Uma quase árvore vítima de podas irresponsáveis

ALEXANDRE MAGALHÃES – Quando eu era criança, lembro-me de ir várias vezes a uma feira-livre perto da casa de minha avó materna. Íamos eu, meu irmão Eduardo e minha avó Ana. Esta feira-livre acontecia aos sábados.

Para quem não está familiarizado com uma feira-livre, comércio muito típico na cidade de São Paulo, vale uma explicação: a prefeitura da cidade de São Paulo fecha várias ruas todos os dias para fazer a feira-livre. No meu bairro, por exemplo, há uma feira-livre às quartas-feiras e uma às terças-feiras. Eu frequento, religiosamente, a feira-livre às quartas-feiras, pois ela é bem perto de minha casa. A prefeitura tem umas regras para a feira-livre funcionar. As barracas, que podem chegar a centenas, começam a ser montadas de madrugada, umas 4:30-5:00 horas da manhã. Só podem montar barracas os feirantes que são autorizados e cada um ocupa um lugar específico na rua. Há de tudo nestas feiras: frutas, legumes, verduras, carnes, barracas inteiras que só vendem peixes frescos, temperos, comida sem marca, como feijão e arroz vendidos a granel, ou seja, por peso, flores e todo tipo de comestíveis in natura. Nada na feira-livre tem marca, pois os produtos são frescos e comprados no Ceagesp (entreposto comercial de produtos in natura) no começo da madrugada. E, claro, os famosos pastéis das feiras-livres. Toda feira-livre em São Paulo vende pastéis. E são deliciosos. São dezenas de sabores, a maioria salgados, como pastéis de carne, de queijo, de palmito, calabresa, rúcula com tomate seco, bacalhau, escarola, frango e alguns sabores doces, como brigadeiro, doce de leite, entre outras dezenas de possibilidades. As bancas de pastel ficam nas pontas das feiras, pois, tradicionalmente, o paulistano come pasteis quando está indo para casa, depois de já ter comprado tudo.

Voltando à feira aos sábados, a que eu ia com minha avó Ana. Lembro-me de ela comprar jatobá, um fruto parecido com um feijão enorme, que tem um pó esverdeado, que ela usava para fazer algum prato específico, que não me recordo qual era.

Jatobazeiro em BD

Quando passei a frequentar a casa de minha namorada bom-despachense, fui apresentado a um jovem jatobazeiro. Ver a árvore me lembrou de minha infância, da convivência com minha avó e das idas à feira-livre com ela. Foi amor à primeira vista.

Uma vez, minha namorada bom-despachense me disse que seu jatobazeiro ainda não havia dado frutos, pois era uma criança, apesar de seus vinte anos de vida. Pesquisei e constatei que há jatobazeiros que chegam a viver mil anos e que é comum que passe a dar muitos frutos quando estão centenários. O jatobazeiro que está plantado na calçada (passeio, em Bom Despacho) é uma árvore linda, enorme, imponente… Era.

Há um mês, aproximadamente, uma empresa privada, dessas que herdaram um dos serviços públicos, no caso de energia elétrica, decidiu fazer podas na rua da casa de minha namorada. Desastre! Para ficar apenas no quarteirão da casa de minha namorada, a empresa deixou apenas o tronco da árvore que ficava (no dia seguinte, a árvore foi arrancada do solo com um trator) alguns metros acima de sua casa, cortou por engano o fio da internet, o que me obrigou a trabalhar por alguns dias na casa de meus sogros, e abriu um buraco enorme no meio dos galhos do jatobazeiro.

Quando me vi sem internet, saí para a rua e vi o cabo cortado. Vi o estrago que haviam feito no jatobazeiro. Perguntei a um dos trabalhadores por que estavam cortando tantos galhos, se havia um responsável técnico, um biólogo, que determinava quanto deveria ser podado. O sujeito disse que eles mesmos sabiam quanto deveriam cortar de cada árvore. Apontei para a árvore do vizinho, a que ficou somente com o tronco e sem galhos, e perguntei se aquilo era trabalho de alguém que conhecia um mínimo da arte de podar uma árvore. Ele riu e não respondeu.

O estrago no jatobazeiro foi tamanho, que chamou a atenção da vizinhança. Muitos vizinhos visitaram minha namorada e mostraram preocupação com a possibilidade de uma parte da árvore cair sobre carros, ônibus, pessoas ou animais da região. A impressão que dava era que havia duas árvores: uma com galhos que cresciam para a direita e outra, que crescia para a esquerda. Esta última, causava a impressão que estava para cair a qualquer momento, já que seus galhos restantes atravessavam a rua pelo alto. O que já acontecia quanto a árvore estava inteira, mas com a “poda”, passou a parecer que estava prestes a cair.

Denunciamos a Cemig para a prefeitura e pedimos para que um técnico municipal fizesse uma vistoria, pois a vizinhança estava amedrontada com o aspecto do jatobazeiro. Um vizinho, frequentador do bar e mercearia perto da casa de minha namorada, passou a visitar-nos diariamente alertando para que não deixássemos o carro estacionado sob o jatobazeiro, pois ele achava que o veículo poderia ser esmagado pelo tronco da esquerda.

Alguns dias depois do desastre causado pela Cemig, um sujeito da prefeitura visitou minha namorada e disse que teriam de matar o jatobá. Segundo ele, um responsável da prefeitura havia decretado que não havia nada que pudesse salvar a jovem árvore.

Quando minha namorada me contou isso, eu disse a ela que me amarraria na árvore e que não haveria ser vivo na face do planeta Terra que cortaria aquela criança. “Uma árvore dessas vive mil anos e esta tem vinte anos. Não vão cortar, de jeito nenhum. Que arrumem uma solução. Processem a Cemig, que gastem fortunas para solucionar o absurdo que fizeram. A árvore está sadia. Só está feia, porque os irresponsáveis da Cemig fizeram esse serviço porco, sem orientação correta”, disse aos gritos.

Mostrei a ela um grande artigo da revista “Piaui” sobre um assacú (árvore da região amazônica, com dois ou três exemplares em Bom Despacho, perto da rodoviária) gigante no Rio de Janeiro. A matéria mostrava que alguém da prefeitura havia decidido matar a árvore de 40 metros de altura, pois, na visão dele, estava podre. Os vizinhos se juntaram, não permitiram o corte da árvore (quando as motosserras já estavam ligadas), pagaram um especialista para fazer um laudo, o qual atestou que a árvore estava sadia, e salvaram a vida dela. A matéria mostrava a árvore dez anos depois disso e ela continua lá, linda, sadia e dando sombra para os moradores do local. “Vou fazer a mesma coisa aqui”, concluí.

Assustada, minha namorada chamou algumas pessoas da prefeitura e relatou o surto que tive. Depois de algumas análises e conversas, verificaram que não havia necessidade de matar o jabobazeiro, apenas iriam tirar a parte que atravessava a rua, mantendo a jovem árvore viva. “Iriam cortar a árvore por preguiça de encontrar a melhor solução”, pensei. Diante do apelo de minha namorada para que eu aceitasse esta solução, decidi não brigar mais. Se fosse na minha terra, eu não permitiria que cortasse uma parte linda e sadia da árvore, apenas para “corrigir” o erro crasso da companhia de energia.

O jatobá está triste, minguado, com um único tronco e poucos galhos. Toda vez que saio de casa, olho para baixo, só para não ver o que fizeram com a árvore que me faz lembrar de minha avó materna.

Disse a minha namorada que, se ela permitir, quero processar a Cemig. Não para ganhar dinheiro, mas para obrigá-la a agir com responsabilidade nas podas. As árvores são importantíssimas para nossa saúde e não podem se arrancadas ou mortas quando uma empresa irresponsável decide que é hora de fazer isso. Ao que parece, por pura preguiça de fazer um trabalho melhor.

Alexandre Magalhães

Alexandre Sanches Magalhães é empresário, consultor e professor de marketing, mestre e doutor pela USP e apaixonado por SP e BD

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