Matheus Vargas traz “Fama” novamente ao teatro de BD

VANDER ANDRÉ – Escrever sobre a cena teatral em Bom Despacho me levou a dar um salto de mais de vinte anos na história, do início dos anos 80 até os anos 2000. Participei como ator-mirim do Grupo Teatral Porta Aberta na apresentação do espetáculo “A Viagem de um Barquinho” (1983) de Sylvia Ortof. O grupo, que nasceu de um sonho do grande amigo do Banco do Brasil, Maurício Antunes, iniciou a sequência de espetáculos com o teatro cantado, baseado na música Construção, de Chico Buarque.

No grupo, convivi com pessoas que se dedicavam às artes cênicas na nossa cidade, como Deolina, Roniere Menezes, Rogério, minhas irmãs Sílvia e Samira, Benício Cabral e tantos outros, além dos diretores e administradores notáveis como Bill Morais, Paulino Menezes e outros amigos, que minha memória não recorda com precisão.

Apresentamos a peça infantil no Salão Vicente, com recursos cênicos limitados em um pequeno palco elevado da plateia, sem cortina. Alcançamos a “fama” naquela época quando viajamos até Dores do Indaiá para apresentações no antigo teatro que outrora foi um cinema e agora é uma loja de material de construção.

Poucas pessoas têm memória vívida dessas apresentações. No entanto, temos a sorte de ter registrado nossa história no Livro de Ouro de Bom Despacho –100 anos, na página 131.  Acesse o Livro de Ouro CLICANDO AQUI.

Nos anos 2000, com nosso salto na história já explicado, Bom Despacho teve a oportunidade de testemunhar o talento do dramaturgo Júnior de Sousa por meio do seu renomado Grupo Fama. Ao lado de jovens atores como Ítalo Laureano, Estela Mara e outros, ele trouxe uma série de espetáculos autorais para o Colégio Tiradentes, onde também era professor de Português e Redação. O salão de teatro ficava lotado e logo ficou pequeno para tamanho sucesso. 

Tudo por Diana

Nesse período, em torno de 2001, o jovem Matheus Vargas entra na cena teatral da cidade, desempenhando um papel na peça Tudo por Diana, uma comédia escrita por Júnior de Sousa que contava a história de uma menina do interior (interpretada por Estela Mara) sonhando em viver na capital e rejeitando o namoro com o filho do fazendeiro (interpretado por Ítalo Laureano), encenada no Salão São Vicente. Com apenas três falas simples, Matheus se destacou por sua dedicação aos ensaios e no palco. Surgia em cena pouco mais de três minutos ao longo de todo o espetáculo, como um dos strangers boys, dançarino do Show de Emoções, declamando somente: Well, the book is on the table

Sob direção de Júnior de Sousa e Ítalo Laureano, o jovem ator fazia exercícios teatrais e na peça seguinte, A sorte grande (2003), a sorte lhe alcançou, evoluindo nos papéis, atuando como irmão do protagonista. Para ele, ainda há a dúvida se à época já era bom ou esse seria um prêmio pela sua dedicação e assiduidade. A peça era um cineteatro com projeções em vídeo realizadas por Clécio de Paulo, também encenada no Salão São Vicente com ingressos a 2 reais, vendidos na Ótica Ponto de Vista. 

Entre 2002 a 2005, Matheus atuou em espetáculos em Bom Despacho e região, ainda no Grupo Fama: Uma casa para ninguém e O menino que só queria cantar dirigidos por Ítalo Laureano. No período, fez o curta-metragem A Culpa, também sob direção do bom-despachense Cristiano Araújo e o filme Uma chance para Glória, sob direção de Ítalo Laureano. 

Brilho no olhar

Aos 16 anos, Matheus decidiu começar a se profissionalizar como ator e fez o primeiro curso de Teatro com Teuda Bara, do Teatro Galpão, em Belo Horizonte, no Galpão Cine Horto, quando teve contato com outros artistas que o encantaram, como Inês Peixoto, Eduardo Moreira e outros que, segundo ele, traziam o brilho no olhar e o amor pelo teatro, que tanto o comoveram. 

Após o treinamento, continuou fazendo espetáculo pelo Grupo Fama, como o memorável Três mulheres e um amigo, em 2008, que foi encenado na antiga boate PHD, com o apoio cultural da sua proprietária Celminha. As dificuldades para montagem eram enormes, o aluguel dos espaços muito caro, os custos da produção (som, luzes, panfletos) eram altos e os patrocínios conseguidos em valores irrisórios, daí os cartazes serem repletos de marcas de patrocinadores…

Matheus fez vários cursos de Artes Cênicas em Uberlândia e, aos 18 anos, já professor de teatro, conseguiu o seu registro de Ator (DRT) em Belo Horizonte, onde estudou Teoria Teatral. De volta à terrinha, foi professor em diversos colégios, sendo convidado também a ministrar cursos em Curvelo, Felixlândia e Várzea da Palma (MG). Depois, foi professor em Divinópolis e Diretor de Atividades Culturais na Casa de Cultura de Nova Serrana. 

Nos palcos, em 2008, apresentou o espetáculo 101 Dálmatas, em BH, sob direção de Freddy Mozart, com atores mineiros renomados. A partir de então, optou por não atuar mais em espetáculo infantil.

Trabalho no Rio de Janeiro

Sua trajetória o conduziu ao Rio de Janeiro, onde ele se deparou com novos desafios e oportunidades no cenário teatral e televisivo. Submeteu-se a um teste com o diretor Hamilton Vaz Pereira, o criador do grupo Asdrúbal, onde foi seu aluno na escola de teatro O Tablado. Participou de várias leituras e apresentações e estudou com ele, interpretando papéis em peças como “Carmelo e Melampus“, além de estar envolvido em três tratamentos de textos para o que se tornaria o longa-metragem “Trate-me leão“, uma peça que havia sido censurada durante a ditadura. Em 2011, estudou no Teatro “Tá na Rua”, com Amir Haddad, sobre teatro de rua, quando teve oportunidade de falar sobre sua experiência com o Grupo Galpão.

Na Agência Quadro a Quadro (RJ), ele gravava espetáculos teatrais para que produtores pudessem enviar aos editores, atendendo às demandas por vídeos das peças, estabelecendo contato direto com os produtores, comercializando seu trabalho. Devido à sua afiliação com a agência, teve a oportunidade de assistir a diversas peças e conhecer uma série de artistas talentosos.

Ainda no Grupo Fama, montou em 2014 o espetáculo Guarapari é aqui no Salão São Vicente e dirigiu Amor a dois, em Bom Despacho. Depois ela foi apresentada em Belo Horizonte, com direção de Mauricio Canguçu. Com Júnior de Sousa, fez “Três mulheres e um amigo” e o monólogo “O Mundo tá muito louco” apresentados em BD e em várias cidades. E como não poderíamos deixar de citar, o famoso “Confusão Esporte Clube”, quando sua ex-esposa, que também é atriz, subiu ao palco grávida da sua filha, Flor. 

Um fato curioso na sua carreira em Bom Despacho ocorreu em 2016, durante a apresentação do espetáculo baseado na obra neozelandesa “Ladies Night”, de Anthony Mc Carten e Stephen Sinclair, que inspirou o filme “Ou tudo ou nada. O texto é uma versão livre do argentino Daniel Botti, “Os sem-vergonhas” (direção de Guilherme Leme) no SESC Bom Despacho. Os seis atores não puderam apresentar a cena final em que eles ficavam nus… Nesse período, fez também o espetáculo Solteiro Fora de Forma, com texto do Cristiano Araújo e direção do comediante Carlos Nunes, de Belo Horizonte. 

Atuação na TV

Curtas, médias metragens e comerciais fazem parte da trajetória de Matheus. Destacam-se os comerciais Doritos em 2013, gravado pelo seu irmão Gabriel Vargas, Carnaval da PM 2020, além do curta-metragem Papo Reto, que passou na mostra de Tiradentes; e o curta para o concurso Johnnie Walker, Rotina . Isso sem falar nas suas participações no elenco de apoio nas novelas globais Viver a vida e Passione.

A sua última apresentação no palco foi em 2020, no Teatro Bradesco, em Belo Horizonte, no espetáculo Um solteiro fora de forma, quando viu a casa cheia e nem imaginava o que viria na sequência. Com a pandemia, passou a dar aulas de teatro on-line, gravava vídeos para o Tik-Tok como o Tacym, disponível no Instagram com o perfil @uaitacym e na rede social, trolava programas de TV como o BBB, além do divertido vídeo sobre o “movimentado” carnaval em Bom Despacho. 

Hoje, Matheus concentra sua energia na docência e na Direção teatral. Possui registro profissional de Diretor de espetáculos desde 2015, colaborou com a empresa Galorys (BH) e produz conteúdo para internet, incluindo streamers e vídeos com “pequenos” grandes comediantes e jogadores (gamers).

Casa de Cultura 

O desejo de Matheus é ver a cultura em Bom Despacho florescer novamente. Ele sonha com a criação de um espaço cultural público, a Casa de Cultura, onde diversas formas de expressão artística possam se manifestar, como clube e seus bailinhos (inclusive à fantasia), eventos, aula de música, danças, ballet, hip hop, apresentações, rodinhas de samba, ensaios abertos de teatro, coral, pintura, grafite, desenho, espaço para movimentação da juventude e muito mais. Atualmente, para apresentações, os raros salões disponíveis na cidade, além de inadequados, têm preços muito elevados para locação, o que inviabiliza as realizações.

Espera-se que esse impulso cultural tenha apoio tanto das entidades públicas quanto por empresários e a sociedade em geral, reconhecendo a arte, em especial a cênica, como um trabalho digno de valorização, indo muito além do que dizem se tratar de mero hobby dos atores. E, claro, que a “fama” do nosso Teatro em Bom Despacho volte a correr mundo, encontrando “portas abertas”, saindo rápido deste período de inércia e movimentando a cena cultural da nossa cidade e região.  (Vander André Araújo é advogado, filósofo e escritor / Fotos: Vandre André e arquivo Matheus Vargas)

 

 

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