Salve Bom Despacho e a festa do Reinado
ROBERTA GONTIJO TEIXEIRA – Falar sobre reinado é como abrir a porta para um turbilhão de boas emoções, fé e expressões culturais.
No PodBom Podcast, ouvimos o presidente da Associação do Reinadeiros, Lucimar dos Santos, o Neném da Madebom. Foi um bate papo especial e enriquecedor. Assista AQUI à entrevista.
Nessa época do ano, pelo menos aqui em Bom Despacho, as cores frias e discretas do inverno se renovam e tornam-se vivas e vibrantes. A cidade pula e explode em cores, pelas bandeiras estendidas na Praça do Rosário e por cada bela farda vestida pelos dançadores do reinado. O tempo parece ficar suspenso para que eles desfilem e louvem Nossa Senhora, numa expressiva demonstração cultural e ancestral.
Antes uma festa só dominada por homens adultos, agora se enriquece com a presença das mulheres e das crianças. A cidade inteira participa e vira um espetáculo digno de ser assistido, vivenciado e prestigiado.
Outro dia disse isso: acho que todo bom-despachense, ao menos uma vez na vida, deveria dedicar ao um dia de sua vida para dançar reinado. É ímpar. Não dá pra descrever.
A única pontuação que tenho, de todas as minhas vivências e participações em relação à festa é a de que a Igreja se torna cada vez mais protagonista, quando deveria deixar um espaço maior para cada corte e a narrativa dos fatos históricos, ancestrais e culturais que envolvem a festividade. Afinal é uma forma muito peculiar de demonstrar a fé.
Queria destacar a importância e a beleza que as mulheres e as crianças trouxeram à festa. Tenho uma amiga que diz ser de uma família tradicional de reinado aqui em Bom Despacho e seus familiares, os homens do corte, não permitem que ela dance por ser um corte formado só por homens. Sugeri que achasse o seu, independente dos laços familiares.
Reza a lenda que você não escolhe o corte, mas é escolhido por ele. E comigo foi exatamente assim: o Moçambique de São Benedito me escolheu.
A participação dos pequenos, também, se deu recentemente. Com o corte dos “Meninos do Vital Macota”.
Essa parte da história, não é exatamente minha, é uma adaptação de um texto lindo que chegou às minhas mãos através do Renner Menezes e que eu ajustei e achei por bem tornar público.
Há alguns anos, José Vital, seu irmão Toninho, os sobrinhos Zé da Dinha e Carlinhos, moradores do bairro do Rosário, fascinados com a festa do reinado, se juntaram para imitar os dançadores adultos.
Eles fabricavam seus próprios instrumentos, utilizando-se de lata de marmelada/goiabada, contas de lágrimas colhidas no brejo do Zeca; bambus na confecção dos reco-recos, caixas de latas de querosene e outras tantos quebra galhos.
Na festa de 1964, os meninos, ainda de forma meio desorganizada e sem farda, resolveram se apresentar para o diretor do evento (Padre Ivo) tentando sensibilizá-lo.
Concessão feita. A autorização foi dada e o novo corte foi um sucesso. Toninho com apenas 10 anos era o capitão e Zé Vital com 12 tocava a oito baixos como ninguém.
Padre Ivo ficou encantado com os meninos, apelidando-os de “corte dos moleques”.
A essa altura, Vital Macota, pai de Zé Vital e Toninho, decidiu deixar o corte do Sr. Romão para cuidar dos meninos, ensinando-lhes as danças, cânticos, rezas, respeito e fé.
Logo outros se juntaram ao corte, como o neto Vital Guimarães, hoje capitão, o filho Nicodemo, que assumiu o lugar de capitão quando Toninho precisou se afastar, além de várias rainhas e princesas.
As opiniões foram diversas, houve quem resistiu, quem apoiou, quem se encantou, mas a vida segue seu curso e há coisas que são fadadas ao sucesso.
Assim, em 1965, já com a autorização do vigário e da côrte, os meninos, pela primeira vez, saíram fardados pelas ruas da cidade, participando das festividades, manifestações de fé e procissões.
A primeira farda foi linda e simples, digna de um corte infantil, camisa xadrez vermelho e verde, calça azul marinho, faixa vermelha e chapéu de palha, com dois bambolês pendurados.
A primeira rainha do corte foi Valdete, uma das filhas de Vital Macota, depois veio Lurdinha, Preta e tantas outras.
Os meninos cresceram, viraram homens e a história do corte se escreveu junto com a deles.
Com o falecimento do capitão Vital Macota, em dezembro de 1984, sua esposa dona Aurita pediu que fossem suspensas as festividades, porque não conseguiria ver aquele corte sem o seu principal personagem. A interrupção durou quatorze anos, até que a própria dona Aurita pediu a retomada do grupo.
Assim, contando com a participação de vários dançadores do corte do Dunga e remanescentes do corte dos meninos, foi criada, de forma definitiva, o corte Vital Macota em 1998, sendo Vital Guimarães primeiro capitão e Célio Macota o segundo.
Esse ano o corte completa 60 anos de história e celebra não apenas a bela trajetória, mas também guarda na manga a façanha de ter introduzido, de forma oficial, a bela participação das crianças nos festejos.
Legado importante, porque através delas Deus se manifesta, a cultura se expressa e as tradições se perpetuam, fazendo com que Bom Despacho tenha uma das maiores manifestações do Reinado Brasileiro.
Salve Maria.
Salve cada um dos dançadores e suas famílias.
Salve o povo de Bom Despacho e a festa do Reinado.
Salve os Reis, Rainhas, festeiros e qualquer um que, de alguma forma participa do evento, assistindo ou colaborando.
E que cada vez seja maior a participação das mulheres e das crianças. (Portal iBOM / Roberta Gontijo Teixeira é bacharel em Direito, ambientalista e servidora pública federal / Foto: Arquivo).