A coleção de “santinhos” do Cláudio do Pretinho

 

VANDER ANDRÉ – Há cerca de vinte anos, Cláudio Aparecido da Silva, o barbeiro mais tradicional de Bom Despacho e proprietário do Salão Central, começou sua coleção de “santinhos”. Cláudio é filho do saudoso Pretinho e, em vez de colecionar santinhos de políticos ou pagelas devocionais com imagens de santos, ele se dedica a colecionar os distribuídos pelos familiares nas missas de sétimo dia de falecimento.

Essa lembrança que é distribuída nas cerimônias de sete dias de falecimento é uma homenagem que os familiares e amigos, notadamente católicos, fazem para a pessoa que faleceu, como forma de demonstrar o quanto o ente querido era especial. No caso desses santinhos, pode-se colocar palavras e foto, eternizando o amor e carinho, além da consideração das pessoas por quem partiu.

Para alguns, o hábito de Cláudio pode parecer curioso ou até mórbido. Como ele mesmo me contou, várias pessoas acham a sua ideia bastante interessante, mas a maioria considera “doideira” colecionar fotos de falecidos, ajuntando imagens de pessoas mortas, acreditando que isso pode lhe trazer mau agouro. Cláudio, no entanto, persiste sem se importar com os comentários, pois acha prazeroso ver as fotos e recordar dos amigos. Para ele, apreciador da história da nossa gente, colecionar os santinhos é uma forma de relembrar e manter viva a memória dessas pessoas. Clique AQUI e veja vídeo de Cláudio Pretinho e fotos de algumas das pessoas que estão nos “santinhos”.

Memorial

O material colecionado é uma verdadeira obra de arte, um memorial, uma homenagem e um belo reconhecimento das pessoas que já se foram. Ela é composta por fotografias de cidadãos de Bom Despacho e, segundo Cláudio, quase 99% são locais. Ele guarda essas lembranças com extremo zelo, comentando que as fotos trazem boas memórias das experiências vividas com aquelas pessoas amigas, no seu convívio na sociedade de Bom Despacho. Poucas pessoas têm esse hábito, já que a maioria joga os santinhos fora.

A coleção de Cláudio, que ele carinhosamente chama de “álbum fantasma”, inclui várias personalidades, tornando-se uma visita interessante ao seu salão para quem deseja recordar os falecidos. Ao lado de pessoas humildes, simples e pouco conhecidas, encontram-se figuras de destaque na cidade. Todos são guardados e tratados com o mesmo respeito, sem distinção. Numa rápida visita, encontrei santinhos do meu avô, José Bento, falecido em 2001, da minha tia Rosa Araújo, falecida em 2021, do Padre Henrique, falecido em 1991, do Padre Libério, falecido em 1980, do Nicolau Leite, falecido em 1994, e do lendário Tonho do Sô Lau, falecido em 2009.

Muitos clientes, ao chegarem no Salão, pedem para ver a sua coleção. Alguns para fazer tira-teima da contagem de tempo – por exemplo, há quantos anos o estimado Doutor Roberto faleceu? Muitos perdem a noção e ele vai lá e confere: há tantos anos e responde à dúvida com precisão.

Estima

Cláudio comenta que conheceu pessoalmente 90% das pessoas cujos santinhos ele possui. Ele guarda especial estima por alguns, como o do Padre Libério e do seu avô materno. O santinho do seu pai, Seu Pretinho, falecido há dois anos, ainda não teve coragem de colocar no álbum.

Seu Pretinho, como era conhecido, cortou o cabelo de jovens, crianças e adultos em Bom Despacho por 52 anos. Já Cláudio, seu filho, cortou cabelo e barba durante 30 anos no Salão na Praça Matriz, ao lado do Xuá e do Cine Regina. Há 8 anos está no novo Salão Central. Ele não faz ideia de quantos cabelos já cortou na vida, mas continua fazendo isso com destreza e prazer e sempre com a agenda cheia.

O apelido do pai, segundo Cláudio, surgiu ainda menino. Seu Pretinho nasceu prematuro, com apenas sete meses, no povoado do Mato Seco. Como era caçula e muito mimado, nasceu sem sobrancelhas e unhas, e foi colocado numa “caixa de sapato”, numa época em que não havia incubadora para tratamento de recém-nascidos. Crescendo com o apoio da família, ele não gostava de vestir roupas e, sendo já moreno e andando pelado no terreiro, ganhou o apelido devido ao sol que queimava ainda mais a sua pele.

A coleção de santinhos de Cláudio cresce diariamente, com clientes e amigos contribuindo após participarem das missas de sétimo dia. A vizinha Miriam Lopes me contou que, ao chegar dessas missas com os santinhos, já joga os papéis debaixo da porta dele, pois diz não gostar de guardar “essas coisas” em casa, às vezes ouvindo ao longe um “obrigado” de Cláudio. Ele também já recebeu doações, como da Professora Ivone Cardoso, que lhe cedeu parte do acervo de sua mãe.

Colados nas páginas dos seus álbuns, ou agrupados em caixas, os santinhos não seguem uma ordem cronológica ou alfabética, mas são organizados por tamanho, cores e adequação às páginas, com a ajuda da esposa Matildes e da cunhada Cida Mesquita. Ele já tentou ordenar a coleção reunindo, por exemplo, os padres, os motoristas de táxi etc, mas desistiu. Cláudio estima ter centenas de santinhos, e percebeu que, após a pandemia, as pessoas estão deixando de produzi-los, o que o entristece. Ele faz um apelo para que o hábito seja retomado, pois gosta de guardá-los.

Quando questionado sobre digitalizar as fotos para a posteridade, Cláudio demonstrou interesse em conhecer o projeto Nossa História, Nossa Memória, da ONG Casa Tué Timbuá, e se dispôs a colaborar. Perguntei também se ele pensa em expor o material em algum ponto de cultura da cidade, mas ele ainda não considerou essa possibilidade, até mesmo porque, infelizmente, temos ainda poucos espaços expositivos disponíveis na cidade.

Sobre a divulgação de seu trabalho na mídia, Cláudio nos confidenciou que sua amiga Miriam Lopes sugeriu certa vez que ele participasse de um quadro no programa de Fátima Bernardes, na Rede Globo, para apresentar sua história curiosa e interessante. Infelizmente, isso ainda não se concretizou, o que é uma pena, pois poderia dar visibilidade a uma ação cultural de preservação da memória local, alcançando projeção nacional e reforçando seu propósito de homenagear os amigos e matar a saudade daqueles que já partiram.  (Portal iBOM / Vander André Araújo é advogado, filósofo e escritor / Fotos da coleção de Cláudio Pretinho)

 

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