Covid-19: o Gato de Schrödinger voltou a me assombrar

ALEXANDRE MAGALHÃES – No dia 2 de julho, aqui mesmo neste espaço no Jornal de Negócios, relatei minha angústia de ter tido contato com um parente de minha namorada que estava com a covid-19. Comparei os dias pré-teste do novo coronavírus ao experimento científico do físico Erwin Schrödinger. Para quem não leu ou não lembra da explicação, repito-a para que todos possam entender minha angústia.

Há alguns anos eu assisti a um episódio da série norte-americana The Big Bang Theory, uma obra sobre jovens cientistas ligados ao estudo da física, no qual era apresentada a teoria do Gato de Schrödinger. O Gato de Schrödinger é um paradoxo, pois há um gato fechado em uma caixa, de forma a não estar apenas vivo ou apenas morto, mas vivo e morto.

Esse paradoxo é uma experiência mental desenvolvida pelo físico austríaco Erwin Schrödinger, em 1935. A experiência procura ilustrar a interpretação de Copenhague da mecânica quântica, imaginando-a aplicada a objetos do dia-a-dia.  Enquanto alguém não abrir a caixa, o gato estará vivo e morto ao mesmo tempo. Abrir a caixa, e só isso, pode resolver o paradoxo, deixando claro se o gato está vivo ou morto.

Voltei a lembrar do Gato de Schrödinger na quinta-feira, dia 24 de dezembro, também conhecida como véspera de natal.

Saí pela manhã da casa de minha namorada bom-despachense com destino à Praça da Matriz. Precisava resolver um problema na Caixa Econômica Federal. Meu cartão da conta corrente, que foi aberta em São Paulo, parou de funcionar e eu não conseguia fazer nenhuma transação. Portanto, precisava ir ao caixa dentro da agência e fazer um saque e alguns pagamentos usando apenas meu documento. Como em um filme sobre milagres natalinos, consegui chegar e entrar na agência, ser atendido pelo caixa, pagar todos meus boletos, mudar meu endereço de São Paulo para Bom Despacho, usando o endereço de minha namorada bom-despachense como referência, e, finalmente, pedir um novo cartão para usar minha conta corrente. Melhor ainda, não precisarei ir a São Paulo apenas para pegar um novo cartão.

Minha segunda missão na véspera de natal era passar na Cerebom e comprar algumas garrafas de vinho. Os vinhos que já comprei algumas vezes na Cerebom costumam ser melhores do que os melhores que encontro nos supermercados da cidade. Quebrei a cara, pois a Cerebom estava fechada. Liguei para a namorada e combinei que ela me pegasse em frente a Panolli, para que fôssemos almoçar no sítio dos sogros. Entre a ligação e a chegada dela, uns quinze minutos, comecei a espirrar, tossir e uma forte coriza dominou meu nariz. Velho que sou, sempre ando com um lenço limpo no bolso de trás da calça ou bermuda. Meu lenço ficou encharcado e eu muito preocupado. Seria possível desenvolver os sintomas da covid-19 em poucos minutos?

Quando minha namorada bom-despachense parou o carro na Praça Altino Teodoro, eu já havia decidido ir imediatamente a um laboratório e fazer o teste para detectar o novo coronavírus. Depois de um minuto chocada com a informação, ela me pediu para eu ir à pé, para não colocá-la em risco, até o Laboratório Costa Rezende. Caminhei dois minutos e descobri que o laboratório não estava aberto. Consultei meu celular e vi que eram 11:45. Liguei para a namorada, novamente, e ela me indicou que fosse um pouco mais para a frente na mesma rua, até chegar ao Biocentro, o mesmo laboratório no qual eu havia feito meu primeiro exame, em julho.

Pela porta de vidro, ainda caminhando, vi que havia pessoas trabalhando lá dentro da empresa, o que me deixou esperançoso. Subi a rampa, tentei entrar e as atendentes lá de dentro me disseram que acabaram de fechar. Gritando, expliquei meu problema, tentando fazê-las entender meu desespero através da porta de vidro. Nada. Estavam fechados e só no próximo dia útil eu poderia ser atendido.

Liguei para a namorada, novamente, e afirmei que ficaria na casa dos sogros no centro da cidade, já que eles estavam no sítio. “Ficarei lá, isolado, até fazer o exame”. Triste, ela concordou. Era o melhor a fazer. Não poderia colocar a família inteira em risco, namorada, sogro, sogra, cunhados, concunhadas e sobrinhos, só para comemorar o natal. Caminhei e cheguei à casa. Quando eu estava abrindo o portão, minha namorada me ligou com uma boa notícia: “o laboratório São Judas está aberto. Fica na Avenida Dr. Miguel. Corra até lá e faça o exame”.

Caminhei ansioso até o local. Encontrei umas sete ou oito pessoas na recepção. Todos estavam ali para fazer o mesmo exame e todos com o mesmo problema: não tinham sintomas, mas haviam tido contato com um infectado. Só o meu caso era diferente: eu tinha os sintomas, mas não havia tido contato com ninguém que eu soubesse estar infectado.

Fiz o exame. Desta vez o teste foi diferente do primeiro que fiz. Aquele foi para casos de infecção há mais tempo, ou seja, com coleta de sangue e resultado após alguns dias. Desta vez, o teste era feito colocando-se um “cotonete” gigante no nariz, girando-o várias vezes para lá e para cá. Tive a impressão de que o cotonete atingiu meu cérebro. Vontade de espirrar, de socar a atendente e de sair correndo me tomaram de assalto. Não fiz nada disso, mas meus olhos começaram a lacrimejar. “Volte em uma hora”, sentenciou a atendente. De volta à recepção, abri meu livro e comecei a lê-lo.

Uma hora mais tarde, o Gato de Schrödinger estava ali na minha frente novamente. Estará o gato morto ou vivo. Enquanto eu não abrisse o resultado ele estaria simultaneamente vivo e morto. A atendente perguntou se eu estava curioso. “Apavorado”, respondi. Abri o plástico que envolvia o resultado como uma criança que rasga o papel de presente no dia do natal. “Negativo”, li. Liguei para minha namorada, que aguardava ansiosa.

Não foi desta vez que meu sogro se livrou de mim no natal. Passei perto duas vezes e ainda não fui infectado. Passei um excelente natal.

No dia 30 recebi uma ligação de minha filha. Ela passou o natal na família de minha ex-esposa e, após a festa, descobriram que uma tia dela já estava infectada no dia 24 e 25 de dezembro. Acalmei minha filha e pedi que fosse imediatamente ao laboratório mais próximo de sua casa em São Paulo. “Você já ouviu falar no Gato de Schrödinger”, indaguei ao telefone. Expliquei a minha filha o que era isso e rimos tristes ao telefone. Por enquanto, o Gato de Schrödinger de minha filha está vivo e morto…

Quando isso irá acabar? Não aguento mais encarar esse gato a cada espirro…

Alexandre Magalhães

Alexandre Sanches Magalhães é empresário, consultor e professor de marketing, mestre e doutor pela USP e apaixonado por SP e BD

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