A travessia de Cibele Oliveira: o avesso da costura
LÚCIO EMÍLIO JÚNIOR – Lembro das colunas de Cibele Oliveira aqui neste Jornal de Negócios. Ela escrevia sobre a poesia da festa de Reinado encher a nossa cidade de Bom Despacho de música. Cibele é uma de nossas grandes referências em arte aqui na cidade.
Convivemos alguns anos, por razões familiares; ela me chama afetuosamente de “Juninho”. Eu ouvi falar dela pela primeira vez em 1994, quando fui ver uma mostra de Glauber Rocha no hoje extinto Cine Unibanco, perto da Assembleia Legislativa, em BH. Uma mostra gratuita. Meu amigo Orlando elogiou-a bastante.
Mais recentemente, li um poema em homenagem a Cibele no livro Impressões de Cinema do meu amigo Alberto Coimbra, livro em que ela foi uma das musas. Ele comenta que conheceu Cibele no Colégio Tiradentes, onde ela era “bela e irrequieta”. Uma boa definição para ela mesmo hoje.
Há anos, achei encantador o álbum que Cibele realizou em Florianópolis, na época em que vivia lá. Reencontrei esse fascínio ao ouvi-la cantando Tigresa e outras canções, acompanhada ao piano, em vídeos no site dela. Dia desses, Cibele Oliveira estava em Floripa ao lado de Milton Nascimento e a carinhosa chamada do show foi impressionante: “a mineira voltou”. Cibele tem um site oficial onde muito disso pode ser encontrado. Acesse clicando AQUI.
Ela escreve desde menina. Recentemente, lançou-se escritora com o livro O Avesso da Costura, pela editora Patuá, livro que ainda não lançou em Bom Despacho – algo que devemos cobrar dela. Como explicou Mário Alex Rosa, poeta e editor mineiro: “Cibele Oliveira é psicóloga, cantora, professora de canto e cantoterapeuta. Tem uma vasta experiência no universo do cancioneiro popular brasileiro, o que inclui a diversidade e extensão de gêneros. A sonoridade está encorpada no seu modo de viver e ver o mundo. Se pode dizer que a música vem regendo a sua vida desde menina. No entanto, se a música é intensa em Cibele, não será menos no seu interesse pelas palavras, pelo som das palavras, pelo ritmo de uma frase, de uma oração e tantas outras coisas que o leitor poderá agora reconhecer ao ler este belo e forte livro de estreia: O avesso da costura – Ou uma travessia -. Num fluxo contínuo acompanhamos uma narradora que precisa falar e precisa transformar seus silêncios em falas escritas. É uma narradora destemida em colocar sem régua na língua passado, presente e futuro, ainda que possa duvidar do que será depois da chegada do amor. Mesmo breve, é uma história que pela intensidade atravessa uma longa duração, como se a narradora precisasse retornar momentos diferentes de suas vivências e ao mesmo tempo soubesse e/ou desconfiasse que deveria continuar vasculhando sua memória. Não à toa o título do livro traz como metáfora o avesso da costura, aquilo que está por dentro, mas precisa alinhavar para fora, fazer sua travessia de linhas-escritas. O que o leitor encontrará nessa narrativa é uma personagem intensa, com inquietações existenciais e cansada de tantos ‘ismos’, por isso questiona tudo e todos, inclusive ela mesma. Uma personagem que tem o que falar e sabe como falar, mais que isso: doma as palavras, o ritmo, a cadência, o fluxo sem perda nenhuma dos sentidos tão vívidos naquela mulher, fêmea, mãe, feminista, feminina, dura, frágil, realista, mas que não perde a ternura. Assim, com uma potência ferina e meticulosa, a personagem pode dizer como num poema conhecido de Adélia Prado em que sintetiza com esse verso: ‘mulher é desdobrável. Eu sou’. Uma última nota: se quem ler essa orelha e pensar que é um livro fechado no universo feminino poderá se enganar, pois é uma obra que, independente de gênero, pode nos assombrar no que ainda temos de humano, sobretudo no amor”.
Motivados por tão belas palavras, leiamos uma passagem do livro O Avesso da Costura:
“Vou lhe contar uma coisa certa de ser mulher: viver para nós exige coragem e não é pouca e fraca. Quando ela não aparece precisamos buscar, caçar, escavar e até dinamitar. Mesmo em poços que parecem sem fundos, sem formas e sentidos; mesmo quando a queda atravessa em nós o punhal do real: lá está ela pronta para nos fazer viver. Quando de nada nos serve rezar pela travessia dos inúmeros desertos que não escolhemos, ela sempre está lá”.
Difícil ficar fora do fascínio dessa “deusa” Cibele. Brigitte Paredaens, professora de francês, disse a ela: “vous êtes si belle”. Sim, Cibele e sua obra são tão belas. E há muito mais coisa a dizer, como o fato de que a mãe dessa artista, a sempre elegante Jane, é uma de minhas mais fiéis leitoras. E, para finalizar, insisto: precisamos de um lançamento do livro de Cibele em Bom Despacho. (Portal iBOM / Lúcio Emílio Júnior, professor, filósofo e escrito / Foto do alto: Wagner Santoro Quintão)