Cine Regina: a última sessão de cinema
LÚCIO EMÍLIO JÚNIOR – Uma de minhas lembranças mais persistentes é o fato de que acompanhei o fechamento do Cine Regina. Lembrei-me do antigo cine ao ler Resposta ao Tempo (Editora Literatura em Cena, 2020), de Alberto Coimbra: “No fundo, bem no meio do hall, a bilheteria (…). Ao entrar no cinema, primeiro o hall com o baleiro no meio. Cartazes de filmes na parede, uma porta e outro hall com os sofás e vários cartazes na parede dos dois lados (…)”.
A seguir, ele explica que os cartazes eram de filmes de Marcelo Mastroianni: Esposamante e O Belo Antônio. Esse último contava com Cláudia Cardinale.
Quando eu tinha dezesseis anos, no ano de 1990, fui a esse cinema ver Lambada, a Dança Proibida, na sessão de domingo à noite. Eu me recordo que eu ia junto aos escoteiros, um deles chamava-se Wilson e passávamos na farmácia logo ao lado. Ele ia do trabalho direto ao cinema.
A lambada só era proibida no cinema, pois, na época, você abria uma torneira dançando lambada. A atriz principal (Laura Harring) representava a princesa Nisa e tentava evitar a devastação da Amazônia ao dançar um misto de música caribenha com carimbó de Belém, ao lado de um índio urbano que fazia magia macabra com sua pena de pavão explosiva. Nos dias que correm, Nisa com certeza seria chamada de comunista ao vestir vermelho e exibir “agenda pró-nativos”.
Em outra sessão diferente, chegam imagens de outro filme visto ali: Os Dragões (1989), filme com o ator Jackie Chan, ainda em sua fase ambientada em Hong Kong e que é conhecida como “anos do Kung Fu”. Se em Lambada ríamos, nesse de luta meu amigo Wellington Mota imitava os golpes. Como em Cine Paradiso, a plateia era um espetáculo à parte.
Dois anos depois, em 1991, o Cine Regina anunciou seu fechamento, mas como despedida realizou sessão exibindo Cine Paradiso, clássico de Giuseppe Tornatore (1988). Era o cinema falando de si mesmo. Mamãe chamou-me para ir, mas eu não quis fazer essa experiência mágica que seria vê-lo na telona, uma vez que tinha visto o filme em vídeo. O filme fala da volta de um cineasta bem sucedido a uma pequena cidade (Giancaldo), quando morre seu amigo Alfredo, projecionista que lhe ensinou o amor pela sétima arte e que sempre trabalhou no cine que acabou demolido ao final. Na trilha sonora de Enio Morricone, o violino é de cortar o coração. Eu não sabia que filmes como esse podem ser vistos durante a vida toda várias vezes, sempre com novo proveito. Como sinto arrependimento de não ter visto essa última sessão de nosso cinema! Logo depois que ele fechou as portas, escrevi um poema sobre o fato:
Cine Regina
Este cinema, encaixado nas duas lojas.
Uma de tecidos, Cine Regina, uma barbearia.
Este cinema
Flutuando com seu branco letreiro,
Pisca na madrugada,
No abismo,
Sempre piscando.
Na grade, círculos verdes tecem quadrados intrincados.
Na verdade
A entrada é franca.
Entrada tá fechada, vidro fosco.
O vidro fosco abraça as grades.
O Cine se esconde em frágeis andares
De um prédio de ruivas nas janelas.
Quadrados minúsculos seguem feito facetas
Da asa multicor de uma borboleta.
Sentados no meio-fio
Garotos estão vendendo cigarros de menta.
Quisera eu entrelaçar tal cenário
Numa foto em preto e branco retintos.
Para esfregar a imagem nos narizes metálicos
Da metrópole surda-muda & nua.
FOTO: O cinema numa exposição da arquiteta Gabriela Gontijo na Mostra Artefacto em 2018
Grandes lembranças do Cine Regina, em Bom Despacho. Um tela enorme, som de qualidade e uma sala com muitos lugares. Lembro-me de um show ali, do cantor Agnaldo Timóteo; muita gente esteve lá e ficou lotado. Nos filmes havia uma música clássica antecedia o início da exibição (salvo engano Danúbio Azul, de Johann Strauss) e luzes coloridas eram ligadas nas extremidades da tela; no salão o lanterninha sempre passava para pedir as pessoas que não fumassem, pois atrapalhava a exposição da fita. Grandes filmes: Os 10 Mandamentos (Charlton Heston & Yul Brynner), O Campeão (dirigido por Franco Zeffirelli), Operação Dragão (Bruce Lee), Inferno na Torre (Paul Newman e Steve McQueen), Grease: Nos Tempos da Brilhantina (John Travolta & Olivia Newton-John), Dois Tiras Fora de Ordem (Terence Hill & Bud Spencer), Tubarão 1 e 2 (1975 e 1978), Piranha (1978).
Me lembro muito tbm no cine Regina as músicas de Jeannie Morandi,lindas!
Na época eu residia a Rua Dr Miguel Gontijo ao lado do foto da Vinci,minha casa era uma pensão,na frente tinha a loja de sapatos do Sr Júlio Resende e do lado do Senhor Júlio o bar do Sr Zezé Venerando e D. Adélia,lindas lembranças.
Tempos bem diferentes, pois não havia CDs e DVDs, streaming de mídia, internet, smartphone. A divulgação do filme do dia e as próximas atrações eram feitas com cavaletes e painéis de feltro, onde as fotos de momentos do filme eram afixadas.
Era comum ver as pessoas paradas na portaria do Cine Regina, ao lado do bar Tupã, verificando os cartazes durante o dia; era inevitável uma paradinha para dar uma verificada. Havia filmes de ação (007, Alcatraz – Fuga Impossível, Desejo de Matar, Guerreiros do Bronx), ficção (Guerra nas Estrelas, ET, Superman), comédias nacionais (Mazzaropi), faroeste (Django, Sartana, Búfalo Bill), gladiadores (Hércules, Sansão, Maciste), lutadores famosos (Bruce Lee, Chuck Noris, Belo Yeung) e os proíbidos a menores. Tempos do aviso da censura por faixa etária antes de cada exibição. Antes da projeção o trailler era a estratégia para divulgar os filmes que chegariam em breve.
O Canal 100 (fundado por Oscar Niemeyer), um cinejornal, exibia seus curtos episódios; geralmente os melhores momentos de algum jogo de futebol importante gravado em ângulos diferenciados e que levava o público ao ambiente do jogo e do estádio (deslocamento de torcida, bilheterias, som da torcida, foguetes, o close no lance do gol, a falta, a discussão, os empurrões, a briga generalizada, a ação policial, a vibração, a zoação).
Lindo!!!