Desertos de notícias: a importância das mídias locais

ALEXANDRE MAGALHÃES  – Antes de entrar no tema central, deixe-me falar para o raro leitor e a rara leitora, que sou apaixonado por mídia. E, não é porque trabalhei dez anos no IBOPE – Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística, maior empresa privada de pesquisa da América Latina.

Meu sonho de criança era ser assinante de jornais e revistas. A maior influência para esse “sonho” foi meu primo Washington, que recebia o jornal diário em sua casa, vizinha da casa de meus pais, e sempre me dizia que um bom profissional não deve começar o dia sem ler o jornal.

Bem, com meu primeiro salário, aos quatorze anos, assinei a Folha de São Paulo, jornal mais liberal do que o conservador O Estado de São Paulo. Houve épocas que eu assinava a Folha, o Estado e o JT – Jornal da Tarde, único jornal que circulava às segundas-feiras, fato que um jovem não tem a menor condição de entender, fruto da internet que é, com acesso fácil a notícias, nem sempre verdadeiras, na telinha de seu celular.

Em São Paulo, recebo diariamente a Folha de São Paulo e o Valor Econômico, versão brasileira do Wall Street Journal, focado em negócios, finanças e política. Além disso, assino a Piaui, a melhor revista de análise de tudo que está na face do planeta Terra, com textos longos e muita reportagem investigativas e opinativas. Também assino a revista Pequenas Empresas e Grandes Negócios, focada em pequenas e médias empresas, inovações e empreendedorismo. Além de outras leituras on-line que faço diariamente, como os sites The Intercept, UOL, além de textos de profissionais que sigo no Linkedin, uma espécie de Facebook para negócios, e trabalhos acadêmicos que obtenho em websites e no portal de trabalhos da USP – Universidade de São Paulo (www.teses.usp.br), que literalmente contém textos sobre qualquer assunto que atinja o Planeta Terra. Qualquer assunto.

Em Bom Despacho, recebo dois exemplares da Folha de São Paulo, um dos quais fica com meu sogro, outro apaixonado por jornais e notícias.

Espero que o raro leitor e a rara leitora não veja esses últimos parágrafos como exibicionismo, pois não é, e serve para explicar minha paixão por informação. E reparem que leio jornais de direita (Valor Econômico, claramente) e de esquerda (The Intercept, claramente), justamente para ter como saber onde a verdade pode estar.

Esta semana, mais especificamente, no dia 3 de fevereiro, li na Folha de São Paulo, a que recebo aqui em Bom Despacho, um artigo bem interessante.  O título do artigo era: “Jornalismo digital reduz ‘desertos de notícias’ no Brasil em 2020”.

O texto faz referência à quarta edição do Atlas da Notícia, levantamento que mostra a proporção de cidades com veículos locais de notícias e cidades que vivem no “deserto de notícias”. E o Atlas não trata apenas de ausência de jornais, mas mapeia tudo: estão no deserto cidades que não possuem jornal, website, blog, emissora de rádio ou de TV.

Nessa condição, ou seja, sem nenhum tipo de fonte local, estão 3.280 municípios, quase empatados com as 3.487 cidades que possuem ao menos uma mídia local.

O artigo indica que 5,9% dos municípios passaram a ter uma fonte local em 2019, impulsionado pelas mídias digitais, como websites ou blogs, muito mais baratas de serem criadas e mantidas. Em termos de população, ainda são cerca de 34 milhões de brasileiros que vivem onde não há qualquer fonte local de informação.

Eu, que nasci e cresci com muita fonte de informação sobre minha cidade, fico abismado e triste com locais que não produzem sua própria história por meio dos meios de comunicação. Muitos livros de histórias são escritos a partir de consultas de jornais locais, gravações de rádio, imagens de TV. Recentemente, aqui no Jornal de Negócios, falei sobre meu professor Máximo Barro, que pesquisava em jornais locais antigos a data e o local onde foi feita a primeira sessão de cinema de cada município do país.

Fico imaginando como chega a informação a essas populações dos 3.280 municípios. Quando há um mal feito do prefeito ou de alguma autoridade, isso chega aos munícipes? Quando há festas locais, como em Bom Despacho há o Reinado ou São Sebastião, por exemplo, como isso fica registrado para a eternidade? Os personagens locais, como têm suas histórias e memórias registradas para os futuros moradores da cidade? As discussões sobre o que é importante resolver, solucionar, propor na cidade, como é feita, se não há um jornal, um site, um blog, uma rádio ou uma TV? O que une essas populações, se não há um veículo que informe a todos sobre os acontecimentos locais? Uma das coisas que mais me chama a atenção em Bom Despacho é ver muita gente lendo o exemplar físico do Jornal de Negócios, o que acaba sendo um jeito de fluir os acontecimentos e a história da cidade por suas páginas.

Quando li a matéria da Folha de São Paulo, tirei uma foto do artigo usando meu velho celular, e a mandei para o Alexandre Coelho, parabenizando-o. Não pela qualidade, não por ser lucrativo, não por ser muito lido, mas pela luta que ele trava para manter o Jornal de Negócios vivo, tanto fisicamente, quanto na web, através do site iBOM. É um trabalho árduo e caro.

Bom Despacho tem sorte de ter esse jornal. Perdão por minha ignorância, por não saber se há outros jornais locais. Sei que há rádios locais e essas pessoas que as mantém no ar, também merecem os meus agradecimentos e parabéns! São quase heróis, pois muitas vezes dedicam suas vidas adultas inteiras a essa causa.

Parabéns aos bom-despachenses que criaram em algum momento da história um meio de comunicação local, bem como aos que os mantém vivos até hoje.

Vou terminar de ler minha Folha de São Paulo de hoje…

Alexandre Magalhães

Alexandre Sanches Magalhães é empresário, consultor e professor de marketing, mestre e doutor pela USP e apaixonado por SP e BD

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