O abraço que representa um povo

 

Há semanas li no Jornal de Negócios um caso emblemático, que mostra claramente como são as pessoas de Bom Despacho. Na matéria que li, a empresária Rosa Maria de Araújo, conhecida como Rosa da Nacional Baterias, abraça um assaltante na porta de um bar, já de madrugada. Ao ser abordada pelo sujeito, sem saber se era uma brincadeira ou um assalto, trata o outro com carinho, como se fosse um amigo de velha data. O ladrão leva sua bolsa, recuperada mais tarde, e seu dinheiro.

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Sempre fico surpreso com a maneira como os bom-despachenses tratam os estranhos. Já ouvi casos, já vivenciei situações e já testemunhei alguns momentos que mostram a ingenuidade do povo local. Um exemplo: estava voltando a pé da Praça de Esportes para o Bairro Esplanada, só com o celular, sem dinheiro, sem cartão e antes de o PIX existir, e passei em uma loja para ver uma capa para meu celular. Vi os modelos, comparei os preços e disse à atendente que voltaria depois para comprar, pois não tinha como pagar naquele momento. Sem saber quem eu era, a funcionária me entregou a capinha e disse “depois você volta e paga”. Constrangido, pois isso seria impossível em São Paulo, levei o produto, que a própria atendente me ajudou a ajustar no aparelho.

Já comprei vinho no mercado Fidelis e sem ter como pagar, pois estava correndo na Avenida Dr. Roberto, me permitiram acertar a conta no dia seguinte. Minha namorada vive comprando coisas e deixando para pagar em outro dia, pois não sabe onde está seu cartão de crédito.

Essa ingenuidade, que pode causar danos físicos, como no abraço da Rosa no ladrão, ou financeiro, como nas compras para pagar depois, é a marca de Bom Despacho. Acostumado às regras de São Paulo, mais frias e sem deixar para receber depois, fico ainda maravilhado com o jeito das pessoas na cidade.

Que essa ingenuidade não desapareça nunca!

Características marcantes de Bom Despacho

Algumas características de Bom Despacho são marcantes para mim e, mesmo frequentando a cidade há exatos cinco anos, completados em novembro, continuam a me intrigar.

1) Largar o portão das casas aberto. Nos bairros é muito comum ver as casas com portões e portas abertas, sinal claro de ausência de medo de assalto. Em São Paulo, fechamos tudo à chave e ainda ficamos com medo de sermos roubados. Evitamos ficar parados em frente à casa, pois um motoqueiro ou um pedestre pode passar e levar nosso celular ou bolsa. Quando estou em casa em Bom Despacho e vejo o portão aberto, tento me conter para não correr e fechá-lo.

2) Andar no meio da rua, especialmente nos bairros, é outra característica marcante da cidade. Mesmo onde há passeios ou calçadas as pessoas preferem dividir o espaço com os carros e motos. Esse hábito em São Paulo não existe e teríamos inúmeros acidentes fatais, pois o paulistano considera o carro prioritário em relação à pessoa e, imagino, “tiraria” do caminho de seu carro qualquer ser humano atrevido. O Cláudio, que sempre encontro perambulando pelas ruas da cidade, não duraria muito em São Paulo, infelizmente.

3) Cachorros e gatos nas ruas é outra característica de Bom Despacho. É muito comum, pelo menos no Bairro Esplanada, que os cães fiquem deitados no meio da rua e os carros tenham de desviar deles. Apesar de adorá-los e gostar muito da convivência dos bichos, penso que este é um problema para a cidade e deveria haver um mutirão para castrar todos os bichos em situação de rua. É triste vê-los passando fome, sofrendo com doenças, revirando o lixo para sobreviver. Esta semana, um vizinho achou uma caixa com dez filhotes de pouco mais de um mês. Quem é dono de um bicho e não o castra, deveria ser multado. Especialmente, aqueles que jogam os filhotes na rua!

4) Pessoas sentadas nas portas de suas casas conversando. Essa é a característica que mais diferencia Bom Despacho de São Paulo. Vejo muita gente sentada em cadeiras ou bancos, sempre ao entardecer ou já com a noite alta, conversando com parentes ou vizinhos. Passam-me uma sensação de vida tranquila e calma, longe da agitação do trânsito e violência de São Paulo. Acredito que muitos paulistanos ou moradores daquela cidade gostariam de fazer isso, mas o medo do assalto ou de “atrapalhar” a passagem das pessoas obstruindo o passeio as impede. Além do assalto e do incômodo de fechar a passagem das pessoas, o paulistano está sempre com pressa e pouco afeito a relações mais próximas com vizinhos. Prefere não manter nenhuma intimidade. Um exemplo: eu morei sete anos em um apartamento, cujo prédio tinha quatro apartamentos por andar. Nunca soube, em sete anos de convivência, os nomes ou as profissões de meus três vizinhos de porta. Assim é a maioria dos paulistanos.

Crescimento desenfreado de Bom Despacho

São Paulo tinha cem mil habitantes em 1900. Em 122 anos, saiu desses cem mim para vinte milhões de pessoas circulando pela cidade todos os dias, sendo que em torno de 14 milhões são moradores da cidade. Um crescimento desordenado que acabou com os rios, com as matas, com a qualidade de vida da população.

Andando por Bom Despacho, vejo dezenas de outdoors e propagandas de novos condomínios, novos prédios sendo construídos, novos bairros surgindo nas beiradas da cidade.

Onde há pouco tempo havia uma área verde com nascente, hoje existe um enorme supermercado. A natureza vai cobrar um preço alto daqui a algum tempo…

Uma futura São Paulo?
Esse crescimento para todos os lados me faz questionar se é possível que daqui a 122 anos teremos aqui uma cidade tão insuportável de se viver como é São Paulo hoje.

Será que o Lambari será um esgoto a céu aberto como se transformou o Tietê? No lugar da Matinha, onde adoro correr e olhar os macacos, as borboletas, os quatis, os veados, as araras, virará uma nova Avenida Paulista, com arranha-céus de trinta ou quarenta andares?

Talvez seja o momento de fazer uma discussão sobre os rumos de Bom Despacho e discutir se todas as fazendas podem virar condomínios e se todas as áreas da cidade podem ter prédios altos, entre outras discussões que se tivessem sido feitas há cem anos em São Paulo, talvez tivessem evitado que aquela pequena vila virasse um lugar inóspito e desumana como é hoje.

Hoje, sou a pessoa mais feliz do mundo, pois consigo aproveitar as duas cidades, com cada uma delas sendo o oposto da outra, cada uma sendo importante de seu jeito. Mas, sem dúvida, Bom Despacho é muito mais humana do que São Paulo. O abraço da Rosa no ladrão mostrou esse lado.

Alexandre Magalhães

Alexandre Sanches Magalhães é empresário, consultor e professor de marketing, mestre e doutor pela USP e apaixonado por SP e BD

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