Inverno, Primavera e a dança das estações
Na roça a gente vê coisas diferentes que na cidade não se vêem. No final de setembro eu vi o inverno indo embora. Foi aqui na Chácara dos Cristais, onde passei a morar. Saí da cama bem cedinho, no friozinho da manhã, para dar milho pras galinhas, comida para o gato e o cachorro e fubá e frutas pros passarinhos soltos na natureza. Aí topei, no lusco-fusco da aurora, com o inverno. Era um velhinho curvo enrugado. Estava embrulhado num capote quentinho. Trazia um gorro de lã na cabeça, debaixo do qual brilhavam seus olhinhos espertos e marotos.
Ele foi saindo pelo portão de entrada do imóvel. Acenou-me com um gesto de até breve. Disse-me que em 2023 voltaria. Solicitei-lhe então que viesse com a mesma graça e intensidade de 2022. Um invernozinho tão gostoso que dava vontade de a gente ficar na cama até as dez da manhã. Neste ano, matamos a saudade de velhos invernos que há muitos anos não vivíamos. Os invernos dos anos 50, 60… Invernos de minha infância e adolescência à beira das fogueiras acesas pelo meu avô na cozinha de sua casa na fazenda do Raposo. Ali, na boca da noite, sentava-se nos tamboretes e nos banquinhos rústicos toda a família de muitos irmãos, empregados, visitantes fortuitos e contadores de casos e de assombrações. Inverno das manhãs friorentas, em que a gente se levantava da cama e “brucutu” na laje do fogão de lenha para esquentar os braços, as pernas, os peitos e as mãos.
Ele, o ancião do inverno, disse que sim, que voltaria para fazer até os valentões tremerem, se encolherem e agacharem com as forças de uma friagem arrasadora. Falou: “Tá combinado!” E despediu-se com um aceno de adeus.
Primavera
Lá no meu sertão, na boca da noite do dia 23 de setembro, eu também me encontrei com a Primavera, no meio das árvores e nos bosque do meu quintal. Coisa impensável de se encontrar na cidade, com seus prédios, cimento armado e asfalto. Encantei-me com aquela donzela linda, com sua vasta cabeleira multicor, soprada pela brisa matinal. Na véspera ela já mostrara a presença de seus ares nos brotos verdinhos que surgiam dos troncos e galhos do arvoredo, mostrando-se radiosa nas flores miúdas que vinham surgindo perfumosas daqui e dali.
Ela a moça, a mulher primavera, jovem e exuberante, disse-me que andava muito assustada com os incêndios patrocinados por populares, empresários do agronegócio, e até por autoridades de nosso país primaveril. “Uma pena. Uma lástima. Que dó de cortar o coração”. Ponderei-lhe com revolta e sinceridade.
Mas de qualquer maneira, à minha chácara ela chegou. A rainha, a soberana, perfumada e renovadora, símbolo da vida e da poesia universal.
A rainha Elizabeth, a maior e mais longeva de todas as rainhas morreu, mas a eterna e imortal rainha de todas as estações, não. Está de volta. Hoje, na Grã-Bretanha, apesar de já termos um rei, nessa noite fresca de setembro, em vez de bradar “God bless the King”, como manda o hino nacional inglês, eu me curvo ante a Primavera que chegou e faço minha saudação respeitosa: “God bless the Queen!” A rainha das estações! A soberana das flores!
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