o chinelo na mão e aventais sujos de ovo, de amor puro e profundo e especialmente… de flores.
Hoje, mãe “master/sênior” me arrependo do tempo que não dediquei a meus filhos, do carinho que não soube dar, da presença que deixei faltar. É bem verdade que cantei para eles, contei estórias, passei noites em claro, mas tudo tão precário e corrido que não me dei conta das lacunas que estava deixando nessa estrada. A infância, a adolescência, passam miseravelmente depressa e quando se vê os filhos são adultos, a vida já os encaminhou ou desencaminhou…

Do alto da minha vivência da maternidade, quero clamar às mães mais novas que curtam mais os seus filhos, que tenham para eles um momento de amenidade, que lhes reservem uma horinha de seu dia, lembrando que o tempo passa.

E por falar em tempo e em saga, não há como não lembrar de Érico Veríssimo, que em sua trilogia “O Tempo e o Vento” retrata a saga das famílias do Rio Grande do Sul em seus primórdios até a era Getúlio Vargas, ensinando-nos a amar esse rincão de homens bravos e mulheres tenazes, açoitados pelo Minuano, um vento gelado que fazia tremer as janelas. As mães esperavam a volta de seus filhos de intermináveis guerras; o tempo passava e as gerações se sucediam… ficção e história se entrelaçam.

Hoje o Rio Grande do Sul enfrenta chuvas e enchentes em consequência do negacionismo ambiental. A tragédia prevista chegou em alarmante lição, fragmentando famílias, mães separadas de seus filhos por resgates diferentes de lugar e hora, estampam o seu desamparo pela destruição de suas vidas e por perdas irreparáveis, materiais e imateriais. Não há como desejar feliz dia das mães às mulheres gaúchas em momento tão melindroso de colapso, mas podemos levar-lhes um alento de que dias melhores virão, que não há mal que para sempre dure…

Às mães bom-despachenses, nossos votos de alegria e paz junto a seus filhos!   (Portal iBOM / Maria Celeste de Morais é professora aposentada e escritora / Foto: Arquivo da autora).

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *