Bruno Carazza: um gentleman no país dos privilégios

 

LÚCIO EMÍLIO JÚNIOR – Nessa coluna já falei de inúmeros amigos e conhecidos artistas e intelectuais ou figuras destacadas (Ronniere Menezes, Luiza Garbazza, Dilermando Cardoso, dentre muitos outros). Entretanto, falta um que está presente na mídia nacional e que aparece muito pouco na imprensa local: Bruno Carazza dos Santos. Ele é economista e advogado, atua como professor na Fundação Dom Cabral. Escreve no jornal Valor Econômico, teve um blog ligado à Folha de São Paulo, um livro editado pela prestigiosa Companhia das Letras, bem como mantém um site. Tornou-se comentarista de Economia no Jornal da Globo. Já o vi ser entrevistado por Pedro Bial em seu programa, e esteve na bancada do Roda Viva quanto o ministro Fernando Haddad deu entrevista.

Bruno Carazza (2° da direita para a esquerda) no Grupo Escoteiro de Bom Despacho / Foto Arquivo

Eu conheci Bruno Carazza na adolescência, junto ao grupo de Escoteiros. Em uma outra crônica (Maura Lopes Cançado: a Louca que Escreve), ao tratar das livrarias do passado, lembrei-me de uma livraria que existia aqui próximo da Rodoviária e da qual ele era um assíduo frequentador. Sem família aqui, pois seus pais eram de Divinópolis, Bruno não costuma frequentar a cidade. No entanto, ele voltou a Bom Despacho em 2018 e lançou aqui o livro elaborado a partir de sua tese de doutorado em Direito, o volume Dinheiro, Poder e Eleições, também lançado naquele ano pela Companhia das Letras. Filho de Jandir, funcionário da Telemig e de Ângela, a mãe que costurava e era dona de casa, Bruno sempre foi aluno destaque no Colégio Tiradentes da PMMG.

Eu mencionei uma ida minha à sala deles na homenagem que fiz a Ítalo Coutinho e ao amigo Wellington Motta, uma crônica publicada aqui e chamada Por Onde Anda Itinho Ternura. Num dos vídeos em que ele comenta, presente no Youtube, Carazza falou de sua biografia, curiosamente lembrando que “na cidadezinha onde morávamos…” assinalou como ele conseguiu estudar e obter ascensão social, elencando dentre os fatores que favoreceram o seu sucesso o fato de ser branco. Sendo assim, constatou o racismo presente no Brasil. Bruno sempre demonstra ter consciência social.

Em Dinheiro, Poder e Eleições: As Engrenagens do Sistema Político Brasileiro, Bruno abordou melindroso tema do poder econômico e seu enorme peso no processo de eleição de nossos representantes, o que resulta em representantes muito ligados a determinados grupos de pressão e nada interessados em debates que sejam ligadas ao bem comum. Um grupo pressiona pela facilitação da venda de armas; outro é ligado a grandes fazendeiros e mobiliza por legalização de agrotóxicos e contra a legislação ambiental; um terceiro é composto por fanáticos religiosos sequiosos de manter a isenção de impostos para igrejas em meio a uma crise em que faltam recursos até para escolas funcionarem. E assim, refém de interesses econômicos mesquinhos, o país vai afundando cada vez mais. Ele atribuiu esse excessivo peso do dinheiro a falhas nas leis, sugerindo mudá-las. Há um conceito que ele tangencia a respeito do qual eu tenho vivo interesse, o “crony capitalism”, o capitalismo de compadres, modalidade “retardada” de capitalismo que existiria no Brasil. Esse “compadrio” favoreceria a corrupção, o que em parte explica a terrível presença dela no Brasil. O capitalismo seria um no centro e outro na periferia. A modalidade periférica seria uma versão piorada em relação ao centro.

Bruno também escreveu um artigo muito importante na revista Piauí (junho 2021, edição 177) durante a pandemia, exigindo a realização do censo periódico do IBGE (Certo Perdeste o Censo). Ex-diretor da Secretaria de Administração Fazendária, protestou contra a não-realização do censo, decisão do então governo Bolsonaro, que causava enormes prejuízos ao Brasil como um todo, afetando inúmeras áreas. Crítico do governo Bolsonaro, comentou que “a indefinição sobre o Censo expõe o obscurantismo dos poderes da República e a cegueira estatística do país”.

Nesse ano de 2024, Bruno Carazza obteve mais uma vitória depois de cinco anos de dura lida: a publicação de seu livro País dos Privilégios (Volume 1: Os Novos Donos do Poder). No dia 3 de julho ele lançou o livro em São Paulo, junto da jornalista Mônica Waldwogel, na livraria da Travessa. Na última terça-feira, dia 30/7, fez o lançamento do livro na Savassi, em Belo Horizonte.

País dos Privilégios trata dos privilégios salariais dos altos funcionários da elite estatal, entre os quais os militares. Mostra como causam distorções e sugere resolver os problemas em uma reforma administrativa. Ele analisa a premente necessidade de corrigir essa desigualdade. Como explicou a nota publicada no site da Companhia das Letras:

No primeiro volume de sua trilogia O país dos privilégios, Bruno Carazza enfrenta os meandros do corporativismo estatal para desnudar as regalias e benesses no topo das carreiras do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. A partir da análise das folhas de pagamento de tribunais, ministérios, parlamentos e Forças Armadas, entre outras instituições do Estado brasileiro, o autor revela as estratégias mobilizadas na defesa e promoção de interesses privados destoantes da realidade socioeconômica do país.

A despeito das frequentes polêmicas na mídia e na Justiça, a força política dos verdadeiros “donos do poder” continua sendo o principal obstáculo para a implementação de uma reforma administrativa capaz de acabar com os inúmeros benefícios do serviço público. Baseado em sólida pesquisa e dados abrangentes, Carazza narra muitas histórias de quem conhece os bastidores do poder e apresenta possíveis soluções para as distorções entre remuneração e produtividade nos altos escalões do Estado.

Então, para esse meu amigo que é fã de Beatles, todo o sucesso e, lembrando “Baby, you´re a rich man, too”, dessa nossa banda: “Qual é a sensação de ser / Uma das pessoas bonitas? / Agora que você sabe quem você é / O que você quer ser / E você viajou para muito longe? / Tão longe quanto a vista alcança”.  (Portal iBOM / Lúcio Emílio Júnior é filósofo, professor e escritor / Foto do alto: Mauro Figa / BBC)

 

2 thoughts on “Bruno Carazza: um gentleman no país dos privilégios

  • 1 de agosto de 2024 em 21:17
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    Brilhante, Lúcio, seu artigo sobre o Bruno Carazza, pra dizer o mínimo. Sua determinação em divulgar o trabalho dos “filhos desta terra” merece louvor. Digo isto não só pela honrosa citação, ao caput do texto, que de público agradeço, mas porque me fez viajar no tempo, então voltando em pensamento à BH que muito aprecio: quando eu, “piolho” daqueles sebos do Edifício Maletta, ali garimpava raridades!

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