BDPREV: Vereadores engavetam projeto de interesse do servidor

Previdência é assunto complicado. De um lado, a matemática envolvida é incompreensível para a maioria de nós; do outro lado, os institutos têm um século de história de fraudes, corrupção, malversação e falência. No caso do BDPREV, só tivemos um caso de desvio de dinheiro. Isto aconteceu em 2005. No entanto, o instituto padece de subfinanciamento. Meses atrás os vereadores tiveram oportunidade de corrigir o problema. Em vez disto, a maioria se escorou na demagogia e o projeto foi arquivado. Ponto para a irresponsabilidade com o futuro dos servidores públicos e seus dependentes.

 

No Brasil o direito de se aposentar foi criado em 1923, com a Lei Eloy Mendes. Contudo, a lei só protegia os ferroviários. De lá para cá, mesmo aos trancos e barrancos, a previdência abriu suas asas para proteger a todos. No entanto, seus problemas históricos continuaram nos assombrando, especialmente a corrupção, a fraude, a malversação e a má gestão. Neste artigo, porém, tratarei apenas da questão do subfinanciamento que os vereadores, por maioria, optaram por não enfrentar.

O ramo da matemática que estuda os fundamentos da previdência social chama-se atuária. Como esta é uma técnica muito complicada, vamos deixá-la para lá e usar apenas aritmética elementar para mostrar o que está acontecendo. É uma forma simplória, mas que esclarece bem o assunto.

 

A contribuição

Imagine que um trabalhador tenha 20 anos, ganhe R$ 1.000,00 por mês e pretenda se aposentar aos 60 anos com uma renda também de R$ 1.000,00. Ela imagina que viverá até os 80 anos. Nestas condições, quando se aposentar precisará ter um pecúlio (poupança) de R$ 240.000,00. Como vai trabalhar por 40 anos (dos 20 aos 60), terá que poupar R$ 500,00 por mês.

Quando se aposentar dividirá os R$ 240 mil por 240 meses e terá a renda de R$ 1.000,00 que queria.

Este é o princípio fundamental da previdência contributiva. Ou seja, na aposentadoria o trabalhador recebe de volta o que economizou durante seu período laborativo.

 

Capitalização

Como dos 20 aos 40 anos o trabalhador está criando um pé-de-meia, o dinheiro que ele deposita gera juros que se capitalizam. Com juros (digamos) de 0,25% ao mês, na verdade a contribuição cairá para R$ 197,00 por mês, mas garantindo a mesma aposentadoria de um mil reais dos 60 aos 80 anos.

Estas contas simplificadas mostram como funciona a previdência contributiva. Ou seja, aquela em que o trabalhador paga uma contribuição mensal e depois a recebe de volta, mês a mês, quando se aposenta.

 

A solidariedade

A previdência contributiva é racional, mas não resolve tudo. O que acontece se o trabalhador ficar incapacitado para o trabalho antes dos 60 anos? O que acontece com sua família se ele morrer aos 30 anos? Sua família não pode ficar desamparada.

Para solucionar este problema existe a previdência solidária. Nela, aqueles que podem trabalhar recolhem um tanto a mais por mês para pagar as aposentadorias e pensões daqueles que não tiveram tempo de fazer o pecúlio necessário para garantir a aposentadoria.

Mas, quanto cada trabalhador deve pagar a mais para que todos tenham aposentadoria garantida, mesmo que alguns não possam contribuir por 40 anos?

É aí que entra o cálculo atuarial do qual estamos fugindo. Ele nos diz com quanto cada servidor deve contribuir para que todos tenham garantido o direito de aposentadoria e pensão mesmo que alguns morram precocemente ou tenham que se aposentar mais cedo.

 

Previdência moderna

As previdências modernas combinam o componente contributivo com o componente solidário. É assim que todos os trabalhadores e seus familiares ficam protegidos.

Mas, se o cálculo for errado, ou se a contribuição for insuficiente, mais cedo ou mais tarde o instituto de previdência irá à falência. Aí não haverá mais aposentadoria nem pensão.

 

Deficit atuarial

Quando as contribuições mensais não são suficientes para pagar o custo da solidariedade e formar o pecúlio que o trabalhador usará no futuro surge o que se chama deficit atuarial. Isto não significa falta de dinheiro em caixa agora; significa que, mais dia menos dia, o dinheiro vai acabar e os aposentados ficarão na mão.

Um exemplo aritmético mostra isto.

Digamos que hoje o BDPREV tenha 200 aposentados e pensionistas, cada um recebendo R$ 1.000,00 por mês. Isto dá uma saída de R$ 200.000,00 por mês. Do outro lado temos 400 servidores ativos com salários de R$ 1.000,00. Se eles contribuírem com 11% e a Prefeitura contribuir com mais 16,32% sobre os vencimentos, o BDPREV terá uma entrada de R$ 109.208,00 por mês.

Como entram R$ 109.208,00 e saem R$ 200.000,00 o deficit mensal é de R$ 90.792,00.

Esta diferença é paga com o dinheiro que o BDPREV tem em caixa. Portanto, todo mês ficará com R$ 90.792,00 a menos. Assim, se tiver R$ 5.000.000,00 em caixa, em 5 anos estará falido e não terá mais como pagar aposentadorias e pensões.

Os números acima são fictícios, mas o deficit do BDPREV é real. Por isto, se não quisermos ver o instituto abrir falência, ou cortamos as aposentadorias ou aumentamos as contribuições. O raciocínio é fácil de entender, embora os cálculos atuariais sejam complicados.

Se a matemática for desrespeitada, nenhuma demagogia de vereador poderá atalhar a bancarrota do BDPREV. É uma regra simples: de onde mais se tira do que se coloca, no final haverá um buraco.

 

A situação do BDPREV

O BDPREV já foi criado com deficit atuarial. Ou seja, considerando o presente e o futuro, o dinheiro que sai é maior do que o dinheiro que entra. Portanto, ele caminha para a incapacidade de continuar pagando proventos aos segurados.

Até aqui o instituto vinha sendo salvo pela combinação de quatro fatores: a) muitos aposentados são pagos pelo tesouro, não pelo BDPREV; b) inflação alta; c) juros altos; d) adicional patronal extra.

Esta combinação faz com que o BDPREV tenha aparência melhor do que a realidade, mas a situação está mudando. Primeiro, porque ninguém mais se aposentará pelo tesouro municipal. O instituto terá que arcar com todas as novas aposentadorias. Segundo, porque a inflação está baixa, o que favorece aposentados e pensionistas, mas prejudica o instituto. Terceiro, porque os juros estão muito baixos, o que diminui ainda mais a entrada de dinheiro no BDPREV. Quarto, porque o adicional patronal já está muito alto e não tem como continuar subindo indefinidamente.

 

Contribuição patronal

No exemplo mais acima, mencionei apenas a contribuição do trabalhador. Na prática o empregador contribui também. No caso do BDPREV, o servidor contribui com 11% dos seus vencimentos e a Prefeitura coloca mais 16,32%. Atualmente, porém, devido ao deficit, a Prefeitura está contribuindo com mais 14,55%, totalizando 30,87%. Este dinheiro sai da margem de gasto com pessoal. Portanto, prejudica o próprio servidor, que passa a ter aumentos limitados.

O mais grave, porém, é que este adicional não corrige o problema, apenas o empurra com a barriga. O BDPREV continua caminhando para a falência.

 

A omissão demagógica de alguns vereadores

Meses atrás o Prefeito mandou para a Câmara projeto de lei reajustando os valores de contribuição dos servidores. Sob falsos pretextos, explicações pouco técnicas, e manifestações demagógicas de suposta proteção aos servidores, a maioria dos vereadores votou pelo seu arquivamento.

Isto significa que a bomba continua armada. Mais dia, menos dia, explodirá com resultados danosos para todos. Enquanto isto, a contribuição adicional que hoje é de 14,55% continuará aumentando.

Mais uma vez a demagogia cobrará seu preço. Preço que será pago pelo erário e pelos servidores, não pelos vereadores que votaram pela omissão. Afinal, nenhum deles depende do futuro do BDPREV. Talvez por isto não tenham tratado o projeto com a seriedade e a dedicação que o assunto exigia.

Fernando Cabral

Fernando Cabral é licenciado em Ciências Biológicas, advogado, auditor federal e ex-prefeito de Bom Despacho

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