Agroempreendedores de BD, venham ao palco, por favor!

O agronegócio é uma atividade nobre, empreendedora e estratégica. Apesar de ainda carregarmos bastante preconceito, o povo da roça tem um dos futuros mais promissores da economia global. Ninguém vive sem água e alimentos, e poucos têm tanto potencial quanto o Brasil nisso. O momento é excelente para o “agroempreendedorismo” e Bom Despacho deveria olhar com carinho para essa rota.

Empreender é um verbo bonito, moderno, invejável. Mas, se me permitem um momento desabafo, o brasileiro pouco gosta de empreender. O brasileiro empreende quando precisa, e a maioria de nós quer mesmo é estabilidade. E o verbo empreender tem mais afinidade com risco do que gosta o trabalhador que nos ensinaram a ser. Instruídos para sermos no máximo esforçados, com educação somente básica até os 18 anos e controles ultrapassados como folha de ponto, a maioria dos setores da nossa economia é medíocre.

Isso sem falar no teto baixo para o desenvolvimento pessoal. Eu sou chato, gosto de conversar com meus filhos sobre isso, gosto de desafiá-los quanto aos seus objetivos de vida. Minha mãe era mestre em fazer isso também: “não deixem ninguém dizer que vocês não dão conta”, dizia Dona Rita. Historicamente, o país nos tem feito acreditar que a gente não vai muito longe. Abolimos a escravidão para dar aos nossos conterrâneos de origem africana um trabalho remunerado que nunca chegava ao bolso deles porque a dívida com o armazém sempre ultrapassava o soldo combinado. De escravo para trabalhador devedor super comprometido com o patrão. Pacto cruel de estabilidade.

Graças ao bom Deus, o mundo dá voltas… No campo começou, no campo primeiro começou a mudar também. Quer atividade mais incerta do que a lida com a terra? Vai chover? Vai parar de chover? O litro do leite vai subir? O preço da soja se mantém? Isso é rentável? Pois o que começou com capitanias hereditárias transformou-se, ao longo de 500 anos, em mais de 5 milhões de propriedades rurais, conforme censo realizado pelo IBGE em 2019. No último Congresso Brasileiro do Agronegócio, o presidente da Embrapa mostrou que o agronegócio responde por 22% do PIB brasileiro, um em cada cinco empregos no país e quase metade de nossas exportações. Tratou ainda de tendências como agricultura digital, bioeconomia, edição genômica e sistemas integrados de produção. Sabe o que são? Se você sabe, amigo, já está um passo à frente da maioria. Como município e sociedade, acredito que Bom Despacho deveria saber. E logo!

Bom Despacho é um município que tem indicadores positivos no desenvolvimento humano, especialmente na saúde e educação, mas tem falhado na geração de oportunidades. O Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal mostra que, em 2016, numa escala de 0 a 1, Bom Despacho alcançou 0,8859 e 0,8964 para saúde e educação – índices entre os mais altos do país. Por outro lado, o índice para emprego e renda é 0,6010, de cidade subdesenvolvida. Dados da prefeitura mostram que temos uma economia concentrada no poder público, comércio e serviços – setores que normalmente derivam sua receita de atividades econômicas primárias fortes. Como estas não se desenvolvem há muitos anos na cidade, comércio e serviços colhem um pouco da prosperidade de cidades vizinhas e, ao cabo, não conseguem se desenvolver como gostariam.

Enquanto isso, começam a despontar pelo interior do país municípios que tratam o agronegócio como política pública prioritária. Um levantamento feito pelo Ministério da Agricultura mostra que o PIB dos “municípios agrícolas” cresceu quase 10% (ao ano!) de 2014 a 2016. A média brasileira ficou pouco abaixo de 3% – negativos! São números de milagre econômico – só que restritos ao agronegócio brasileiro! Além disso, há um crescente interesse do poder público nacional pelo tema. Por exemplo, Embrapa e Sebrae Nacional tem programas conjuntos para incentivar o agroempreendedorismo, especialmente na produção de alimentos e bebidas.

Vamos sair dos números, que já está chato: o que fazer para estarmos lá? Por que ainda não estamos lá? Quando eu era “minino piqueno” aqui em Bom Despacho, esperava ansiosamente pelo mês de setembro para ir à Exposição Agropecuária de Bom Despacho. Não, não era para ir aos shows à noite para socializar com bom-despachenses e visitantes! Ou, não era só para isso… Enfim, por incrível que pareça, eu (e mais um monte de gente da minha idade) curtia passar o dia no Parque de Exposições, acompanhando os torneios leiteiros. Lembro-me de vacas tratadas a pão de ló, com úberes enormes e números de campeãs nacionais. O saudoso Zé Maria da Farmácia era um produtor/entusiasta que costumava me receber por ali. O padrinho Zé Miguel e seus filhos também andavam por lá. Lembro-me ainda de sermos a terceira maior bacia leiteira de Minas Gerais, da Vigor se instalando aqui, outras com planos. Mas, em algum momento, a gente parou. O retrato que temos hoje é bem diferente desse.

Temos alguns produtores e negócios promissores por aqui, inclusive em novas áreas, como genética e nutrição animal, soja e apicultura, além da tradicional pecuária leiteira e a fruticultura (com destaque para os cítricos). Mas, à exceção da pecuária leiteira, são iniciativas isoladas, de heróis que levam no peito o desafio de empreender nessas áreas. E, mesmo a pecuária leiteira, perdeu a articulação – e por consequência, a força – de outros tempos. Faltaram iniciativas para manter um desenvolvimento consistente.

Os próprios produtores estão ansiosos por mudanças. O Sindicato Rural passou por grande mudança em sua gestão nos últimos anos. Reeleita agora. A Cooperbom está passando por mudança similar, com uma nova administração eleita no final do último mês, a partir da promessa de trazer de volta os cooperados e trabalhar mais pela produção rural, especialmente com o pequeno produtor. O governo, nas diversas esferas, e o sistema financeiro também têm acenado com novos programas de incentivo.

Durante a pandemia, a agropecuária foi um dos poucos setores que manteve crescimento no país, gerando empregos e renda para parte considerável da população, além de evitar que houvesse desabastecimento de alimentos ao longo da crise. Com ciência e tecnologia, o setor vem se desenvolvendo vertiginosamente, e entendeu que é preciso o manejo correto dos recursos naturais para ganhar dinheiro com isso por séculos. A agropecuária moderna tem essa beleza de se renovar e se perpetuar. Em Bom Despacho, ao lado do bom controle da pandemia, ela garantiu ainda que comércio e serviços tivessem muito menos perdas que as observadas na maioria das cidades brasileiras. Há motivos de sobra para o povo da roça bater com orgulho no peito e dizer que estão “carregando” a economia do país.

Como sociedade, precisamos olhar com novos olhos para o setor. Os números são exuberantes e estão trazendo prosperidade para muitos municípios, especialmente em São Paulo, no Centro-Oeste e Sul do Brasil. Nas imediações de Brasília, há um caso que gosto de citar: Brazlândia. Menor que Bom Despacho, a cidade satélite se destaca pela produção de morangos. Com apoio da Emater-DF e da Embrapa, que adaptaram técnicas de manejo e variedades da fruta, uma cultura que começou com imigrantes japoneses na década de 60 se desenvolveu muito neste século e tornou Brazlândia uma das maiores produtoras de morangos do país. Com produção ao longo de todo o ano, a cidade também se destaca pela predominância de pequenos produtores com alta produtividade. Em 2019, foram plantados 180 hectares, por cerca de 200 produtores, com um faturamento total de 35 milhões de reais. Com planejamento, boa articulação coletiva, ciência e tecnologia adequados, o agronegócio criou um pólo agrícola no entorno de Brasília, onde predomina o serviço público.

Por favor, esperem um pouco! Não estou propondo que saiamos todos correndo em busca de mudas e consultoria para plantar morangos! Estou propondo que Bom Despacho reflita sobre o potencial do agronegócio, avalie alternativas, junte todos em torno de uma mesa e decida o caminho coletivamente. Poder público municipal, sindicato rural, cooperativas, bancos, órgãos de pesquisa e desenvolvimento e produtores, cada um pode trazer suas contribuições e comprometer-se com suas competências em um plano único. Não há mais espaço para cada um puxar numa direção, cada um buscar seu caminho sozinho. Não há dinheiro sobrando para esse tipo de capricho, nem tolerância de ninguém mais com isso. Só o que se ouve é fazer mais com menos.

O convite é para fazer diferente de verdade. E, usando outra palavra da moda, com o “propósito” maravilhoso de trazer oportunidades e renda para melhor alimentar o mundo. Olha que legal!

Vamos impulsionar nossos agroempreendedores! Que, caso a coisa seja bem sucedida, serão muito mais do que a nossa gente da roça.

Paulo Henrique Alves Araújo

Paulo Henrique Alves Araújo é gestor e servidor público, mestre em computação e gerente de projetos de inovação

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