Mulheres têm um longo caminho a percorrer

 

FERNANDO CABRAL – Na última edição desta coluna celebrei a ascensão das mulheres nas forças de segurança de Minas Gerais. Como exemplo, mencionei que a major Marianna Costa assumiu o subcomando do 7º BPM; lembrei que a major Amanda Miranda comanda o CBM de Divinópolis; registrei que Amanda Costa ficou em primeiro lugar entre os mais de 500 alunos do curso de formação de bombeiros; destaquei a perícia da major Karla Alvarenga ao pilotar o helicóptero do Corpo de Bombeiros que prestou os primeiros socorros às vítimas de Brumadinho. Finalmente, assinalei que recentemente a coronel Daniela Costa assumiu a chefia do Estado-Maior. São indicativos der que as mulheres não recuam mesmo quando as condições lhes são desfavoráveis e não se intimidam mesmo frente às maiores responsabilidades. Contudo, ainda há um longo caminho a percorrer. Há o que comemorar, mas as notícias nacionais desta semana mostram que ainda há muito a conquistar: a violência contra a mulher, com demasiada frequência, ainda se dá por um motivo fútil e torpe: machismo.

Se nos ativermos apenas aos últimos dois séculos da história da humanidade, perceberemos o continuado avanço das mulheres na luta pela igualdade. Não por concessão e dádiva dos homens, mas por conquistas arrebatadas nas lutas travadas em casa, nos salões, nas escolas, nas ruas, nos parlamentos, em todos os cantos.

Comecemos pelo direito ao voto, o símbolo mais claro da democracia. O voto em si não garante democracia, mas não se faz democracia sem voto. No entanto, as mulheres só começaram a ter direito a voto em 1893, na Nova Zelândia. Antes, não votavam em lugar algum. Não eram cidadãs. Somente homens votavam, e só eles podiam ser eleitos. Este foi o modelo que prevaleceu desde a Grécia Antiga, três mil anos atrás.

Na Roma Antiga nem se fala. A mulher era propriedade do pai e depois do marido. Se elas tinham poder e influência era por astúcia, não por terem cidadania ou direitos reconhecidos. Elas eram pouco mais do que escravas.

Mas, com as sucessivas lutas, o direito ao voto foi chegando. Até a terceira década do século passado quase todos os países ocidentais haviam acatado o voto feminino. Fazendo os cálculos vemos que, de 6.000 anos de história da humanidade, somente nos últimos 100 as mulheres puderem votar.

E não se pense que o direito ao voto avançou sem resistências. Nos Estados Unidos, por exemplo, os homens criaram uma forte associação chamada “Associação Nacional Contra o Voto Feminino”.

A negação à direito de cidadania e ao voto ainda persiste em muitos países, principalmente no Oriente Próximo e na Ásia. Não admira: nos países árabes as mulheres não podem nem sair à rua sozinhas, tirar o véu, dirigir um carro ou trabalhar fora de casa. Não podem nem mesmo escolher seus maridos. Portanto, quando falamos de conquistas, geralmente estamos falando dos países ocidentais.

Apesar dos triunfos que as mulheres granjearam nos últimos cem anos, elas não podem descansar sobre seus louros. A resistência a vencer ainda é grande e muitas vezes começa dentro de suas casas. Elas ainda são vítimas dos seus pais, seu namorados, seus maridos. É isto que se extrai do renque de notícias publicadas esta semana. Nelas, vemos que as mulheres, por qualquer dá cá aquela palha, ou por nada mesmo, são atacadas, espancadas, humilhadas, expostas e mortas. No fundo, pelo simples fato de serem mulheres.

Esta semana o G1 trouxe muitas histórias tristes desta violência. Por exemplo:

Em Campo Grande, Francielli teve os dentes arrancados com alicate, levou choque elétrico e foi morta a facadas pelo marido. Motivo: ele desconfiava que ela era infiel. Sua desconfiança foi suficiente para justificar o ato escabroso.

Camila (Diadema, SP) foi assassinada pelo ex-companheiro (e aqui é importante destacar que era ex) porque estava grávida do seu novo companheiro.

Em Laranjal do Jari (AP), Darlene foi assassinada com quatro facadas desferidas pelo marido. Motivo? Ciúme.

Desnecessário continuar com esta lista de atrocidades cometidas por homens contra mulheres por motivos tão fúteis como ter ciúme por suspeita.

O resultado trágico de tanta violência foram 1.400 feminicídios em 2022. Isto significa que, ano passado, uma mulher foi assassinada a cada seis horas pelo simples fato de ser mulher.

Recrudescimento do machismo

Ao que tudo indica, o aumento do feminicídio representa um recrudescimento do machismo em nosso país. Nas redes sociais podemos ver como isto está acontecendo. Há grupos explicitamente machistas que apoiam, promovem e justificam a violência dos homens contra as mulheres.

Movimentos machistas não são novos. No final do século XIX, nos Estados Unidos, já os havia, sob a forma de associações masculinas. A associação masculina contra o voto feminino é um exemplo já mencionado acima. No entanto, com a Internet, estes movimentos ganharam enorme visibilidade e muita adesão. O mais antigo deles é o INCEL, que significa “celibato involuntário” (do inglês involuntary celibate). Ironicamente, o movimento foi criado por uma mulher que se sentia solitária e queria um espaço virtual para homens e mulheres se encontrarem. Em 2000 ela perdeu o controle do grupo que foi dominado por machistas, misóginos e supremacistas brancos. Ela se retirou do grupo, mas a caixa de Pandora estava aberta.

Desde então o grupo INCEL defende a subjugação da mulher, à força se necessário. Para se ter uma ideia, eles consideram que têm direito a fazer sexo com elas, quer elas queiram, quer não queiram.

Outro movimento que se espalhou pela Internet é o MGTOW, que significa, em tradução livre, Homens de Verdade Seguem Seu Próprio Caminho. Menos radical com relação à violência, este grupo defende que os homens não podem ter nenhuma relação de igualdade com as mulheres. Eles devem sempre impor sua vontade e ter ou não ter mulher ou mulheres conforme lhes seja conveniente. O que as mulheres pensam não importa.

Mas o grupo que está em triste evidência no Brasil, nesta semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher é a Machosfera, um movimento de supremacistas brancos, armamentistas, ultradireitistas, racistas e profundamente misóginos que querem negar todos os direitos das mulheres.

O expoente deste grupo no Brasil é Thiago Schutz (sobrenome verdadeiro: Schoba). Na Internet ele oferece cursos de machismo. Ele diz que a mulher verdadeira se submete ao estilo de vida do homem e nunca o contrário. Em episódio recente ele ganhou mais fama como o homem do Campari, o homem do curso red pill e outras maluquices machistas. Mas, seu maior destaque foi a ameaça pública, via Internet, de meter bala na atriz Lívia La Gatto porque ela fez uma paródia às propostas dele.

Quando nos aproximamos do fim do primeiro quartel do século XXI, é triste ver que a misoginia ganha nova força ao se mesclar ao supremacismo branco e ao racismo étnico e religioso. São sinais de alerta de que há risco de refluxo nas conquistas femininas. Isto porém, não nos impede de comemorar o quanto as mulheres avançaram nos últimos 100 anos. Por isto temos que dar parabéns a elas e desejar que continuem tendo sucesso nas suas lutas.

Quando há isonomia entre homens e mulheres, quando todos são iguais em direitos e deveres, a humanidade ganha. (Portal iBOM / Foto: Senado Federal)

Fernando Cabral

Fernando Cabral é licenciado em Ciências Biológicas, advogado, auditor federal e ex-prefeito de Bom Despacho

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