O banquinho do líder sindical
Depois de prestar serviços como terceirizado de 2004 a 2006, fui servidor concursado do Banco Central do Brasil de 2006 a 2008. Tive a honra de ser, a propósito. Órgão técnico, de excelência, sério e comprometido com a estabilidade da moeda e com a saúde, segurança e constante aperfeiçoamento do sistema financeiro brasileiro. Pouco conhecido pela população, até pelo perfil sóbrio e discreto de sua comunicação institucional (já viu propaganda dele na TV ou em alguma rede social?), o Banco Central é reconhecido internacionalmente. Você sabia, por exemplo, que o Brasil é um dos líderes mundiais em tecnologia bancária? E para assim se manter, o Banco Central conta inclusive com uma iniciativa para fomentar o desenvolvimento de inovações financeiras e tecnológicas, o LIFT. Lançado em 2018, o programa funciona como uma incubadora de inovações para o sistema financeiro, oferecendo condições técnicas para empreendedores desenvolverem e testarem novos produtos e serviços – outra referência internacional.
Voltando aos meus tempos de Banco Central, pude contribuir um pouco e aprender muito naqueles anos em que estive lá. Gostaria, entretanto, de compartilhar uma experiência ruim que vivi naquele período. Aquela foi uma época de valorização das carreiras do serviço público federal, de corrida pelos muitos concursos e de crescimento impressionante das remunerações das principais carreiras de Estado. No Banco Central, aquele foi também um período de muitas greves. O “movimento paredista” era forte e muito presente no nosso dia a dia, muito mais do que o razoável, na minha opinião.
Para vocês entenderem a complexidade, havia inclusive competição entre sindicatos. Isso mesmo, havia 3 sindicatos que disputavam quem seria o “legítimo representante” dos servidores do Banco Central! Três carros de som disputando a atenção dos servidores durante as campanhas salariais, de 3 sindicatos ávidos por terem o maior número de filiações. Desculpe se você acredita e participa de um movimento sindical diferente, mas minhas experiências sempre foram ruins. Eu me sindicalizei duas vezes, uma no Banco Central e outra na Câmara dos Deputados, com promessas de um trabalho pela valorização do serviço público, pela defesa da probidade e eficiência no atendimento à sociedade. O discurso era de que os políticos tinham interesses escusos e nós servidores tínhamos interesses nobres. Dei votos de confiança e me decepcionei duas vezes.
No Banco Central, uma figura ilustra bem o que vi no movimento sindical. Eu tinha um colega, da área de tecnologia como eu, que estava sempre presente e ativo nas assembleias dos servidores. As assembleias aconteciam normalmente ali atrás do edifício-sede do Banco Central, na entrada que dá acesso ao 2º subsolo. Os carros de som convocavam, colegas distribuíam panfletos na porta e também passavam andar por andar convocando-nos a participar da defesa de nossos direitos. Nossos direitos… Lá embaixo, na calçada em frente à entrada, estava sempre esse colega, em pé sobre um banquinho, discursando incessantemente por horas para motivar a participação de todos. E, durante a assembleia, defendendo o início, a continuação ou a retomada de alguma greve. Em defesa de nossos direitos…
Se eu conheci esse colega ali sobre o banquinho? Não, eu já o conhecera antes. Ele era notório por não se comprometer com o trabalho, por atrasar entregas, por não responder às demandas que recebia nos prazos estabelecidos, por mudar de área diversas vezes porque nenhum chefe conseguia fazê-lo produtivo. Ok, ele poderia – e talvez deveria – ter sofrido um processo administrativo disciplinar para avaliar sua demissão. Isso infelizmente não acontece – mas não é o tema deste artigo. Quero destacar aqui o quanto ele era comprometido na defesa do movimento sindical. Era impressionante a energia, a eloquência e o entusiasmo dele ali sobre o banquinho. Mas no trabalho para o qual fora contratado por meio de concurso público, nada, ou quase nada.
Meu antigo colega é uma alegoria, claro, um exagero que uso para ilustrar o tipo de atuação que vi nos sindicatos em Brasília. Os discursos por valorização do serviço público, pela defesa da probidade e do interesse público eram substituídos na prática por campanhas em favor de nossos direitos, dos direitos de poucos, dos servidores daquele órgão. Acho justa a qualificação e valorização dos servidores públicos, mas eles não podem se colocar como fim. Nós somos todos meios para alcançar um fim, idealmente associado à oferta de melhores serviços e condições de vida à população como um todo. Infelizmente, somos frequentemente manipulados de forma a perdermos nosso propósito como “servidores” e enxergarmos apenas uma perspectiva de direitos. Nossos direitos exigem uma contrapartida justa e não podem estar à frente do interesse público, finalidade da nossa contratação.
Longo preâmbulo feito, quero pedir uma reflexão dos profissionais da educação infantil em Bom Despacho sobre a municipalização do ensino. Senhoras e senhores, tenho muito respeito por vocês, devo muito de minha formação aos ensinamentos transmitidos por professores das redes municipal e estadual. Provei da capacidade dos professores de Bom Despacho e sei que vocês podem oferecer educação de alto nível para nossas crianças. Também sei que, infelizmente, o estado de Minas Gerais vem tendo dificuldades para oferecer esse serviço em alto nível – há muito mais tempo do que podemos tolerar.
Precisamos e podemos oferecer mais. Questionem o projeto, briguem com a prefeitura, se necessário. Apresentem suas sugestões, ajudem a construir continuamente uma educação infantil melhor. Mas não forcem nossas famílias a se satisfazerem com uma educação limitada e limitante. É muito triste essa lógica vigente que não permite ao filho do pobre deixar de ser pobre. A responsabilidade por resolver isso não é exclusivamente de vocês, claro, mas vocês têm parcela fundamental. Não se esqueçam disso. Não caiam na conversa do colega que fica sobre o banquinho bradando palavras de ordem. Vocês são muito melhores do que isso.