Admiro as luzes, mas a que custo elas brilham?

 

ROBERTA GONTIJO TEIXEIRA – Às vezes, caminhamos pela vida como quem atravessa um quarto escuro: apressados, tropeçando nas próprias urgências.

Eu tento, nem sempre consigo, observar o mundo ao redor. Admirar o que merece aplauso, contestar o que pede voz. No fundo, fazer um mínimo gesto político.

Olhando, confesso, me encantei. As luzes de Natal de Bom Despacho, este ano, ficaram lindas como nunca. Rafa ouviu falar da famosa casinha do Papai Noel e, claro, pediu para visitá-la. Levamos. Levei também meus pais, que se encantaram. Amei especialmente as árvores iluminadas da Santa Casa.

Mas encanto nenhum é antídoto para surpresa. Soube, por fontes confiáveis, que a decoração não contou com a colaboração dos comerciantes locais e que, no total, teria ultrapassado a marca de um milhão de reais. Um milhão?

Questionei. “Um milhão é muito dinheiro”. Ainda mais quando não tivemos os desfiles de rua que movem nossa memória afetiva; quando o Coral Voz e Vida, patrimônio cultural de nossos ouvidos e corações, não recebeu verba direta da Prefeitura; quando nossa tão sonhada Casa de Cultura permanece no território nebuloso das ideias não executadas.

Foi, então, razoável despejar um milhão em luzes, ainda que belas? Foi sensato?

As conversas se espalharam pela cidade, inclusive com direito a música de protesto. Pude, então, ter acesso às planilhas de gastos. Ali estava: a casinha do Papai Noel, aquela mesma que fez os olhos do Rafa brilharem, custou mais de 280 mil reais.

Minha casa, que tem três quartos, dois banheiros e um lote generoso, não sei se chegaria a isso num anúncio de venda. A do centro da praça, por mais fofa que seja, ficou cara demais para caber no meu entendimento.

Nunca fui seduzida pela ideia de me candidatar. A política partidária sempre me pareceu um campo minado onde se entra com os pés e se sai com a alma arranhada. Mas entendo, cada dia mais, a importância de sermos cidadãos vigilantes: saber como cada centavo público é gasto, como agem os eleitos, como se movem os bastidores que sustentam a cidade onde vivemos.

É uma tarefa difícil, às vezes árida. Nem sempre sabemos a legislação, os trâmites, as nuances; outras vezes falta tempo. Estamos todos sobrevivendo, matando um leão, dois boletos e três cansaços por dia. Ainda assim, é essencial admirar o belo, sim. Mas perguntar, também. Questionar, ouvir, debater. Só assim o olhar deixa de ser passivo e se torna participação.

É isso que busco agora entender.

Um milhão em luzes de Natal? R$ 280 mil numa casa temporária? A ausência dos comerciantes locais na construção da magia? A falta de apoio ao Coral Voz e Vida? A Casa de Cultura esquecida? Os desfiles que não aconteceram?

Não lanço pedras, faço perguntas.

E deixo aqui um convite aberto: se algum representante da Prefeitura quiser conversar, esclarecer, debater num podcast ou mesmo em texto, tenho certeza de que o editor Alexandre Coelho abriria espaço.

Ficam, registradas, minhas duas faces de cidadã: a que admira as luzes e a que pergunta por quê, para quem e a que custo elas brilham. (iBOM / Roberta Gontijo Teixeira).

 

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