Cinquentenário da turma do Tiro de Guerra 1972
RONAN TALES DE OLIVEIRA – Poucas pessoas proporcionaram um espírito de cidadania para com os jovens bom-despachenses como o instrutor do Tiro de Guerra, sargento Oliveira. Este militar do Exército Brasileiro mudou a nossa mentalidade e nos ensinou o significado do espírito de coleguismo e de compromisso do dever cumprido. Na verdade, entendíamos pouco de tudo isso, mas os seus ensinamentos foram, para todos nós, um bom começo.
Nessa época tínhamos o melhor time de futebol de salão da região, vencíamos quase todos os jogos com folga. Uma de nossas atividades era proteger as crianças e idosos, sem contar, é claro, o carinho para com as nossas jovens filhas de Bom Despacho. O ano era 1972, o prefeito da cidade era Antônio Leite de Oliveira, homem dos três “s”: solidário, simpático e simples. Se usasse um hábito, poderia ser, sem dúvida, confundido com um frade franciscano, com toda sua cordialidade.
A cidade não era muito diferente do que é hoje. Conhecíamos as grandes e pequenas famílias; da Vila Militar à Cruz do Monte, passando pela rua do céu, hoje Flávio Cançado.
Os médicos eram os nossos três mosqueteiros, Dr. Juca, Dr. Roberto e Dr. Mesquita. Quem fez os exames de aptidão dos jovens atiradores foi o Dr. Mesquita, que aprovou todos nós com louvores, na presença do Dr. Orlando Lopes Cançado, então advogado da Prefeitura e professor de Geografia no Colégio Tiradentes. Nunca me esqueci do seu carro, pois o empurrávamos no pátio do batalhão para pegar no tranco. Era um homem de índole familiar, amigo de todos.
Agora vamos falar dos atiradores filhos da pátria. Éramos 72 atiradores prontos e preparados para o que der e vier. A nossa turma tinha alguns apelidos bem engraçados. Tinha o Boi, o Parafuso, o Rocha, o Peninha e o Catarina. O cabo Renato Queiroz até os dias de hoje sabe de cor o nome e o número de todos nós. Somos até hoje bons amigos, apesar das voltas do mundo. Mesmo não os vendo, as lembranças daquele tempo ainda residem em nossas memórias. O quepe, a farda verde e o coturno brilhando faziam de nós pessoas diferenciadas. Todos admiravam quando passávamos. Algumas moças chegavam a tropeçarem.
É comum em nossos dias encontrarmos alguns colegas nas ruas de nossa cidade ou pelas redes sociais. Pelo andar da carruagem, muitos de nós iremos morrer de velhice. Dizem que é o melhor jeito de morrer, eu não discordo. A tarefa de viver é dura, mas é fascinante. Durante o nosso tempo de Exército aprendemos muito mais com a vida de atiradores do que nos bancos de uma universidade. Dizem que o amor é pra sempre, eu digo que a amizade e suas lembranças nunca acabam. Em nossa vida, é preciso só espanar a poeira e dar a volta por cima. A vida é como um leito de um rio que segue serenamente a sua trajetória, sem ao menos titubear.
Na cadência dos anos, aprendi que se tiver que fazer alguma coisa, faça com perfeição, igual fizemos no tempo do Tiro de Guerra. Poucos conheceram o valor da amizade, como era em nossa turma. Conhecíamos uns aos outros só de olharmos, sem precisar falar ou tocar. A amizade entre nós era como o sol, brilhava e nos aquecia por dentro. A grande maioria dos atiradores estão bem vivos e, pelo visto, repito, só vão morrer de velhice. A saudade daquele tempo “é um sentimento que quando não cabe no coração, escorre pelos olhos” (Bob Marley).
Tempo bom e de grandes aprendizados. Todos os dias, a partir das cinco horas da manhã, pelas praças, ruas e travessas de nossa cidade, encontrava-se sempre um soldado atento, andando com passos firmes em direção à nossa sede, que continua no mesmo local, na avenida das Palmeiras, 493. Geralmente andávamos dois a dois, com o passo certo, como se estivéssemos em um desfile, nada nos tirava a atenção e a cadência. Nos passeios e nas ruas o nosso passo era único e no ritmo cadenciado dos dobrados militares do pós-guerra, que guardo ainda hoje em minhas lembranças. Especialmente porque meu pai era músico da banda do 7º Batalhão, que tocava nos desfiles. Geralmente o Tiro de Guerra desfilava após o 7º Batalhão, ocupando lugar de destaque.
Saudávamos uns aos outros com alegria, sem tocar. Éramos soldados, aprendemos a agir como tais. Tempo de suor e muita alegria. O nosso ilustre sargento morava em frente à sede e, por sorte nossa, nunca faltava. Toda a vizinhança nos ajudava a ser cuidadosos, deste modo mantínhamos a confiança do sargento.
E o cabo do dia mantinha o grupo formado para recebê-lo. O nosso sargento quase não sorria, mas trazia em seu rosto o semblante amigo, pronto a nos ajudar se precisasse fosse. Tratava-nos como soldados, inferiores somente a Deus. O sargento incentivava, em sua fala, amizade e confiança para sermos um grupo comprometido em fazer a diferença, custasse o que custasse. Quando não estávamos em ordem unida que significava força nos braços e nas pernas, marchando em várias direções, segurando nas mãos e nos braços o fuzil, arma de treinamento, estávamos tendo aula e estudando o “Regimento”.
Após a ordem unida, praticávamos exercícios físicos e para os jogadores, o treino de futebol de salão. Para ganhar mais uma disputa, os jogadores mantinham-se aptos para demonstrar suas habilidades. Na competição, nada de brincadeira. Nossa instrução começava às cinco da manhã e terminava às onze horas. Ao término, subíamos a Avenida das Palmeiras rumo às nossas casas para descansar a farda para o dia seguinte. Uns iam trabalhar, outros, como no meu caso, estudar e ajudar nos afazeres em casa. Isto porque meu pai era militar e minha mãe era uma líder, distribuía tarefas e cobrava de cada um de nós irmãos; depois, estudar.
A parte boa se fazia por ocasiões de desfile e ou aos domingos no campo de futebol, quando surgiam, de vários pontos da cidade, as mais lindas jovens. Andavam sempre em bandos como revoadas de lindas borboletas. Eram jovens para agradar a todos os gostos. Cabelos curtos, médios ou compridos, de várias cores. Nenhum adorno era mais brilhante do que seus sorrisos e seus olhares, e não existia maior delicadeza no modo de andar. Geralmente eram alunas do Colégio Industrial, Colégio Miguel Gontijo e Tiradentes. Dentro de seus uniformes, eram como princesas desfilando, machucando o coração de cada um de nós, atiradores.
Outra ocasião de alegria em nossa cidade era a Festa do Rosário, o feriado levava todos para a rua com muita alegria, e nós, dentro de nossas fardas, mantínhamos a ordem aparente, cobiçando os olhares das lindas princesas. Tudo parecia um sonho, nada dava errado. Entre os atiradores, tinham os mais chegados. No meu caso, os meus amigos comuns eram o Rato Fidelis, Betinho do Sô Pedro Leonardo, o Rocha do Sô Roldão e o Rita do Sô Dário Couto. Nós éramos como irmãos, sorríamos por nada e nos alegrávamos com tudo. Estas amizades perduram no meu coração até hoje.
Viva o Tiro de Guerra, viva o Exército Brasileiro, viva Bom Despacho, viva o ano de 1972, onde teve início este período bom de nossas vidas. O Tiro de Guerra me ensinou a ser um homem realista e esperançoso, cheio de amor e fé em toda humanidade. (Portal iBOM / Fotos: Arquivo RTO) – Ronan Tales de Oliveira é professor e escritor