A mãe do menino com o alfinete aberto na barriga
VANDER ANDRÉ ARAÚJO – As mães são zelosas com os seus filhos, especialmente quando são recém-nascidos. O cuidado e a atenção maternos acompanham a mulher por toda a vida, desde o instante em que gestam um novo ser humano, menino ou menina.
Hoje, as mães de primeira viagem costumam enfrentar a chegada do primeiro filho ou filha amparadas por manuais de instrução, influenciadas por dicas da internet, grupos de mães e uma infinidade de profissionais da área. Especialistas autoproclamados que ditam normas e conselhos sobre como cuidar dos pequenos. Doce engano, como escreveu a poetisa divinopolitana Adélia Prado: “Tudo manha, truque, engenho: é descuidar, o amor te pega, te come, te molha todo. Mas água o amor não é.”
No mundo virtual, é fácil se perder e encontrar apoio e orientação para todos os gostos e necessidades, além de sugestões para nomes de bebês e decorações para os “mesversários”, que se tornaram uma tendência frequente.
Fraldas no varal
Houve um tempo, no entanto, em que os recursos eram mais escassos. Festas de aniversário? Vez ou outra… Fraldas descartáveis? Nem sonhávamos com elas em Bom Despacho, muito menos empilhadas nas prateleiras das farmácias e drogarias, que hoje se esvaziam após as promoções e os celebrados chás de revelação, de fraldas e batizados.
Naquela época, em vez delas, as mães usavam fraldas de tecido, lavadas no tanque, quaradas ao sol e trocadas com rigor conforme as necessidades fisiológicas dos pequenos. Era batata: varais carregados de fraldas brancas eram sinal certo de bebê em casa. Para prendê-las ao corpo dos bebês, quando a fita crepe ainda não era acessível a todos, usavam-se alfinetes de segurança. Objetos pequenos, mas de grande serventia. E, como toda peça pequena e afiada, podiam se tornar protagonistas de grandes sustos.
De vez em quando, tomamos conhecimento de situações inesperadas, que trazem lembranças para as mães e podem ilustrar como elas sempre têm um sexto sentido, uma percepção capaz de captar tudo o que possa estar ocorrendo com o(a) seu(sua) filho (a). As mães parecem mesmo ter essa capacidade transcendental de enxergar e perceber o menor perigo que aflige a sua criança e luta com todas as suas forças para evitar ou minimizar qualquer ameaça. Vale-se de todos os seus poderes maternais, para curar e minimizar as dores pelas quais passam o menino ou a menina, quando estão acometidos de doenças ou outros dissabores comuns da infância. São nossas senhoras das dores.
Alfinete na barriga

Recentemente, enquanto cuidávamos de minha mãe – agora com os papéis invertidos, sendo eu e meus irmãos os responsáveis por zelar por ela –, a nossa dedicada ajudante Didinha nos contou uma história que ela jamais esqueceu. Durante a conversa sobre a vida, os desafios da maternidade e os cuidados que os filhos exigem, ela se lembrou de um episódio marcante e compartilhou conosco essa lembrança especial.
Era da época em que, muito jovem, Didinha foi babá de um menino em Bom Despacho e me contou como ficou impressionada com o amor da mãe dele que, vendo as suas dores, se desdobrou para salvar a criança e evitar que um acidente lhe causasse maiores danos: a história do menino que tinha um alfinete na barriga.
Curioso acerca do fato incomum que ela me relatou, resolvi perguntar ao próprio menino, Juninho, que hoje já passa dos quarenta anos, se tudo aquilo era verdade. Ele cresceu ouvindo essa história como uma lenda familiar, algo exagerado, quase irreal. Mas a cicatriz em seu abdômen não deixava dúvidas. Mais ainda, havia provas concretas: ele ainda guardava os raios X e o próprio alfinete, retirado do seu corpo próximo ao duodeno.
Eis o relato da história, contado pela mãe, pelo pai e pelo próprio filho:

A mãe: “Era pra ser à noite a retirada do alfinete na barriga do meu filho. A gente naquela agonia, ansiosos e indecisos se íamos procurar recursos hospitalares em Divinópolis. Tentando me tranquilizar, o médico falava: ‘Calma, Maria José, vamos esperar um pouquinho para ver se ele vai expelir o alfinete’. E eu ali, naquela expectativa. De manhã, na hora de trocar a fralda, nada de aparecer o danado. Apenas aquele choro sentido. No fim, não teve jeito: chamaram a doutora de plantão, providenciaram tudo, e o doutor que já cuidava do caso chamou também o anestesista. Fomos para o bloco cirúrgico da Santa Casa. O menino parecia meio desfalecido, sentindo uma leve dorzinha… Mas, graças a Deus, deu tudo certo e só temos a agradecer aos médicos que foram tão eficientes.”
O filho: Mas, como a senhora percebeu que o alfinete havia desaparecido e deu pela sua falta?
A mãe: “Tava tudo certo no bercinho. Eu tinha uma correntinha que seu pai me deu, com uma medalha muito grande, da cor de ouro, mas eu não gostava dela, então guardei a medalha e coloquei o alfinete nela, no seu lugar. Aí, naquele final de tarde, fui olhar de novo no quarto: cadê o alfinete? Nada. Tirei o virolzinho, o lençol, o colchãozinho, mexi no berço, varri o quarto, cheguei o berço prum lado, varri novamente, procurei e simplesmente dei falta… Nada de achar. Entrei em pânico e chamei a Marlene do Cláudio, mãe do Washington, na janela: ‘Marlene, acho que o Juninho engoliu um alfinete.’ Ela riu: ‘Que é isso, mulher, tá doida?’ Ao que respondi, uai, não, ele tava pendurado numa camisinha dele, camisinha essa que a madrinha do menino trouxe para ele quando visitou o Convento da Penha, lá em Vitória, Vila Velha, mas o alfinete sumiu! Tava abotoado na camisa dele e a corrente agora está solta aqui junto com o bico, mas cadê o bendito alfinete? Fomos correndo pra Santa Casa.”
“Lá, as pessoas ficaram me criticando e até as enfermeiras duvidaram: ‘Você está enganada! Se ele tivesse engolido, estaria chorando agora!’ Mas a radiografia não deixava dúvidas: o alfinete estava lá, no duodeno do menino. Quando a gente viu, foi como levar uma paulada, dava pra ver o danado lá, dessa largura”.
Neste momento do relato, a mãe se emociona e, rouca, até chora relembrando aquelas cenas.
O pai faz um aparte: “O médico chegou no outro dia de manhã e falou: ‘A cirurgia do Juninho vai ficar ótima. Passei a noite inteira vendo a Gretchen na exposição!’”
Se o médico foi ao show da cantora que fazia enorme sucesso na época (e até hoje, como podemos comprovar), com suas músicas e danças sensualizadas, ou não, ainda não temos certeza. Sobre isso, o filho Juninho comenta: “Eu ouvi dizer que a esposa do médico ficou feliz porque, por minha causa, ele não foi ao show.”
O pai: “Nada! Ele foi sim! E ainda disse lá naquele momento de desespero da família: ‘Tô com os olhos iluminados!’”
E assim, com os olhos ainda iluminados após um show musical, chegando até a dispensar a luz artificial branca daquela sala, que o médico cirurgião cumpriu o seu papel, assumindo momentaneamente o lugar da mãe, que, aflita, observava os procedimentos no seu canto, suplicando por auxílio e uma solução imediata para a retirada do objeto alojado na barriga do bebê e para aliviar as suas dores.
Cicatriz para a vida
Esse menino cresceu e, curiosamente, hoje ele cuida da pele dos seus pacientes. O Dr. Sérgio Rodrigues formou-se em Medicina e atua em Bom Despacho há mais de dez anos. Especializou-se em Dermatologia, dedicando-se a áreas como clínica, estética, procedimentos injetáveis, tecnologias e tratamento do câncer de pele.
Ao conversar sobre o episódio do alfinete e a relação com a sua profissão, ele compartilhou comigo uma reflexão: “Esses dias, pensei sobre isso: tenho uma cicatriz no abdômen que nunca tratei, porque sempre fez parte de mim. Nunca me incomodou, pois, desde que me entendo por gente, ela já estava lá. Para mim, não é um choque narcísico. Curiosamente, trabalho muito com cicatrizes no rosto de outras pessoas, ajudando-as a recuperar a autoestima. Foi então que percebi: passo a vida melhorando cicatrizes, mas a minha nunca me incomodou, porque sempre fez parte do Juninho, filho da Dona Maria José e Sérgio.” (Portal iBOM / Vander André Araújo).