Do parto à Prefeitura: a bela trajetória do Doutor Mesquita
VANDER ANDRÉ ARAÚJO – O Hospital Doutor Miguel, localizado na Praça da Matriz de Bom Despacho, ainda estava nos primeiros anos de funcionamento quando, no verão de 1971, eu nasci nas suas dependências. O parto foi conduzido pelo médico obstetra doutor Mesquita e sua competente equipe de enfermagem, numa época em que muitas gestantes ainda temiam o hospital e o trabalho de parto era feito em casa, geralmente acompanhado pelas prestigiadas parteiras, entre elas, a inesquecível alemã, dona Alma.
Posso afirmar, sem sombra de dúvida, que Doutor Mesquita foi uma das primeiras pessoas a quem dirigi o olhar na vida, embora digam que os recém-nascidos ainda não enxergam mas já percebam vozes e emitem aquele choro que anuncia a tão aguardada chegada de um novo ser humano à Terra. Ao seu lado, estava a esposa, Dra. Geralda, primeira mulher médica, pediatra e anestesiologista a atuar na cidade.
Minha mãe sempre recorda os atendimentos médicos que recebíamos do Doutor Mesquita, bem como as idas ao seu consultório de clínico geral. De lá, invariavelmente, saíamos com a receita para a temida injeção de Benzetacil, aplicada ali mesmo na farmácia ao lado, onde hoje se encontra o edifício Assumpção. Na época, nos anos 1970, o tratamento era considerado “tiro e queda” para as crises de garganta inflamada.

Coincidência ou não, o destino nos tornou vizinhos em 1986. Eu, morando em uma casa antiga, cor-de-rosa, com portas e janelas azuis, na esquina da Avenida São Vicente com Rua Padre Vilaça. O Doutor Mesquita e família em uma moderna casa colonial, considerada quase como uma “extensão da Dra. Geralda”, pensada em cada detalhe e finalizada em julho de 1980, também na Avenida São Vicente. Era uma casa sempre cheia: recebiam amigos com frequência e chegaram a hospedar, de uma só vez, trinta jovens vindos para o baile de debutantes no Clube Bom Despacho.
Fernanda Mesquita, a filha arquiteta especializada em realidade virtual, me contou que o projeto foi arrojado, tanto pelas dimensões quanto pela localização. A arquiteta responsável foi Maria Lígia, e o engenheiro, Rogério, irmão de Wilson Américo, do Banco do Brasil. A casa seguia o estilo colonial mineiro, com janelas em arco molduradas em pedra-sabão, sacadas de ferro envelhecido e a cor rosa como marca registrada, sempre retocada para não perder o charme. O muro em pedra São Tomé também se destacava, assim como as lanternas externas e os vitrais coloridos nas janelas. Talvez por isso tenha se tornado um ícone da arquitetura em Bom Despacho: sua forma linear e robusta transmitia solidez.
A decoração interna foi feita pela Dra. Geralda, que tinha ideias incessantes e as colocava em prática sem nunca alterar a fachada. Pelas paredes da casa, várias de suas pinturas confirmavam seu talento para as artes: pintura, desenho e, claro, também para o canto. Outro atrativo era a casinha de bonecas, que atraía crianças de longe. Aos sábados, a tradição era preparar guisadinho no fogão a lenha. Hoje, a casa está alugada e funciona como ponto comercial de roupas de festas e noivas. Clique AQUI e siga @jornaldenegocios no Instagram para ver mais conteúdos.
De Moema para Bom Despacho
Doutor José Cardoso de Mesquita nasceu em Moema (MG), então vila de Bom Despacho, em 30 de janeiro de 1937. Concluído o curso primário em 1947, mudou-se para a casa dos avós, na Rua Primeiro de Junho, em Bom Despacho. Posteriormente, cursou o “ginásio” em Formiga e o “científico” em Belo Horizonte. Formou-se em Medicina em Uberaba e, em seguida, seguiu para São Paulo, onde fez residência no Hospital das Clínicas, entre 1963 e 1964, especializando-se em Ginecologia e Obstetrícia.
De volta a Bom Despacho, abriu consultório na Rua Alferes Tavares e passou a lecionar no Colégio Miguel Gontijo, no curso de formação de professores. Em 1965, casou-se com a médica Dra. Geralda Batistuta, natural de Uberaba, nascida em 20 de setembro de 1937. O casal teve quatro filhos, todos nascidos em Uberaba, e dois deles seguiram os passos dos pais, tornando-se médicos: Dra. Alessandra atua como pediatra em Bom Despacho, enquanto Dr. Fábio é ginecologista e obstetra em Belo Horizonte, especialista na Medicina e Cirurgia Fetal. Ele é pioneiro regional em cirurgia e terapêutica fetal, levando técnicas avançadas de intervenção intrauterina para a prática clínica em Minas Gerais. Luciana é administradora e trabalha na área de ciências contábeis no Canadá desde 2021 e Fernanda trabalha na área de automação e arquitetura também no Canadá desde 2015.
Desde 2006, a Doutora Alessandra tem trabalhado, em paralelo com a Pediatria, com a técnica de Medicina Integrativa no equilíbrio do corpo e mente chamada BodyTalk e continua atendendo no seu consultório na Clínica Cempel desde 1999. Desde 2014, faz parte da equipe de pediatria da Santa Casa de Bom Despacho, atuando na maternidade.

Na vida pública, Dr. José Mesquita exerceu o cargo de Prefeito Municipal de Bom Despacho entre 1989 e 1993. Em sua gestão, construiu o prédio destinado à instalação da Prefeitura e promoveu a reforma do antigo armazém da Estrada de Ferro Paracatu para abrigar a Câmara Municipal. Esta foi a primeira edificação de valor histórico restaurada na cidade.
Reconhecido como excelente gestor na área da saúde e da educação, ele promoveu reformas necessárias na época e também incentivou as artes e a cultura. Em 1991, por meio da Fundação Cultural de Bom Despacho, Dr. Mesquita promoveu a 1ª Feira do Livro, com palestras e lançamentos de livros. O evento tornou-se tradição anual até o ano 2000. Também apoiou as Exposições de Arte Infantil, duas delas de caráter nacional, e promoveu concertos sinfônicos com o Coral Voz e Vida, que recentemente comemorou seus 35 anos. Outro marco de sua gestão cultural foi a criação da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, que ficou conhecida como “Lei Mesquita”.
O Hospital Dr. Miguel
Em 1968, o engenheiro, empresário e político Paulo Gontijo construiu o Hospital Doutor Miguel, em homenagem ao seu tio e padrinho, o médico Dr. Miguel, daí o seu nome. O hospital foi erguido na Praça da Matriz e inaugurado em 1969, apesar da oposição do prefeito da época, Geraldo Simão, que não queria um hospital naquele lugar central. O Hospital contou inicialmente com seis médicos: os veteranos Dr. Gê e Dr. Juca, além dos jovens Dr. José Mesquita, Dra. Geralda, Dr. Roberto Queiroz e Dr. Genésio Rabelo. Eles fizeram um grande trabalho de educação na saúde dos bom-despachenses, levando melhores condições técnicas e de salubridade aos pacientes.
Como o construtor não desejava administrar o estabelecimento, ofereceu-o ao grupo, e os mais jovens decidiram adquiri-lo em 1969. Com o tempo, houve mudanças na sociedade: o Dr. Genésio aposentou-se; em 1999 faleceu o Dr. Roberto e, em 2015, faleceu a Dra. Geralda.
Até 2014, o hospital permaneceu sob responsabilidade do Dr. Mesquita, que propôs a oito médicos a continuidade do projeto. Como não houve acordo, a instituição passou a ser gerida pela Prefeitura, que alugou o prédio para repartições de saúde pública durante cinco anos. Posteriormente, os proprietários aceitaram uma proposta de locação de longo prazo. O hospital foi demolido em 2021 e, em seu lugar, instalou-se uma drogaria.
O Hospital Dr. Miguel funcionou durante 47 anos, sendo que nos últimos quinze anos seu maior foco foi a maternidade. Ele foi pioneiro no serviço de anestesiologia com a Dra. Geralda; no serviço de cirurgia plástica e também cirurgia de varizes nos anos de 1995; na criação de banco de sangue em parceria com o Hemominas no ano de 1996; além de ter oferecido serviço de anatomia patológica com coleta e execução de exames laboratoriais a partir de 1998. Delmi, que durante anos trabalhou na área administrativa do Hospital me relembrou da matéria escrita pelo professor Tadeu sobre a sua história. Veja AQUI a matéria.
Doutor Mesquita se aposentou em 2020, durante a pandemia. Hoje visita a fazenda com certa frequência. Marlene, sua assistente há décadas, continua ao seu lado, prestando total apoio.
O casal Dr. Mesquita e Dra. Geralda construiu uma história que se entrelaça com o desenvolvimento da saúde em Bom Despacho. Parceiros na Medicina, deixaram um legado de ética, compromisso e humanismo que ultrapassa gerações, continuado pelos seus descendentes (Portal iBOM / Vander André Araújo / Foto do alto: Cristina Géo / Outras fotos: Arquivo pessoal Família Mesquita).

