Fraude à Cota de Gênero é violência contra as mulheres
Nas empresas são raras as mulheres ocupando altas posições. Em altas posições ou não, as empresas costumam pagar até 30% menos para as mulheres que desempenham as mesmas funções que os homens. Em caso de infidelidade conjugal, as mulheres são vistas como culpadas e os homens como heróis. Na violência doméstica, 91% das vítimas são mulheres. Na política, a presença das mulheres nos cargos eletivos é pequena e desproporcional ao número de mulheres na população. Por que esta disparidade?
FERNANDO CABRAL – Estes fatos são espécies de um só gênero: violência contra a mulher. As explicações mais banais passam por argumentos simplórios. Por exemplo, o capitalista argumenta que ganham menos porque produzem menos. O argumento é falso. Os machistas dizem que apanham porque dão motivo. Mas não há motivo para exercer violência contra ninguém. E quem quer manter a mulher em papel subalterno na política argumenta que não são eleitas porque não têm o apoio do eleitor.
Não é bem assim.
A desvantagem da mulher na sociedade é milenar. Na Roma Antiga, as mulheres eram propriedades dos homens. Na Grécia Antiga elas não eram cidadãs. Eram subordinadas aos pais, maridos. Na falta destes, subordinavam-se aos filhos homens.
A cronologia do direito ao voto mostra que a conquista das mulheres demorou a chegar e avançou de forma lenta. O primeiro país em que a mulher obteve o direito de votar foi a Nova Zelândia, em 1893. Nove anos depois elas venceram a luta na Austrália (1902). Dali foram avançando: Finlândia (1906), Estados Unidos (1920), Reino Unido (1918 e 1928), Brasil (1930, 1932 e 1946).
As inglesas com mais de 30 anos puderam votar a partir de 2018, mas somente em 1928 o voto chegou para mulheres com mais de 21 anos.
No Brasil, em 1930 as mulheres casadas puderam votar nas eleições municipais. Em 1932 elas puderam votar nas eleições nacionais. Somente em 1946 as solteiras puderam votar.
A Arábia Saudita — onde até hoje as mulheres têm poucos direitos reconhecidos — a primeira vez que conseguiram votar foi em 2015, em eleições municipais.
Estas conquistas vieram de lutas. Houve muito clamor público, muitos protestos, e não faltaram prisões para as mulheres que lideravam as lutas.
Esta cronologia já bastaria para mostrar que o direito ao voto foi uma conquista laboriosa, não uma concessão masculina. Mas, há aqueles que acham que as mulheres não estão presentes nos cargos eletivos porque não querem. Ou porque não têm competência. Será?
Competência feminina
Vamos aos números.
Nas universidades públicas, com acesso mediante vestibular ou equivalente, as mulheres ocupam 60% das vagas. Portanto, acima da proporção delas na população (51.5%).
Na advocacia, onde só se entra mediante prova, as mulheres são 51,43%.
Na medicina, 58% dos novos registros emitidos pelos CRMs vão para as mulheres. Entre os dentistas, 52% são mulheres.
Nos cargos do governo federal, onde se entra por concurso, 45% são ocupados por mulheres.
No ministério público e na magistratura, os percentuais caem um pouco, mas ainda são significativos: 40% e 38%, respectivamente.
No território da política, tipicamente comandado por homens e onde prevalece não o mérito, mas o machismo e o poder econômico, a participação feminina despenca.
No legislativo, elas ocupam apenas 16% das vagas. No Senado, elas são 12%. No executivo, elas governam 13% das prefeituras e 11% dos estados. Para um país em que as mulheres são a maioria da população (51,5%) e a maioria dos eleitores (52.65%), esta baixa representatividade é estranhável.
Se elas conseguem entrar nas universidades em proporção maior do que a dos homens; e se conseguem passar em concursos com percentuais mais próximo e até superiores ao número de mulheres na população, por que não conseguem fazer o mesmo na política?
Não é por falta de competência. É porque nossa política é comandada por partidos políticos. Por sua vez, os partidos políticos, em sua maioria, são comandos por coronéis machistas e misóginos. Seus verdadeiros “donos”, na verdade.
A falta de mulheres em cargos eletivos é consequência de mais uma violência contra a mulher: negam-lhes o direito de competir efetivamente pelos cargos que pretendem.
A fraude do PSD em Bom Despacho
Um exemplo disto ocorreu nas últimas eleições, em Bom Despacho. O partido PSD arrebanhou sete candidatos homens. Destes, três foram ungidos para ganhar a qualquer custo. Para não colocar em risco a candidatura de nenhum deles, os dirigentes do partido tomaram duas medidas. Primeiro, desviaram para outros partidos todas as candidatas que poderiam ter votação expressiva. Segundo, trouxeram para a chapa três mulheres que não queriam e não tinham chance de ganhar as eleições.
Na verdade — como demonstrado no processo que o REPUBLICANOS move contra o PSD — o partido sempre soube que as candidatas não fariam campanha e que não queriam ganhar as eleições. Elas seriam candidatas fictícias, ou laranjas. Ou seja, apenas dariam o nome para cumprir a exigência legal.
Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), são candidaturas fictícias aquelas que se enquadram numa destas três condições; a) tem votação pífia; b) não gastam dinheiro na campanha; c) não fazem campanha.
No caso do PSD, duas candidatas se enquadram nas três condições. A terceira se encaixa em duas. Como agravante, ela confessou que se candidatou porque recebeu R$ 10 mil para emprestar seu nome ao partido. Há aqui, portanto, corrupção e caixa dois.
Esta violência contra os direitos das mulheres produziram o resultado triste que vimos: Bom Despacho retroagiu décadas. De uma câmara com quatro mulheres, passamos a uma câmara sem nenhuma.
Não se diga que é porque não havia mulheres interessadas, preparadas ou com apoio popular. Havia muitas. Houve mulheres que se esforçaram com sinceridade. E houve mulheres com votação expressiva. Tanto que uma recebeu 921 e outra recebeu 915 votos. Estas duas tiveram mais votos do que quatro dos homens eleitos — todos com a proteção do partido: 865, 804, 772 e 741 votos.
Se nenhuma mulher tivesse sido eleita por mera falta do de apoio do eleitor, poderíamos lamentar, mas teríamos que aceitar. Mas, como se trata de resultado decorrente de fraude, a sociedade e as mulheres não podem ficar com este prejuízo enquanto os fraudadores recebem a glória. É para corrigir esta injustiça que o REPUBLICANOS pediu a cassação dos vereadores beneficiados com a fraude. Se a justiça acatar o pedido, os três homens serão trocados por um homem e duas mulheres. Além da justiça dos homens, será também uma pequena justiça poética. (Portal iBOM / Fernando Cabral é licenciado em Ciências Biológicas, advogado, auditor federal e ex-prefeito de Bom Despacho / Imagem ilustrativa).