Mortes: em quantas faltou um olhar mais dedicado ao próximo?

PAULO HENRIQUE ALVES ARÁUJO  – É semana de Natal, de celebração do nascimento de Jesus, Deus nascido entre nós! Se sua crença não o vê assim, há de reconhecer, no mínimo, o líder mais influente da história da humanidade. Aspectos históricos à parte, quero falar nesta semana de Natal da principal bandeira de Jesus, o amor. Ele ensinou muito de humildade, de fé, de doação, sacrifício e perdão, mas tendo sempre como principal motivação o amor.

Acredito que, como um todo, precisamos seguir mais o mandamento do amor. Mas vou focar aqui na administração pública. É visível a descrença das pessoas com a política. É muito grande a dor e o descrédito da população com o distanciamento entre o que espera receber e o que de fato vê bater à sua porta. A política e a administração pública parecem atender cada vez mais a interesses particulares e cada vez menos à sociedade como um todo. Claro que há exceções, mas todos estamos à espera do dia em que serão a regra e poderemos ver uma sociedade mais justa e próspera para todos.

Restringindo ainda mais, gostaria de falar da proteção à vida. De quantos casos de mortes trágicas você teve notícia nos últimos 30 dias em Bom Despacho? Quantas delas poderiam ser evitadas? Em quantas delas falhou o gestor público? É provável que em muitas faltou competência, em outras tantas sobrou preguiça e faltou trabalho, mas em quantas faltou se lembrar de que a coisa pública foi criada para atender a interesses coletivos? Em quantas faltou um olhar mais dedicado ao próximo?

Começo com a BR 262. Gostaria que alguém me esclarecesse por que a concessionária não fez a duplicação até o trevo de Bom Despacho. Lembro que ela inclusive já se preparou para isso, montou ali canteiro de obras e tudo, mas restringiu a duplicação do entroncamento para Divinópolis até Nova Serrana. Será por quê? Qualquer um que transitar pela rodovia de Nova Serrana até Bom Despacho (ou ainda, até Luz) verá o tráfego absurdo que há no trecho todos os dias, especialmente os úteis. As filas de veículos são quilométricas, sendo frequente a ultrapassagem de veículos de carga em subidas, curvas e entroncamentos onde as faixas contínuas sinalizam a proibição. “Mas aí a culpa é de quem descumpre a lei”, afirmam alguns. Falta amor ao gestor público que pensa ou se desculpa assim, porque sabe que os motoristas cometerão essas infrações e se colocarão em risco, mas prefere se defender atrás da letra fria da lei.

A duplicação dessa rodovia não é um capricho, muito menos um desperdício de recurso público. É uma obrigação da concessionária desse serviço, uma obrigação do poder que concedeu essa rodovia a ela, uma obrigação dos órgãos de fiscalização que pouco fazem a respeito. Soube esta semana que há um promotor em Nova Serrana que tem batalhado pela melhoria dessa rodovia. O que tem feito o Ministério Público em Bom Despacho? O que tem feito a prefeitura, os vereadores e os deputados estaduais e federais que nos representam? “Ah, isso é uma questão do governo federal, a rodovia é federal”. Falta amor pelas vidas que estão se perdendo naquela rodovia (e pelas que se submetem ao risco lá todos os dias) a quem se acovarda e se esconde atrás de “conflito de competências” quando convém.

E os assassinatos em Bom Despacho? Sou apenas eu que percebo o crescimento dessas ocorrências no dia a dia da cidade? “Ah, esse é um terreno muito perigoso e de solução muito complexa”. Nossos representantes não têm capacidade para lidar com os problemas públicos complexos? Ou coragem? Ou tempo? Tem ainda quem afirme que “Bom Despacho ainda tem índices muito baixos de homicídios, muito pior é Nova Serrana”. E nós queremos ter como referência situações piores que a nossa? Ou queremos comparar com situações melhores, já vivenciadas em Bom Despacho inclusive?

Eu não quero continuar vendo páginas manchadas de sangue nos nossos jornais e grupos de mensagens. Tem ainda os que afirmam que “o crescimento dos homicídios está ancorado no tráfico de drogas”. Então, e o crescimento do tráfico de drogas não é um problema de ordem pública? E falando no tráfico de drogas, quantas vidas (e famílias) não estão se perdendo com essa “mazela moderna” que cresce em Bom Despacho?

Não consigo aceitar confortavelmente a perda de nenhuma dessas vidas interrompidas abruptamente, não consigo deixar de imaginar quantas poderiam ser salvas se o poder público tivesse agido antes. Como sociedade, não podemos aceitar. São irmãos nossos, ainda que distantes, que estão partindo. Nossa fé consola, mas não pode ser justificativa para não agirmos e aceitarmos outros destinos trágicos como esses. O amor ao próximo nos move na direção contrária.

Toda vida vale. E muito! Claro que a morte é o destino de todos nós, mas essa verdade não justifica a acomodação de quem tem o poder para nos dar condições de viver com saúde e segurança, especialmente aqueles que se apresentaram para nos representar e foram eleitos para isso. Essas pessoas não podem perder a noção da missão que têm, muito menos a humanidade nos seus atos. Vidas não podem ser reduzidas a números. Ainda que fundamentais para todo gestor, inclusive os públicos, eles não podem encobrir a humanidade dos valores que devem reger uma sociedade sadia.

Quanto vale uma vida?

Paulo Henrique Alves Araújo

Paulo Henrique Alves Araújo é gestor e servidor público, mestre em computação e gerente de projetos de inovação

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