De Bom Despacho tu és!

 

PADRE DOUGLAS XAVIER – O diálogo começou com aquela fatídica pergunta entre pessoas que estão se conhecendo?

– E você, de onde é? Perguntou aquele nobre desconhecido.

Eu prontamente respondi: – Sou de Bom Despacho.
Pronto! Naquele momento se instaurou um misto de incompreensão e anedotas sobre o nome de minha cidade natal.

– “Bom Despacho”? Falaram alguns repetindo o nome próprio para tentar compreender melhor.

– “Sim” – respondi. Bom Despacho.

Para sanar as dúvidas, primeiro situei aqueles neo-conhecidos que se tratava de uma cidade na região Centro-Oeste de Minas Gerais neste imenso país continental chamado Brasil. Uma cidade de médio porte, com tradições muito enraizadas e de fé católica solidificada. Afinal, por causa dessa fé, a cidade recebeu esse nome.

Tudo começou em Portugal, na região de Cervães, e no oeste da Espanha, segundo registros encontrados do ano de 1644 – mas, acredita-se que a devoção é ainda anterior à datação destes documentos históricos, pois já estava na fé popular. Naquelas regiões se venerava a Virgem Maria, Mãe de Deus, sob o título de Nossa Senhora do Bom Despacho das almas, devoção esta que invocava Maria como intercessora e medianeira das graças especialmente na hora da morte do cristão, como se reza na oração da Ave-Maria e se pede: “Rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém”.

Embora no Brasil pouco se fale sobre Nossa Senhora do Bom Despacho informei àqueles senhores que esta devoção também se encontra no estado da Bahia com igrejas e festas dedicadas à Mãe de Jesus sob esta designação. Falei também que em Cuiabá, capital do estado do Mato Grosso, há um grande santuário dedicado a Nossa Senhora do Bom Despacho. Disse, ainda, que nas cidades históricas, especialmente Ouro Preto e Mariana, há – em Ouro Preto – uma rua com o nome de Nossa Senhora do Bom Despacho e em Mariana, naqueles tempos antigos em que se contava muitas histórias de terror, há uma capela em um muro, numa encruzilhada em que se pede à Nossa Senhora do Bom Despacho proteção para quem passa a noite por ali – ainda hoje.

Na Europa, especialmente em Portugal e Espanha, há igrejas e monumentos que referem a fé à Maria com o título de Nossa Senhora do Bom Despacho. Na famosa ilha da Madeira, local turístico do território português, há grande devoção popular, sobretudo entre os marinheiros e pescadores, que pedem a Senhora do Bom Despacho que os guarde nas navegações. A tradição católica guardou hinos, cânticos e orações antiquíssimas dedicadas a Mãe de Jesus, a Senhora do Bom Despacho.

Mas, por que bom despacho? Pela tradição religiosa, a imagem de Maria sob o título de Nossa Senhora do Bom Despacho está com um livro na mão – referência ao último livro da Bíblia: o Apocalipse, o livro da vida. Uma pena – caneta tinteiro daquele tempo – e no outro braço o menino Jesus. Assim, se acreditava que Maria era a última intercessora na hora da morte e que ela sempre pediria a Jesus que desse ao pecador um bom despacho para o céu, para o paraíso, a vida eterna com Deus.

Ao longo dos anos o bom despacho foi tomando outros sentidos, como para os pescadores e moradores da ilha da Madeira que invocavam a Virgem do Bom Despacho na hora de irem ao mar, quando iam pescar ou na travessia do mar entre o continente e a ilha, e nas grandes navegações. Na Espanha o bom despacho se dava quando os cristãos espanhóis emplacavam suas viagens pela Europa e mundo afora, a começar no período medieval.

– E em sua cidade natal? Perguntaram. Em “minha” Bom Despacho a história começa em um pequeno vilarejo surgido do ouro encontrado no Centro-Oeste de Minas. Itapecerica e Pitangui, naquele tempo, cidades polo da região que concentravam muitos desbravadores em busca de pedras preciosas. Ali, nas colinas do que hoje é a cidade de Bom Despacho, inspirados por portugueses e outros nativos na região que tinham aprendido a devoção a Nossa Senhora do Bom Despacho, ergueu-se uma capela e começou-se a rezar em seu entorno. Pediam chuva, boas colheitas, proteção. Encomendaram a um português que, indo a sua terra natal, quando voltasse à região trouxesse de Portugal uma imagem de Nossa Senhora do Bom Despacho, e assim foi feito. A fé e a tradição se formou ao redor da Mãe de Jesus sob este título. Ali nasceu um povo, uma cultura, uma cidade com o título de Maria invocado desde os primeiros moradores da região.

Hoje, por causa de Nossa Senhora do Bom Despacho, tem-se uma cidade, povo ordeiro, católico, fiel às tradições e as práticas de fé. Povo trabalhador, generoso e que busca valores para viver bem e fazer daquela cidade, de fato, um local de bom despacho da vida, dos dias, da existência.

Ao terminar de falar, meus interlocutores atentos pelas informações que recebiam entenderam o sentido do nome e da tradição do lugar em que nasci e orgulhosamente levo por onde ando. Disse-lhes, ainda, que quem nasce em Bom Despacho é bom-despachense, ou seja, junto com Maria, Mãe de Deus, um despachante do Evangelho, da mensagem cristã e dos valores que não passam.

Cessadas as anedotas com o nome de minha cidade natal, eu, orgulhoso de poder contar minha história e falar de onde sou, de onde vim, terminei mostrando algumas fotos da cidade e da suntuosa Igreja Matriz de Nossa Senhora do Bom Despacho e cantei-lhes o refrão da música que emociona a todo bom-despachense devoto e consciente de suas raízes, de sua origem e da história de seu povo: De Bom Despacho tu és, patrona e titular. Oh, sempre por ti seja protegido este lugar (Hino à Nossa Senhora do Bom Despacho).

Padre Douglas Xavier, bom-despachense, sacerdote e escritor, é formado em Direito, Filosofia e Teologia. Atualmente é pároco da Paróquia de São Sebastião, em Piumhi-MG. (Portal iBOM / Foto: PMBD / Arquivo).

One thought on “De Bom Despacho tu és!

  • 11 de janeiro de 2023 em 07:16
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    Que linda nossa história, principalmente contada por Padre Douglas. Nos tempos do Sesc, dr. Robínson sempre me pedia que a contasse aos visitantes que ele trazia para conhecer nossa unidade. Realmente é um orgulho imenso dizer ao ser perguntado. “Sou de Bom Despacho”

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