Tragédias da Covid: o triste lamento de não poder se despedir
Poucas vezes o pequeno distrito do Engenho do Ribeiro vivenciou momentos tão tristes. Em apenas uma semana, três pessoas da mesma família – mãe, filho e pai – morreram de Covid-19. Primeiro foi a mãe, Laudelina Maria de Sá, que faleceu dia 6/4. Dois dias depois morreu o filho, Edson Paulo de Sá. Finalmente, o pai, João Gomes – que não sabia da morte da esposa e do filho porque já estava internado em estado grave – não resistiu e também faleceu dia 10.
O impacto das mortes no Engenho foi grande e deixou a comunidade perplexa, porque a família morava no distrito e era muito conhecida no local.
Diante do luto da comunidade, o Jornal de Negócios pediu ao escritor Geraldo Rodrigues – o Geraldinho do Engenho – para escrever um texto sobre o impacto da morte na comunidade que ele conhece tão bem.
Geraldinho, com sua sensibilidade e jeito simples, no mesmo dia enviou o texto ao jornal. Nele, o escritor – amigo próximo do casal Gomes – fala do vazio deixado nele e na comunidade pela tragédia. “A morte desses amigos deve ser tomada como exemplo para que os mais desavisados se toquem da dimensão e gravidade desta pandemia”.
O escritor comenta também sobre a repercussão no comportamento das pessoas do Engenho e afirma que a pandemia de Covid-19 vai provocar muitas mudanças na humanidade.
Leia o texto abaixo.
Triste é o lamento de não poder nem se despedir
GERALDO RODRIGUES – Os três falecidos foram meus clientes e amigos. Conheci o casal João Gomes e Laudelina quando ainda eram solteiros. Portanto, os considerava membros de nossa família representada por toda a comunidade do Engenho do Ribeiro.
O casal foi meu cliente desde a década de 70, quando iniciei minha atividade comercial com uma vendinha na roça em minha propriedade rural. O João Gomes trabalhou para mim em passado bem recente prestando serviços na roça depois de aposentado.
A perda dessa família deixou um vazio enorme na comunidade. Eles foram peças importantes em nosso contexto social.
Ao que parece, até então a maioria dos moradores não estava levando muito a sério as medidas de segurança. A partir da morte de Ângela – nossa primeira conterrânea a perder a vida acometida pela Covid-19 – a comunidade do Engenho começou a se tocar. As aglomerações na praça diminuíram significativamente.
Agora, com esta tragédia, as máscaras que andavam no bolso e no pescoço estão cobrindo o nariz. Foi o que hoje pude observar. Antes o pessoal usava máscara apenas para entrar nos estabelecimentos onde o rigor exige. O mais triste é o lamento de não poder nem se despedir dos falecidos, fato esse que aumenta a angustia e o pesar de amigos e familiares.
Essas perdas representam um grande alerta para a população. Um verdadeiro puxão de orelha na comunidade inteira. A morte desses amigos deve ser tomada como exemplo para que os mais desavisados se toquem da dimensão e gravidade desta pandemia.
Mortes trágicas como da família Gomes espelham a triste realidade que enfrentamos.
Estou isolado desde março do ano passado. Nunca tive férias na vida, exceto algumas vezes em que fui hospitalizado. Desde minha tenra idade trabalhei interruptamente. Agora estou numas férias forçadas. Jamais imaginei passar por momentos tão difíceis.
Levantar de manhã e não fazer nada é a tarefa mais difícil que enfrentei na vida. Louvo a Deus pelos filhos que tenho. Eles trabalham com afinco e cuidam de mim e de minha esposa com toda dedicação.
Em meus 78 anos vividos eu só tomei conhecimento de tragédias epidêmicas através da tradição histórica. Quando os sepultamentos eram transladados nos ombros dos moradores ao cemitério em Bom Despacho, ocorreu no povoado da Extrema um surto de febre tifóide. Morreram tantas pessoas que por fim não estava sobrando gente para levar os mortos.
Espero que quando tudo isso passar possa haver uma reforma universal abrangendo as questões sociais com mais humanismo. Sempre após uma guerra ocorrem grandes mudanças de hábitos e comportamentos humanos. Assim, espero que, passada essa trágica epidemia – a maior guerra viral já conhecida, sem nenhum estampido de bombas – as grandes potências mundiais a tomem como verdadeiro puxão de orelha do comandante maior, nosso criador, Deus onipotente e todo poderoso, e não a transformem numa torre de Babel, para que possam falar a mesma língua com a linguagem do coração, para o bem da humanidade.
Eu acredito que muitos dos hábitos trazidos pela pandemia serão incorporados nos comportamentos sociais. As questões de higiene, o hábito do uso de máscara, o álcool gel, são lições proveitosas deste aprendizado que, querendo ou não, o destino nos enfiou goela abaixo.