Queimadas trazem muita destruição e morte
Os incêndios no mato são uma força aterradora. Para quem está na cidade, pode parecer apenas um incômodo que traz alguma fumaça, fuligem, fragmentos de capim carbonizado. Mas, para os animais, é diferente. Eles dependem das árvores, do capim, das matas de galeria. Ali estão seus abrigos, seus alimentos, sua água. Principalmente, estão seus ninhos e suas ninhadas. Por isto, cada incêndio são vidas que se perdem. Milhares. Se consideramos todas as formas de vida, muitos trilhões de vida, pois a tanto somam as vidas dos bichinhos microscópicos que fazem do Planeta aquilo que ele é: um lugar habitável para os seres humanos.
FERNANDO CABRAL – Entra ano, sai ano, em maio o Brasil entra em chamas. Com elas, chega a morte. Para muitos animais, morte dolorosa, mas rápida. Para a maioria, morte lenta e agonizante. Não diretamente pelo fogo, mas por suas consequências. Agonizante ou rápida, são vidas que se perdem. O Planeta fica mais pobre e nossa qualidade de vida cai.
Alguns incêndios têm causas naturais, mas a maioria deles decorre de ação negligente ou criminosa do ser humano. Este geralmente é o caso em Bom Despacho. A ação humana é a culpada. Aqui não há muito espaço para incêndio genuinamente espontâneo, como acontecia antigamente. Os cerrados nativos que não foram alterados pela agricultura e pastoreio convivem bem com incêndios periódicos. Suas árvores com casca espessa e rugosa resistem ao fogo. Parte de suas sementes germinam melhor após o calor intenso. Mas, cerrados transformados em pastagem ou cultura não têm proteção contra incêndio.
Mas, o que acontece atualmente?
A primeira coisa que notamos é que, na maioria das vezes, os incêndios começam em locais próximos às estradas e rodovias. Os dois motivos principais são conhecidos. Algumas vezes o fogo começa porque alguém passa e, displicentemente, lança uma ponta de cigarro para fora do carro. O vento se encarrega de transformar aquela guimba em fogo. É a negligência criminosa.
Outras vezes a pessoa se dá ao trabalho de descer do carro e atear fogo ao mato. É o crime em sua essência.
Uma terceira causa, cada vez menos comum, é o incêndio que o roceiro começa quando decide limpar uma gleba com fogo. Esta é uma tradição que herdamos dos nossos nativos. Destituídos de ferramentas para limpar clareiras para cultivo, eles apelavam para o fogo. Os portugueses aprenderam com eles e nosso matuto ainda não se esqueceu completamente desta tradição. Embora já tenha mudado muito, ainda acontece.
Causas naturais e acidentais ainda podem ocorrer, mas são raras. Um raio que começa um incêndio ou um fio de energia elétrica que cai no chão e gera faíscas.
Para evitar os incêndios, é importante conhecer suas causas. Mas hoje vamos falar sobre o sofrimento dos animais.
O Pantanal está enfrentando um dos piores incêndios já registrados. Todos os dias vemos animais mortos. Toda nossa fauna sofre. Caititu, capivara, tatu, anta, veados, jacarés, cobras, guarás, jaburu, ou tuiuiú – a ave símbolo do pantal.
Em Bom Despacho não é diferente. Nesta época do ano, quase todos os dias, os Bombeiros são chamados a apagar algum incêndio em nossos pastos, cerrados, campos e matas de galeria. Alguns, próximos às residências e rodovias, colocam a vida humana em risco iminente. Muitas vezes paralisam o trânsito e causam acidentes nas rodovias. VÍDEO gravado pelo iBOM mostra Bombeiros combatendo incêndio em Bom Despacho/MG enquanto pássaros circulam acima do local. CLIQUE E ASSISTA.
A fumaça traz monóxido de carbono, particulados, compostos orgânicos voláteis. Levados pelos ventos, a área afetada pode ser enorme.
Quando a fumaça e a fuligem chegam à cidade, a demanda no pronto atendimento aumenta. Bebês e idosos sofrem mais. Os idosos, porque seus pulmões já estão cansados e sua capacidade de oxigenação já está diminuída. Os bebês porque seus pulmões não estão completamente desenvolvidos.
Para os bebês há um agravante. Eles respiram com maior frequência. Enquanto um adulto saudável inspira umas quinze vezes por minuto – ou até muito menos – um bebê saudável pode inspirar quarenta vezes ou mais por minuto. Portanto, os pulmões dos bebês estão mais sujeitos a inalar fuligem.
Isto, sem falar nos asmáticos e naqueles que têm doenças como DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica) e assemelhadas.
Já há mais de dois séculos que se sabe que a fuligem inalada predispõe o organismo para o câncer e outras doenças que se desenvolverão mais tarde na vida.
Isto significa que os incêndios têm consequências profundas para a saúde humana. Não é apenas um pequeno incômodo que logo passará.
Mas, há outras consequências que influenciam a nossa vida sem que possamos perceber de imediato. Por exemplo, em cada incêndio é enorme a morte de abelhas. As abelhas são as maiores responsáveis pela produção de frutas. Mas não só de frutas. A produção de abóbora, para citar mais um caso, é muito afetada pela ausência de abelhas. Isto significa que a morte de abelhas faz aumentar o custo dos alimentos.
Há outro motivo pelo qual os incêndios aumentam o custo dos alimentos. Embora muita gente acredite que a queima do mato aumente a produção, isto não é verdade. Os terrenos queimados produzem menos, não mais. Isto, por vários motivos. Os três mais importantes são a perda de matéria orgânica da superfície, a lixiviação de minerais – como o potássio e o fósforo – e a morte de bactérias que promovem a saúde das raízes das plantas.
Mas voltemos aos animais.
Embora voem, abelhas e borboletas não têm a menor possibilidade de escapar dos incêndios. No caso das abelhas, nem adiantaria, pois sem sua colmeia, morrem de qualquer jeito. Os bichos que andam perto do solo ou rastejam, como as cobras e lagartos também não têm como escapar. Os quadrúpedes velozes poderiam ter alguma chance. Contudo, não raro são cercados pelo fogo e morrem. Quando não morrem, têm dificuldade de sobreviver porque o capim que os alimenta vira cinzas.
E as aves? Podemos pensar que pelo menos as aves escapam. Contudo, nem sempre. Muitas se desorientam com o calor e com a fumaça e acabam queimadas. Outras são aves de chão e não podem voar. Ou têm voos muito curtos. É o caso do nhambu, por exemplo.
Mas há casos mais compungentes e dolorosos. É quando vemos uma ave tentando defender seu ninho contra as chamas. Algumas vezes são ovos; outras vezes são filhotes que não conseguem voar ou andar.
Nestes casos, pai e mãe voam e correm alucinadamente em torno dos seus ninhos, na esperança vã de salvar suas crias. Nesta situação triste e comovente, vemos a morte da ninhada inteira. E quando pai e mãe insistem – o que quase sempre acontece – eles também morrem defendendo o ninho.
Mas a mortandade não para aí. Após o incêndio as consequências continuam. Os animais ficam sem comida. Eles ficam sem abrigo. A cadeia alimentar fica destruída.
No meio de tudo isto, estão os Bombeiros. Eles arriscam suas vidas combatendo o fogo e tentando salvar pessoas, animais e patrimônio. Enfrentam calor intenso, inalam fumaça perigosa, expõem-se a ficarem presos no fogo com a virada do vento.
Portanto, não faltam são motivos para redobrarmos nossa atenção com tudo que possa causar um incêndio. (Portal iBOM / Fernando Cabral é licenciado em Ciências Biológicas, advogado, auditor federal e ex-prefeito de Bom Despacho / Fotos: iBOM).