Pedrinhas no mosaico

Nas minhas andanças por museus, bibliotecas, hemerotecas, sempre procuro algo a respeito de Bom Despacho, alguma coisa nova sobre o nosso chão amado. Antes da chegada do 7º Batalhão, em 1931, o destacamento policial pertencia ao 2º Batalhão, situado na longínqua Juiz de Fora. Um dia desses, por curiosidade, resolvi verificar, no Arquivo Público Mineiro, a pasta da correspondência do Chefe de Polícia do Estado com os delegados e subdelegados municipais. A correspondência não é numerosa, mas rica em detalhes sobre a vida da cidade, nas primeiras décadas do século passado.

Em primeiro lugar, emerge o contexto aqui vivido naqueles tempos, em que a mudança da capital para Belo Horizonte e a sua industrialização intensificaram o comércio de produtos industrializados e agrícolas, sobretudo nas regiões circunvizinhas. Esse desenvolvimento pressionou a construção das “estradas de rodagem” e das “estradas de ferro”, espalhando levas e levas de obreiros por todo o Estado. As reclamações da população, no tocante a arruaças, desrespeito às famílias e crimes de sangue, aumentaram significativamente. Essas queixas levaram o então delegado de polícia em exercício, Custódio José d’Oliveira, a encaminhar, em primeiro de julho de 1913, um ofício solicitando ao Chefe de Polícia o aumento de três praças para o destacamento local. A razão, diz o delegado, é que se acha em construção nos arredores e interior d’esta Vila um elevado número de obras, tornando-se insuficiente para manter a ordem pública a diminuta força aqui estacionada. Com um toque de diplomacia, ainda diz o delegado Custódio confiar na atenção do Chefe de Polícia aquele motivo imperioso para a tranquilidade das famílias e para que que não se desmoralize a polícia que nos mantém e cujos destinos “muito sabiamente dirige V. Excia”.

Em 1918, era delegado de polícia Segismundo Marques Gontijo. Recebeu ele ordem para investigar um alemão que residia no município. Em ofício de 5 de junho daquele ano, Segismundo informou enfaticamente ao Chefe de Polícia que o único alemão residente na cidade era Johan Schlech, mecânico, homem pacato, trabalhador, de costumes morigerados e muito útil ao lugar, pois era o único que existia por aqui. Nessa época, as investigações policiais, sobretudo nas vilas interioranas, eram precaríssimas. A culpa era formada, quando não havia confissão do acusado, em provas testemunhais e poucas evidências materiais. Com toda certeza, havia uma falsa acusação. O testemunho de Segismundo evitou uma injustiça e resguardou a imagem de um homem honesto.

Naquele mesmo ofício, nosso zeloso delegado pediu autorização para reparar a cadeia pública, incluindo as fechaduras, waterclosed sem descarga, no valor de 60000 reis. Relata Segismundo que havia a expetativa de condenação de vários réus que iriam a júri. Pede também o fornecimento de alimentos aos presos. Esse fornecimento, explica, estava sendo feito pela Santa Casa de Misericórdia da Vila.

História é artesanato. Cada nova pedra edifica o mosaico singular da existência de um povo e o faz mais senhor de si, mais confiante no caminho a seguir, mais orgulhoso do caminho percorrido.

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