No escurinho do Cine Regina: histórias de amor e memória

 

Documentário “Espectadores da História” é uma homenagem ao Cine Regina e um tributo à memória afetiva de Bom Despacho, um registro essencial da nossa história. Veja no texto o link para você assistir ao filme completo.

VANDER ANDRÉ – Impressiona a capacidade do cinema de ampliar nossa imaginação, dar asas a ela e proporcionar momentos memoráveis para todos que já tiveram, especialmente na época em que as salas eram o grande espaço de socialização, entretenimento e diversão, a oportunidade de assistir a um filme na tela grande. Em Bom Despacho, o Cine Regina foi esse lugar inesquecível, desde o início dos anos 1950. Mais do que uma sala de cinema com “800 lugares”, ele se tornou um espaço de aprendizado afetivo, onde muitos jovens viveram o primeiro, o segundo beijo… e experimentaram a descoberta dos seus sentimentos amorosos.

Esse cenário nostálgico revive agora no documentário Espectadores da História, que nos conduz a essa época mágica e revela o que se podia fazer, ou até mesmo sonhar, naquele pequeno espaço escuro, onde o brilho não ficava apenas na grande tela.

Assista ao documentário CLICANDO AQUI.

Exibido na noite de sexta-feira (25/10), para um auditório lotado na CDL Acibom, em Bom Despacho, o documentário contou com recursos federais da Lei Paulo Gustavo, captados com o apoio da Prefeitura de Bom Despacho. Dirigido por Roberta Araújo Teixeira Vilela e seu pai, Professor Tadeu Araújo Teixeira, e narrado pela Professora Dona Geni Eugênia, o filme também reúne jovens talentosos como Fábio Pontes, Cecília Couto, Felipe Sousa, David intérprete de Libras e Gustavo Jardim, doutor em comunicação social e diretor premiado que compartilhou sua experiência com a equipe. Na abertura, foram citados também cineastas locais como Pablo Lobato e o filho do Dr. Cisalpino, que também levam o nome de Bom Despacho pelo mundo.

O Professor Tadeu e sua filha Roberta, roteiristas do documentário, abriram a apresentação com um breve panorama histórico, relembrando a época em que a cidade, impulsionada por figuras empreendedoras, viu a construção do Ginásio Miguel Gontijo em 1947, da Igreja Matriz em 1927, de hotéis luxuosos como o Letícia e o Glória, além do Cine Regina.

Para confirmar essa e outras memórias, estava presente o médico Gabriel Gontijo, filho do grande empreendedor Dr. Juca. Emocionado, ele relembrou o amor de seu pai por Bom Despacho e seu empenho em investir na cidade, resgatando também lembranças de sua infância e juventude no cinema. Gabriel fez uma confissão ao contar sobre a janela na cozinha de sua casa, de onde era possível ver a tela do cinema. Sempre que Dona Isa sabia da exibição de filmes proibidos para menores de 18 anos, trancava a janela à chave. Mas isso não impedia as aventuras de seu filho Sílvio e seus amigos que, em uma ocasião, foram pegos quando o garoto responsável pela vigília acabou dormindo e se esqueceu de assobiar para avisar da chegada dela!

O documentário também apresenta relatos vibrantes sobre personagens que marcaram a história do Cine Regina, como Desenho, responsável por criar os cartazes dos filmes, e o Sr. Heli, que ajudava a controlar a entrada nas sessões “proibidas” e zelava pelo comportamento dos espectadores. Ele relembra essas histórias hoje, aos 95 anos, com uma risada encantadora, presente na plateia nessa noite especial.

Além desses, havia também Tarzan e Bolão — este último famoso por acalmar o público com uma lamparina quando a energia caía por ação de um adversário político (dono da usina era o pai de José Fúlvio), para subir ao palco e contar o final do filme.

Sobre esse episódio de corte de energia, Benício Cabral acrescenta à narrativa do filme que o Doutor Juca adquiriu um gerador Siemens, como Gabriel relembrou, e seu pai, Totonho Cabral, que trabalhava na Fazenda Ressaca do Dr. Miguel, contava sempre a história para seus filhos que ele trazia de lá um trator para gerar energia para o Cine Regina. O motor a diesel do trator transmitia sua rotação a um gerador por meio de uma polia, fornecendo a energia necessária para o cinema.

Lembranças como a trilha clássica que antecedia cada filme, o prefixo relembrado na paródia “entra pra dentro cachorrada, que o filme já vai começar”, cantada com entusiasmo por Benício Cabral, filho do “gerente” do cinema, senhor Totonho Cabral, reforçam a atmosfera única daquele lugar.

Benício também destaca que o lugar era frequentado por pessoas de todas as classes sociais da cidade, uma vez que o preço não era tão inacessível. Por isso, o espaço era o grande ponto de encontro, de paqueras, até a sessão começar e se completar, caso o cupido agisse, num beijo no escurinho, sob olhar “cediço” dos zeladores da ordem e da moral.

O filme também conta com o depoimento do juiz aposentado Fernando Humberto dos Santos, que revive sua juventude como líder estudantil, lembrando-se de uma “fila boba” organizada pelos jovens para protestar contra o aumento no preço dos ingressos. Na ocasião ele chegou a ser “preso”, por ser o presidente da União dos Estudantes de BD.

Já a filha do Sr. Odílio, Lúcia Torres, coproprietário do extinto cinema, relembra com emoção os clássicos que assistiu ali. Damião Azevedo, que ainda criança acompanhou seu pai, Dorvelino, na revitalização do Cine Regina nos anos 80, recorda a magia do lugar com uma visão saudosista, típica do enredo de Cinema Paradiso.

Outros depoimentos tocantes completam o documentário, como a apresentação de Roniere Menezes, que revive no palco uma canção do Festicanto de 1984, e a homenagem da família Couto, que canta uma canção sobre Bom Despacho nos créditos finais.

O documentário Espectadores da História não é apenas uma homenagem ao Cine Regina, mas um tributo à memória afetiva de Bom Despacho, um registro essencial da nossa história compartilhada. (Portal iBOM / Vander André Araújo é advogado, filósofo e escritor / Foto: João Skip, cedida pelos produtores do audiovisual).

 

One thought on “No escurinho do Cine Regina: histórias de amor e memória

  • 27 de outubro de 2024 em 22:06
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    Nasci em 10/MAR/1947, na Fazenda Córrego D’Areia, terceiro filho de Sebastião da Costa Gontijo – Tião do Né – e Maria da Conceição Resende Gontijo. A partir de 1956 sempre reservava uns trocados para assistir às matinês ou a primeira sessão das 19 horas.

    Excelente lembrança do “FAZER A AVENIDA” antes do início das sessões. Tinham dois corredores onde as moçoilas iam e viam enquanto a rapaziada (adolescentes inclusive) ficavam só observando o vai e vem, até que surgia uma empatia do jovem com a jovem.

    Era comum a aquisição de sacos de pipocas e de amendoins com casca. No final do filme o pessoal e saindo pisando em cima das cascas de amendoim, fazendo grande ruído. Tinha uma saída lateral por uma viela onde tinha um Salão de Sinucas antes de chegar na Faustino Teixeira.

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