Bom Despacho tem só 53.750 habitantes, IBGE? É sério?

 

FERNANDO CABRAL – No Brasil compete ao IBGE contar a população. O resultado desta contagem é importante para os governos municipais, estaduais e federal. Os números permitem à administração dimensionar o que precisa ser feito. Isto inclui a previsão de salas de aula, médicos, leitos hospitalares, abastecimento de água, fornecimento de energia elétrica, melhorias de trânsito, compra de medicamentos, nomeação de policiais. Não há uma só área que não seja afetada pelos números do censo. Para os municípios há um valor especial: é com base no censo que eles recebem o Fundo de Participação (FPM). Este é o maior volume de dinheiro que o município recebe todos os anos. Se o IBGE jogar os números para baixo, o cidadão perde muito. Quando o IBGE erra, todos pagamos. O que o último censo mostra é que o IBGE está errando mais do que nunca. E os erros vêm de há muito prejudicando Bom Despacho.

 

Em julho de 2015 a prefeitura oficiou ao IBGE demonstrando a disparidade entre o tamanho da população informada por ele e o tamanho calculado pela prefeitura. Para o IBGE, naquele ano Bom Despacho tinha 48.802 habitantes, mas os cálculos da prefeitura apontavam para 67.240 habitantes. Uma diferença de 18.438 pessoas. Isto, em 2015.

Agora, no final de 2022, o IBGE diz que Bom Despacho tem 53.750 habitantes. No entanto, novos cálculos apontam para 73.240. Uma diferença de 19.490 habitantes.

Será que o IBGE está certo?

Para começar, o IBGE tem obrigação de fazer o censo a cada 10 anos. Isto significa que houve um atraso de 3 anos, pois o último foi feito em 2010 e o atual ainda não foi encerrado, embora já estejamos em 2023. Mas o mundo não para e o Brasil precisa dos números. Por isto, em dezembro, o IBGE fez um improviso. Em termos populares, uma gambiarra. O resultado foi este número precaríssimo, baseado em projeções duvidosas: 53.750 habitantes. É um número inventado com base em fórmulas matemáticas não demonstradas e não comprovadas.

Os números em 2015

A regra do censo é que ele seja feito com visitas a todas as residências e os moradores sejam contados sem duplicação. Este é o único sistema que dá resultados precisos, mas para isto, tem que ser bem feito. Contudo, ao que tudo indica, o IBGE abriu mão da qualidade e está fazendo um trabalho precário e pelas metades.

Já a prefeitura usa outros meios para conferir se o IBGE vai bem ou vai mal. Os resultados não são tão precisos, mas permitem constatar se os números oficiais são ao menos sensatos. Ou seja, se estão dentro da margem de erro esperada e se correspondem razoavelmente ao que todos podem ver.

Eis alguns exemplos de números que guardam relação com o tamanho da população: 1) quantidade de lixo gerado; 2) quantidade de contas bancárias; 3) quantidade de telefones celulares em uso; 4) quantidade de matrículas escolares; 5) quantidade de nascimentos e mortes; 6) quantidade de casamentos; 7) quantidade de carros cadastrados no município; 8) quantidade de empregados; 9) volume do consumo de gêneros alimentícios; 10) quantidade de eleitores; 11) número de pagantes por TV a cabo; 12) número de alunos matriculados.

Por óbvio, quando a população cresce, estes números crescem, e vice-versa. Na maioria das vezes há uma correlação forte. Por isto, combinando estes números é possível inferir o tamanho da população e também sua taxa de crescimento. Contudo, os cálculos mais precisos são feitos com base no número de domicílios e de um serviço quase universal em Bom Despacho: a ação dos agentes de controle de endemias (ACEs) que têm obrigação de visitar todas as moradias do município.

Pois bem, foi assim que a prefeitura contestou os números do IBGE em 2015. Naquele ano o IBGE dizia que Bom Despacho tinha 49.236 habitantes, porém, os cálculos da prefeitura apontavam para 67.240. A tabela ao lado mostra os cálculos da época.

Nota-se que há pequena divergência entre os números da Copasa, da Cemig, dos ACEs e do cadastro imobiliário. A diferença se justifica porque os cadastros não evoluem de forma perfeitamente sincronizada. Além disto, até pouco tempo atrás, Copasa e Cemig ligavam água e energia elétrica mesmo em imóveis clandestinos. Embora isto já não seja mais permitido, ainda há imóveis em situação irregular.

Simplificando: multiplicando o número de imóveis residenciais pelo número médio de moradores por residência, chegamos à população de 67.240 habitantes em 2015.

Em 2023 podemos fazer o mesmo cálculo. Neste caso, para simplificar, usaremos apenas o número de residências que constam no cadastro imobiliário da prefeitura: são 20.104 imóveis. Se consideramos média de 3,35 moradores por residência, chegamos à população atual de 67.348 habitantes. Isto, para a população urbana.

No cadastro do INCRA consta que Bom Despacho tem 3.473 imóveis rurais. No cadastro da Receita Federal este número é menor: 2.659. Na falta de números atualizados, consideramos os números de 2015 que indicavam haver 1.759 residências rurais. Temos aí mais 5.892 habitantes.

Portanto, somando urbanos e rurais, não é desarrazoado supor que a população atual de Bom Despacho é de 73.132 habitantes.

Por outro lado, se tomarmos o número fornecido pelo IBGE (53.750) e dividirmos pelo número de residências urbanas (20.104), encontraremos média de 2,67 habitantes por residência. Se incluirmos as residências rurais (1.759) o número cai para 2,45. Em qualquer dos casos, vemos, intuitivamente, que a contagem do IBGE não é convincente. Não há nenhum indício de que, em média, as residências de Bom Despacho não abriguem nem três moradores.

Isto não significa dizer que podemos cravar que a população do nosso município é exatamente de 73.132 habitantes. Há outras variáveis que não foram levadas em conta. Contudo, é possível afirmar, com grau razoável de certeza, que o número do IBGE está subdimensionado de forma significativa. Isto, por si só, acarreta prejuízos enormes para Bom Despacho e seus cidadãos.

Mais um indício de falha: com base nos números do IBGE, entre o censo de 2010 e 2022, nossa população cresceu a uma taxa média de 1,37% ao ano. Mas, se separarmos os períodos 2010-2019 e 2019-2022, encontramos taxas muito distintas: 1,15% para o primeiro, 2,03% para o segundo. Como o IBGE explicaria esta mudança de dinâmica nos últimos três anos? As mulheres passaram a ter mais filhos? A imigração aumentou? As pessoas deixaram de morrer? Não, não há nenhum sinal de que estas coisas tenham ocorrido.

Mas a diferença é realmente grande. Para se ter uma ideia, usando a primeira taxa nossa população dobraria em 63 anos, mas usando a segunda, a dobra viria em 35 anos. Dá para perceber que não faz sentido.

Municípios na justiça

Estes erros do IBGE são antigos. Basta registrar que, no momento, 31 municípios brasileiros tiveram sua população ajustada por ordem judicial. Em todos estes casos a justiça federal reconheceu que os números do IBGE estavam errados.

Há mais: na sua página sobre população, o IBGE informa que hoje o Brasil tem 215.618.380 habitantes. No entanto, segundo documento que divulgou no dia 25 de dezembro (menos de um mês atrás), a população nacional é de 207.750.291 pessoas. E agora? 215 ou 207 milhões? E em Bom Despacho? Estamos mais para 53.730 ou mais para 73.132?

População brasileira no dia 10/1/2023 na página do IBGE.

Será que os 20 mil habitantes que nos faltam em 2023 estão entre os 8 milhões que o IBGE fez desaparecer no último censo?

Uma coisa é certa: já faz tempo que o IBGE não vem fazendo jus à fama que costumava gozar de órgão competente e sério. Sua metodologia é inadequada, sua demora é notória e seus resultados sofríveis.

Para que o prejuízo não seja maior, cabe à prefeitura recorrer à justiça e tentar consertar isto da mesma forma que 31 municípios brasileiros já conseguiram. O trabalho será grande, mas a recompensa chegará na forma de milhões de reais a mais a cada ano. De brinde, teremos também mais segurança, pois quanto maior a população oficial, mais o Estado de Minas manda policiais, viaturas e outros recursos.

Não tenho nenhum elemento que me convença que Bom Despacho tem só 53.750 habitantes. Ainda mais que em 2015 o IBGE não justificou seus cálculos e em 2022 não convenceu ninguém de que sua metodologia é satisfatória. (Portal iBOM / Foto: Cláudio Vieira / PMSJC / IBGE).

Fernando Cabral

Fernando Cabral é licenciado em Ciências Biológicas, advogado, auditor federal e ex-prefeito de Bom Despacho

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