Saudosistas ainda dizem que antigamente é que era bom!

 

DILERMANDO CARDOSO – Vira e mexe, ao andar pela cidade encontramos pessoas opinando sobre as “loucuras” dos tempos atuais. Saudosistas, elas arrematam suas falas com um infalível “antigamente, é que era bom!”. Como tenho espírito de contradição — sou a favor do contra! —, não consigo evitar que meus palpites atravessem a prosa alheia. Daí, prevenido, trago sempre alguma questão engatilhada: antigamente, por falta de vacinas, crianças morriam cedo ou ficavam com sequelas para o resto da vida… Antigamente, quem podia e queria estudar, tinha que ir pra longe… Antigamente, uma carta levava dias para chegar ao destinatário, mesmo que ele morasse na cidade vizinha…

Semana passada, meio a uma roda de amigos, alguém disse que viajar de avião “não compensa: chega-se depressa, mas caso aquilo despenque não sobra passageiro vivo, pra contar a história.” Cutucou onça com vara curta! Como quem entendesse de alguma coisa da vida, protestei: melhor era antigamente, né? Pra ir de Bom Despacho a Belo Horizonte o passageiro padecia durante doze horas, sacolejando no vagão do trem de ferro, puxado pela maria-fumaça — “Café-com-pão, manteiga-não! Café-com-pão, manteiga-não!…” E, para que não me chamassem de desmancha prazer contei-lhes, como agora repito a aventura de meu avô — sô Guilhermino do Engenho —, quando pela primeira vez viajou de trem daqui para BH, faz quase um século!

A Estrada de Ferro Paracatu, chegada à nossa cidade dez anos antes do golpe de estado que levou Getúlio Vargas ao governo, era o caminho para a viagem. Então, os chefes políticos de Bom Despacho resolveram fazer uma visita à capital das Alterosas, para o tradicional beija-mão aos novos donos do poder. Meu avô embarcou nesta canoa furada, quer dizer, neste trem de ferro! Tapinhas nas costas, piadinhas caipiras, encontros com deputados, almoço no Palácio do Governador, e lá se foi o dia!

À noite, para amenizar a maratona de compromissos políticos, aqueles severos senhores decidiram ir ao cinema! Meu avô nunca havia assistido a um filme. Porém, curioso como sempre foi, nada faria com que perdesse aquela oportunidade. Por mal dos pecados, entretanto, seus companheiros escolheram ver um faroestão brabo, daqueles em que até os cavalos davam tiros!

Na volta para o hotel, notando o misto de desapontamento e preocupação no rosto do velho, um dos amigos quis saber: E aí, sô Guilhermino, apreciou a fita? Ao que ele respondeu: Foi boa. Pena que tenha morrido tanta gente… Quebrando o encanto da novidade, o amigo da onça emendou: Fique sossegado, não morreu ninguém no filme. Aquilo tudo era de mentira… Não morreu? Duvidou meu avô, ao mesmo tempo aliviado e desiludido, por fim desabafando: Se tudo ali foi só faz de conta, então borra pra cinema! Diz a lenda que nunca mais o sô Guilhermino do Engenho botou os pés numa sala de exibição, para assistir outro filme!

Hoje, rapidinho, viaja-se daqui até BH em ônibus, carro, moto, avião… Todavia, não falta gente acreditando que “antigamente, é que era bom!” Só Jesus na causa! (Portal iBOM / Dilermando Cardoso é bancário aposentado e escritor / Foto ilustrativa).

 

One thought on “Saudosistas ainda dizem que antigamente é que era bom!

  • 2 de outubro de 2024 em 16:02
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    Não somos iguais!

    “Não concordo com seu ponto de vista, mas defenderei e respeitarei até o fim sua forma de pensar.”

    Passado ou presente, não interessa, interessa são nossos íntimos sentimentos.

    Minha maior virtude, o respeito, recebido no passado!

    Qual educação é melhor, a recebida no passado ou a dos dias de hoje.

    Questão de ponto de vista.

    Sábio é aquele que ouve, avalia, reflete e respeita!

    A essência da vida, é a vida!

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