Gato de Schrodinger, eu e o coronavírus em Bom Despacho

Há alguns anos eu assisti a um episódio da série norte-americana The Big Bang Theory, uma obra sobre jovens cientistas ligados ao estudo da física, no qual era apresentada a teoria do Gato de Schrödinger. O Gato de Schrödinger é um paradoxo, pois há um gato fechado em uma caixa, de forma a não estar apenas vivo ou apenas morto, mas vivo e morto.

Esse paradoxo é uma experiência mental desenvolvida pelo físico austríaco Erwin Schrödinger, em 1935. A experiência procura ilustrar a interpretação de Copenhague da mecânica quântica, imaginando-a aplicada a objetos do dia-a-dia. Enquanto alguém não abrir a caixa, o gato estará vivo e morto ao mesmo tempo. Abrir a caixa, e só isso, pode resolver o paradoxo, deixando claro se o gato está vivo ou morto.

Lembrei-me do Gato de Schrödinger, e ele tem me atormentado, desde sexta-feira passada, quando descobrimos que um amigo próximo de minha namorada bom-despachense está com coronavírus. E pior, que havíamos tido contato próximo com ele uma semana antes de ele testar positivo, no domingo, durante o almoço.E, pior ainda, não sabendo que já estava contaminado, conversamos sem utilizar máscaras, objeto que portamos sempre que contatamos pessoas de fora da família, mas que negligenciamos diante do amigo, pois confiamos que ele estava se cuidando.

No domingo percebi que esse amigo próximo estava meio estranho, pois vestia uma jaqueta para aquecer-se, apesar do forte calor que fazia em Bom Despacho na hora do almoço. Ficou pouco tempo conosco e, alegando que estava indisposto, não ficou para almoçar e foi embora. Desconfiado, deixei de circular pela cidade desde então, como prevenção, mesmo sem saber se ele estava ou não contaminado.Ele era um Gato de Schrödinger para mim naquele momento: contaminado e não contaminado ao mesmo tempo. Quando saiu o resultado de seu teste na última sexta-feira, fiquei feliz de ter me adiantado e deixado de visitar os amigos da cidade e de tomar meu tradicional café com o Ivan do Na Praça Lanches.

Diante da confirmação de que o amigo próximo de minha namorada bom-despachense estava contaminado, a primeira sensação é de pânico. Estaremos nós contaminados? Psicologicamente, já nos sentimos mais fracos, um pouco febris, indispostos. Vivemos como Gatos de Schrödinger, já que o resultado dos exames pode ser qualquer coisa.

Primeira decisão: não ter mais contato com ninguém. Continuei correndo todos os dias, mas agora faço isso em lugares nos quais tenho certeza de que a chance de encontrar humanos é quase nula, como estradas de chão bem longe do centro.

Minha namorada bom-despachense iniciou uma longa negociação com seu plano de saúde para verificar quais exames poderiam ser realizados com cobertura financeira da empresa. Essa parte é pior do que a própria contaminação. O convênio não cobre o teste mais demorado, mas cobre o teste rápido. Depois, descobrimos que se ligasse para outro telefone da mesma empresa, eles cobriam o teste demorado, mas não o rápido. Por fim, descobrimos que e a ANS – Agência Nacional de Saúde – havia baixado uma portaria obrigando os convênios a pagarem pelos testes em situações como a nossa, ou seja, com chance real de contaminação.

Dezenas de ligações depois, ainda aguardamos algumas autorizações para fazer os exames sem custo, mas com a decisão tomada de fazê-los mesmo que tenhamos de pagar por eles, afinal, precisamos tirar o Gato de Schrödinger da caixa e saber se estamos ou não estamos contaminados.

Outra dificuldade que descobrimos na prática: dependendo do tempo de exposição ao vírus (uma semana atrás, duas semanas, três semanas) um teste funciona melhor do que o outro. Para fazer o teste rápido, cujo resultado sai quase na hora, e que apontará se estamos e se já estivemos contaminados, é melhor ter tido contato com o doente há pelo menos duas semanas. Por isso, estamos esperando chegar o dia de amanhã, quarta-feira, quando completará catorze dias da possível contaminação.

Enquanto aguardamos para tirar o gato da caixa, vivemos como fugitivos: não podemos ir ao mercado, o dono da padaria São Vicente gentilmente pendura pão e guloseimas na grade da casa de minha sogra, deixando o pagamento em segundo plano e acumulando a dívida para receber posteriormente, avisamos a todos que tentam um contato pessoal que estamos isolados, aguardando o resultado dos exames, enfim, torcendo para que tudo acabe bem.

As maiores preocupações, que são sogro e sogra, que pertencem ao grupo de risco mais elevado, aparentemente passam bem. Talvez, nem infectados estejam. Eu, minha namorada bom-despachense e sua filha estamos bem, sem sintomas aparentes. Talvez, nem contaminados estejamos. Talvez, um esteja e os outros não, como saber isso sem realizar os exames?

É uma sensação muito estranha essa de não saber a verdade e ter de aguardar. Essa expectativa me lembra o título maravilhoso do livro do prêmio Nobel da literatura do ano passado, o Peter Handke: “o medo do goleiro diante do penalty”. Parece que estou no Mineirão lotado, com toda a torcida olhando para mim e o título depende de minha ação, a de defender ou não o penalty final. É um pouco desesperadora essa pressão. Mas, assim como o goleiro pode pegar o penalty e se tornar herói, como Vitor na Copa Libertadores, ou o Fabio em tantas ocasiões, esperamos sair felizes dessa situação nesta quarta-feira.

De qualquer maneira, agora entendo perfeitamente a teoria de Erwin Schrödinger: enquanto o exame não apontar o resultado definitivo, eu, minha namorada bom-despachense e sua família estaremos vivos e mortos ao mesmo tempo, ou melhor, contaminados e não contaminados. Sinceramente, já nem sei para que resultado torço neste momento, depois de tanta aflição. Acho que vou torcer para que o gato tenha sumido da caixa…

Alexandre Magalhães

Alexandre Sanches Magalhães é empresário, consultor e professor de marketing, mestre e doutor pela USP e apaixonado por SP e BD

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