Vereadores afrontam o eleitor de Bom Despacho
A vontade popular é o fundamento da democracia. No sistema representativo, a vontade popular se expressa pelos representantes eleitos pelo voto livre e consciente dos cidadãos. Nas cidades, os representantes são o prefeito e os vereadores. O prefeito é escolhido para executar um plano de governo; os vereadores são eleitos para criarem leis de interesse do cidadão e fiscalizar as ações do prefeito. No estado de direito, prefeito e vereadores devem obedecer às leis com rigor. Quando os vereadores não cumprem sua obrigação de fiscalizar, ou quando ferem a lei, eles perdem a legitimidade. Quando desrespeitam a vontade dos eleitores, eles se tornam estelionatários políticos.
FERNANDO CABRAL – Na antiga Atenas, berço da democracia, os cidadãos não tinham representantes. Eles tomavam decisões em praça pública, a ágora. O que eles decidiam era a lei.
No Lácio, o fórum desempenhava o mesmo papel que a ágora dos gregos: nele, os cidadãos decidiam as leis e as regras de sua cidade.
Mas, com a ascensão e expansão da república de Roma — e depois do império romano — o fórum foi dominado por políticos, então chamados senadores. Aí nasceu a democracia representativa. Com ela, veio o distanciamento entre o que o povo precisava e queria, e o que os políticos queriam. Ali nasceram, cresceram e engordaram a corrupção, a venda de prestígio, as negociatas. Principalmente, ali nasceu a mais persistente das negociatas que corroem a democracia: a compra dos políticos pelos plutocratas e oligarcas.
Na plutocracia romana, os senadores eram, eles mesmos, plutocratas, ou eram marionetes nas mãos dos plutocratas e oligarcas.
Esta forma degenerada de democracia ainda é dominante em países como o Brasil e os Estados Unidos. Lá, cá e alhures, quem tem dinheiro manda e os políticos obedecem. Em Bom Despacho, não tem sido diferente.
O poder espúrio dos plutocratas é a mácula mais desanimadora da democracia representativa. Mas, tão desacorçoante quanto ela, é esta outra nódoa: os políticos estelionatários que, uma vez aboletados no poder, só cuidam dos seus próprios interesses pessoais, deixando de lado o povo. Como está acontecendo em Bom Despacho.
Origem do referendo
A plutocracia e o estelionato eleitoral corrompem a democracia representativa e roubam do povo o seu direito de decidir sobre seus próprios destinos. Foi esta constatação que levou os romanos a inventarem o remédio chamado referendo. Com ele, o povo disse:
Os políticos podem continuar criando leis, mas nós nos reservamos o direito de derrubá-las sempre que elas desrespeitarem a nossa vontade e ferirem os nossos interesses.
Desde então, o referendo se tornou um mecanismo universal nas democracias. Na Constituição de 1988, o Brasil colocou o referendo como uma das duas formas de exercício direto da democracia. A outra forma é o plebiscito.
O desrespeito dos vereadores
Os vereadores atuais, mal chegaram ao poder, fizeram como os senadores romanos: votaram duas leis em benefício próprio. Primeiro, dobraram seus próprios salários. Segundo, aumentaram seu número de nove para quinze.
O benefício que os vereadores auferem do aumento dos próprios salários é fácil de ver. O malefício, também: ele dobra os custos que a população tem que pagar.
Já o benefício do aumento do número de nove para quinze é menos óbvio, mas igualmente deletério. Ele aumenta em 70% os gastos com salários. Com o gasto com salários, vêm os gastos com assessores, a construção de novo prédio para abrigar os novos, e muito mais. Com isto, as despesas gerais da Câmara vão mais do que dobrar.
Mas, por que os vereadores têm interesse em aumentar seu próprio número? É simples: quanto maior for o número, maior será a facilidade para se reelegerem.
Assim, seja pela dobra dos salários, seja pelo aumento de 70% das vagas, os vereadores saem ganhando, e o povo, perdendo.
O referendo em Bom Despacho
Em Bom Despacho, a lei define que o referendo é um direito do cidadão. Para exercê-lo, a lei exige o apoio de 5% do eleitorado. Isto dá, aproximadamente, 2000 assinaturas.
O pedido foi apresentado à Câmara com o dobro das assinaturas exigidas em lei. Ele é simples e fácil de atender: que seja realizado um referendo para saber se o eleitor concorda ou não em pagar a conta com o aumento do número de vereadores e com a dobra dos seus salários.
A demora
Depois de receberem o pedido de 4000 eleitores, os vereadores começaram a enrolar. Enrolaram por meses, enquanto tramavam e executavam uma manobra para não realizar o referendo e manter seus salários dobrados: eles votaram uma nova lei, reduzindo o número de vereadores de quinze para onze.
Concordamos: onze é menos mau do que quinze. Mas, no final, os prejuízos continuam. Primeiro, porque mantiveram a dobra dos próprios salários. Segundo, porque ainda mantiveram o aumento de dois vereadores.
O respeito na lata de lixo
Depois da enrolação de meses e da manobra da votação da nova lei, os vereadores deram sua cartada final: arquivaram o pedido de 4000 cidadãos, dizendo que o pedido já não fazia mais sentido, porque a lei contestada havia sido revogada. Portanto, o referendo já não fazia mais sentido.
Esta manobra desleal é reveladora. Ela mostra que os vereadores não desafiaram os eleitores apenas aumentando seu próprio número e dobrando seus próprios salários. Eles também os desafiaram negando-lhes um direito consagrado pelas democracias há mais de 2.500 anos: o direito do exercício da democracia direta, por meio do referendo.
Os eleitores de Bom Despacho enfrentam dificuldades financeiras, sobrevivem com salários apertados, e dão duro pelo menos por oito horas diárias. Enquanto isto, os vereadores trabalham duas horas por semana, se dão altos privilégios, fazem conluios com os plutocratas, não fiscalizam o prefeito e ainda riem das nossas caras.
Eles sabem que estas coisas não representam os interesses do eleitor bom-despachense. Sabem, mas não ligam.
O que fazer?
A melhor resposta a estes vereadores é dar-lhes o mesmo que tantos traidores do povo já receberam no passado: a derrota nas urnas. Embora os estragos sejam grandes, quatro anos passam rápido.
Entretanto, há mais que se pode fazer neste ínterim.
Se o povo quiser, é possível atualizar o referendo e neutralizar a manobra mesquinha dos vereadores. Mas, é possível também ir mais adiante ainda: apresentar um projeto de lei que volte o salário ao que era e volte o número de vereadores para nove.
Caso esta seja a opção, pode-se fazer mais ainda: aproveitar a oportunidade para acabar com a farra dos vereadores que não trabalham e continuam recebendo seus salários mesmo quando não comparecem às duas curtas reuniões semanais de que deveriam participar. Só duas. E bem curtas. Mesmo assim, muitos faltam, e continuam recebendo seus salários.
Na nova lei, o povo pode exigir que os vereadores compareçam ao trabalho e mostrem serviço, sob pena de perderem os salários e até o cargo.
O povo pode ir além: colocar na lei que os vereadores devem parar de enrolar nas reuniões: nada daquele entendiante lenga-lenga de indicações e requerimentos, que não passam de palhaçada 99% das vezes.
Afinal, os vereadores estão na Câmara para trabalharem em prol do povo, não para se locupletarem; não para protegerem os plutocratas e oligarcas da cidade.
Na democracia, o que manda é a vontade popular. Em Bom Despacho, o que está mandando é a vontade de nove vereadores contra a vontade de quatro mil assinaturas. (iBOM / Fernando Cabral / Foto: Google Inc.).