O dia que a Natureza nos disse “chega”

“É sempre lindo andar na cidade de São Paulo / O clima engana, a vida é grana em São Paulo / A japonesa loura, a nordestina moura de São Paulo / Gatinhas punks, o jeito ianque de São Paulo / Na grande cidade me realizar, morando num BNH / Na periferia a fábrica escurece o dia / Não vá se incomodar com a fauna urbana / de São Paulo (de São Paulo…) / Pardais, baratas, ratos na rota / de São Paulo (de São Paulo..) / E pra você criança, muita diversão — e “pauluição” / Tomar um banho no Tietê ou ver TV / Na grande cidade me realizar, morando num BNH / Na periferia a fábrica escurece o dia / Chora Menino, Freguesia do Ó, Carandiru, Mandaqui (aqui!) / Vila Sônia, Vila Ema, Vila Alpina, Vila Carrão, Morumbi — Pari / Butantã, Utinga, M’ Boi Mirim, Brás, Brás, Belém / Bom Retiro, Barra Funda, Ermelino Matarazzo, Móoca, Penha, Lapa, Sé / Jabaquara, Pirituba, Tucuruvi, Tatuapé / Pra quebrar a rotina num fim de semana / em São Paulo (em São Paulo) / Lavar o carro comendo um churro / é bom pra burro! / Um ponto de partida pra subir na vida / em São Paulo / Terraço Itália, Jaraguá, Viaduto do Chá / Na grande cidade me realizar, morando num BNH / Na periferia a fábrica escurece o dia / Na periferia a fábrica escurece o dia / Na periferia a fábrica escurece o dia”.

A letra acima é do grupo paulistano Premê, originalmente chamado de Premeditando o Breque. A música chama-se “São Paulo, São Paulo” e retrata bem a falta de natureza em minha cidade natal.

Nunca neguei que minha relação com a cidade de Bom Despacho passa por sua natureza. Como paulistano típico, não tenho acesso a matas, rios e animais silvestres em São Paulo, o que é uma pena, especialmente para todos os que não tem a felicidade que eu tenho de morar parcialmente em Minas Gerais.

Tenho relatado muitas vezes neste espaço os encontros com matas, rios e animais silvestres quando corro ou pedalo pelas estradas desta terra ou nas cidades vizinhas, sempre na deliciosa companhia de minha namorada bom-despachense.

Ela, felizmente, é uma amante da natureza, talvez até muito mais do que eu. Adora caminhar pelas estradas de terra, corre comigo todas as manhãs que estamos sem preguiça, insiste para eu pedalar com ela, o que ocasionalmente aceito.

Há alguns meses, para tentar fugir das aglomerações da Avenida Dr. Roberto Queiroz, passamos a correr no meio de uma mata fechada na região dos Cristais. Terra de um amigo da família, passamos a nos exercitar muitas manhãs nas estradas de terra cercadas por grandes árvores, pouco sol, muitos animais silvestres e insetos de todos os formatos e tamanhos.

Geralmente, minha namorada bom-despachense corre menos tempo do que eu, o que me acaba forçando a continuar o exercício até onde deixamos o carro e voltar para pegá-la no meio da mata fechada ou no meio das fazendas. Como é uma apaixonada pela natureza, muitas das vezes a encontro sentada sob as árvores meditando ou, pior, no meio da mata fechada procurando os bugios, que passam o dia gritando invisíveis nas árvores.

A primeira vez que a encontrei fora da estrada de terra, no meio das árvores, disse a ela que me preocupava com essa atitude, especialmente, com uma picada de cobra ou animais venenosos. Implorei para que não repetisse isso. Claro, ela concordou.

E, claro novamente, a encontrei buscando macacos, borboletas ou sons no meio da mata fechada algumas vezes mais. Fiquei bravo em muitas ocasiões e relevei a fúria em outras, sempre pedindo para que não saísse da estrada principal, pois existia a possibilidade de não e encontrar quando estou no carro.

Em algumas ocasiões, quando a deixo na estrada de terra e continuo correndo, imito um pai falando com sua filha e digo bem vagarosamente: “eu vou buscar o carro. Por favor, não saia da estrada, pois eu tenho reunião às 9:00 horas e não posso me atrasar”. Claro, ela sempre concorda.

No domingo passado, sem a pressão da reunião matinal, que é profissional e só acontece entre segunda e sexta-feira, não usei a força desse argumento.

Quando ela terminou sua corrida eu continuei meu exercício por mais uns quarenta minutos, fui até o carro e voltei para a mata fechada. Não a encontrei na primeira passada pela estrada, nem na segunda, muito menos na terceira. Na quarta passada, a encontrei coçando-se loucamente na face. Ela entrou no banco do passageiro e eu, já bastante alterado, perguntei o que havia acontecido. “Entrei na mata para ver se estão desmatando o local, pois estou vendo muitas árvores caídas e me perdi. Só consegui achar a saída porque ouvi o carro passando e fui seguindo o som do motor”. Imitando um pai falando com sua filha, pedi para que não coçasse o rosto, porque poderia piorar a coceira.

Somente após algumas horas percebi que minha namorada bom-despachense coçava-se muito. Envergonhada e com medo das broncas “paternas”, não me falou nem mostrou o estrago. Eram milhares de carrapatos minúsculos que a estavam picando.

Os dias seguintes foram infernais. Muita coceira nela, em mim e em sua filha, já que os bichos migraram para nós. Muitos tubos de pomada foram gastos, muitos remédios para matar os insetos foram consumidos e muitos antialérgicos foram comprados.

Ainda temos carrapatos pelo corpo, pois eles infestaram o carro, as camas, os sofás e as roupas de cama.

Na prática, agora qualquer matinho que aparece nos passeios em Bom Despacho deixam minha namorada apavorada. Lugares por onde andávamos tranquilos, como atravessar um pasto que separa sua casa e o antigo Sesc, hoje, sede da prefeitura, são evitados por ela. Aprendeu uma lição importante. A natureza é para ser respeitada. Podemos ouvir os bugios, sem ter de vê-los, sem invadir a tranquilidade deles.

A natureza nos disse um “chega”, um “basta” de sua presença aqui!

Alexandre Magalhães

Alexandre Sanches Magalhães é empresário, consultor e professor de marketing, mestre e doutor pela USP e apaixonado por SP e BD

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