A saborosa arte de chupar mangas
TADEU ARAÚJO – A arte de chupar mangas ou qualquer arte ou outro ofício é um ato que não nasce pronto, salvo raríssimas exceções. Para tudo é necessário tempo e prática. Um médico, um advogado, um militar, um professor, um pedreiro, um escritor ou músico, uma pessoa não se torna gente ou um perito de um dia para outro.
Assim também ocorre com a arte de viver, de amar, de perdoar ou de ser grato, de fazer amigos, de preparar uma refeição, uma fruta e seu suco, bem como outros verbetes mais da vivência humana, bons e até os maus. Nós vamos aprendendo, com o tempo, a prática e a repetição pela vida afora. A vida ensina tudo aos homens e mulheres em seu caminho existencial. Cada ser humano aprendendo um com o outro e com seus próprios exercícios, esforços e repetições.
Repeticio mater sapienciae est
Lembram-se que as missas eram em latim… Nos colégios dos padres, cedo comecei a estudar o Latim. Nos ensinavam que em Roma, na época de Virgílio, já antes de Cristo, pregavam nas escolas do Império Romano que “Repeticio mater sapienciae est. ” (A repetição é a mãe da sabedoria).
Lecionando por 60 anos
Vejam três casos que comprovam aquela verdade antiga. Comecei a lecionar a Língua Portuguesa em 1961. Lecionei por 60 anos ininterruptamente, até dois anos atrás, em 2021. E foi ensinando e aprendendo ao mesmo tempo a gramática, a literatura e análise de textos que avancei nos conhecimentos de nosso idioma pátrio. Certa vez uma aluna me disse: “Nossa, o senhor é muito inteligente! O senhor sabe tudo de português!
– Tudo, não. Sei alguma coisa. A inteligência é um dom que Deus deu a todo ser humano. Ela, a inteligência, me ajudou, como ajuda a todos nós. Mas meu aprendizado se fortaleceu como o de todas as pessoas com o tempo, com o esforço e a prática.
O Cestinha de Ouro
Oscar Schmidt, o maior cestinha de basquete do Brasil e um dos maiores do mundo, por tantas cestas que fazia em cada jogo, era chamado de “O Cestinha de Ouro.’’
Numa entrevista na televisão, disse ele ao repórter: – Cestinha de Ouro?! Vocês falam isso com ufania, como se fosse muito fácil. Não sabem que depois dos treinos nos clubes e na seleção, eu e o Marcel treinávamos à exaustão lançamentos à cesta, noites adentro. Só com muito repetição os craques mundiais de bola ao cesto ficaram tão conhecidos. A repetição… a prática… o tempo… a arte enfim conquistada.
A arte militar
O subtenente Gontijo (o Nego) perto de ir pra reserva por tempo de serviço militar afirmava: – Depois de 30 anos aprendendo o serviço, estamos no auge da carreira. O tempo, as tarefas, os cursos, as incursões na profissão fizeram-nos experts como policiais. Aí nos dão adeus e nos mandam para a reserva da polícia. Que desperdício! Quanto conhecimento deixado de lado, em detrimento da segurança da população.
Tão saborosas quanto difamadas
Não sei se é vero, mas dizem que os senhores de escravos do Brasil é que teriam inventado essa história que manga é um fruto perigoso. Se chupadas, num mesmo dia, junto com ovo, banana, garapa e sobretudo com o leite, era mortal. Principalmente com o leite, aí não havia recurso. Podia-se riscar a cova para o infeliz. Negros escravizados acreditavam nisso, dizem. Assim, para saborear mangas deliciosas, nos quintais da Casa Grande, recusavam o leite do sinhô, seu dono, aumentando seus lucros. E as gerações de nossos pais e avós e a de muitos de nós mesmos, verdadeiramente acabamos crendo também (até pouco tempo) na maldição da dulcíssima e bela fruta dos mangueirais brasileiros.
Roteiro para degustar
Acreditei, até ali pelos 20 anos, que a manga era um fruto venenoso, se misturado com outros alimentos. Por isso a manga devia ser evitada, senão vigiada pelos adultos. Chupávamos pouco a manga. Assim com pouco uso, sem a prática, sem repetição, não aprendemos a arte de chupar com deleite essa fruta tão suculenta e doce.
Moro numa chácara que produz saborosas mangas. Atualmente, passei a usá-las com prazer repetidamente e até com arte – repeticio mater sapienciae est – já diziam os antigos romanos. A vida e a prática me ensinaram a amar e degustar essa fruta com arte. Faça assim você também:
1 – Não chupe um fruto só de cada vez, chupe muitos, pois você pra chupá-lo com prazer e arte tem de se lambuzar todo.
2 – Pegue 4, 5, 6 ou mais mangas maduras, esprema-as com carinho, até ver que ela agora é um suco gostoso e adorável.
3 – Fure um buraquinho no alto de sua casca e sugue esse néctar dos deuses com êxtase e gratidão
4 – Em seguida retire o caroço amarelo da casca, morda suas bordas deliciosas até o caroço ficar branco. É bom demais
5 – Agora pegue a casca e procure lamber gulosamente os restos suculentos que restaram nela.
6 – Então, levante-se. Vá à pia do chuveiro. Lave as mãos, punhos e cotovelos, sua língua, lábios, bigode, se tiver, nariz, queixo e testa.
7 – Olhe-se com satisfação no espelho, pois você acabou de degustar, com sabor, arte, liberdade e sem culpa, uma das mais gostosas frutas que a Mãe terra sempre produziu para o deleite dos mortais.
(Portal iBOM / Tadeu de Araújo Teixeira é professor, escritor e fundador da ABDL / Imagem ilustrativa)