Emoção e nostalgia: o legado deixado pelo teatro em BD

 

VANDER ANDRÉ – Quem percorre a Avenida São Vicente a pé, atravessando a amurada do Favuca, chega à Praça da Estação de Bom Despacho, oficialmente conhecida como Praça Olegário Maciel. É nesse local, mais especificamente nos fundos de onde funciona a Câmara Municipal, e em frente à histórica Maria Fumaça, que se encontra o Memorial do Centenário, um mural com fotografias de destacadas personalidades bom-despachenses.

Este Memorial foi aprovado pelo Conselho Municipal de Patrimônio Cultural em 2012 e é uma obra concebida pelo escritor, acadêmico da Academia Bondespachense de Letras e artista plástico Alex Moreira Rocha, em colaboração com o filósofo e professor Ronan Tales de Oliveira. O Memorial foi elaborado em “porcelanato de nanoglass”, durante as celebrações do centenário de Bom Despacho em 2012.

Algumas das figuras notáveis retratadas no Memorial, em praça pública, possuem detalhes biográficos que foram incluídos na revista impressa Tiploc Aí, de Out-Dez/2013. Permita-me destacar alguns trechos dessa importante publicação para comentar sobre o legado cultural deixado para a nossa cidade pelo casal José Calais de Resende e Dona Léia, além de outros importantes atores das artes cênicas nos anos 1945-50 em Bom Despacho, bem antes do período ditatorial no Brasil e do Grupo Teatral Porta Aberta fazer sucesso na cidade, nos anos 1980:

José Calais de Resende Filho, nascido em Bom Despacho no dia 26 de dezembro de 1928, foi Professor de Francês, na Escola Estadual Miguel Gontijo, é, também, um dos professores fundadores do antigo Ginásio Industrial, no Bairro de Fátima, atual Escola Estadual Wilson Lopes do Couto, da qual foi um dos primeiros diretores. Na opinião de Calais, “Bom Despacho é a melhor cidade do mundo e por isso não consegue permanecer muito tempo distante dela”. Foi no turismo internacional que ele viveu suas maiores emoções, sobretudo em setembro de 1993 – um Seminário de Professores de Francês, em Paris – depois, o Egito, Israel e a Grécia, onde nasceu o que de mais importante existe, sobretudo em nosso mundo ocidental: a religião, a democracia, a arte e a cultura. (p.20)

O casal Léia e José Calais (Foto cedida pela filha Luda)

Sobre a sua esposa Dona Léia:

D. Léia Hamdan Resende, bom-despachense de origem libanesa, nascida em 1928, além de excelente pé de valsa nos bailes do Clube Social, foi “muito atuante na arte cênica de nossa cidade. Integrante do grupo teatral que se projetou em toda a região, como atriz efetiva e de sucesso, sempre lembrada pelos que tiveram a sorte de assistir à performance dos artistas que compunham este elenco”. A exemplo de sua avó, Chiquinha Soares, tornou-se professora primária. (p.21).

A filha do casal, Luda Hamdan, compartilha suas lembranças sobre os seus pais, recordando que o matrimônio deles resultou em 10 filhos: “Minha mãe era uma jovem alegre, participativa, otimista: jogava vôlei, dançava, cantava, era linda e talentosa, tendo vivido mais de 94 anos. Ao lado da sua irmã Leda e diversos amigos, ela participou ativamente do Grupo de Teatro em Bom Despacho. Sua vida é uma fonte de inspiração para todos nós, sinônimo de vida pulsante”.

Outros artistas destacados em Bom Despacho, mencionados na Revista Tiploc Aí, que também desempenharam papel significativo no cenário teatral na cidade foram a Leda Hamdan, José Pessoa Marra, o Francisquinho e o Heitor Franco:

José Pessoa Marra, nascido em Bom Despacho em 1915, teve destacada atuação na vida cultural de Bom Despacho em duas áreas: teatro e fotografia. Além de artista de sucesso, é um dos fundadores do GTB – Grêmio Teatral Bondespachense, onde, ao seu lado, brilharam outros artistas: Erasmo Brandão Couto, que trouxe sua experiência do Rio de Janeiro; Francisco de Oliveira, o Francisquinho do Sô Chico, de sucesso em muitos palcos de Minas Gerais afora – e a estrela maior – Leda Hamdan. Famosa pela sua beleza e seu desempenho nos palcos da cidade. Mas a fotografia foi o que imortalizou José Pessoa Marra como personalidade histórica em Bom Despacho. Com muita razão, ele é considerado “o fotógrafo da vida e da alma bondespachense”. (p.18)

Heitor Franco, nascido em Santo Antônio do Monte em 1912, veio para Bom Despacho em 1937 e teve também participação ativa na parte cultural e de entretenimento de nossa cidade. Era alegre e extrovertido. Destacou-se também como autor de teatro, que era encenado no antigo Cine Odeon. (p.39)

Ao explorar a trajetória do artista José Pessoa Marra, Lucienne Soares Campos segue os passos do seu pai, Nicomedes Teixeira Campos, narrando a história de Bom Despacho, assim como ele fazia no jornal “O Bom Despacho”. Juntamente com o professor David Andrade, no livro “Nos caminhos da política”, publicado pela Editora Fumarc, 2011 e disponível na Biblioteca Pública, eles fazem comentários significativos:

“Amante da arte em todas as suas manifestações, fazia parte do grupo de teatro amador da cidade. Juntamente com Leda Hamdan, Teodora Costa, Francisquinho e outros, participou de várias representações de peças famosas da época. Nos dramas, sabia mostrar-se comovente e patético; nas comédias, ridículo e caricato. Em ambas as cenas, sua capacidade interpretativa e sentimento criador provocavam entusiasmo da platéia. Era um verdadeiro ator.” (p.29)

Francisquinho (Foto cedida pela filha Cléia Cançado)

A filha de Francisquinho (Francisco José de Oliveira Júnior), Cléia Cançado, revela que seu pai, nascido em 1918, guardava os roteiros das peças de teatro escritos à mão, os quais estão preservados no arquivo da família. Ao ser indagada sobre seu pai enquanto artista, Cléia, emocionada, compartilha que ele sempre transcendia a sua época e relata uma fascinante história: “Um dia, o circo chegou à cidade, e ao término dos espetáculos, ele partiu com os demais membros do Circo para realizar o seu grande sonho de ser artista. Somente anos mais tarde ele retornou a Bom Despacho, integrando a Companhia de Teatro, e assim escreveu uma história notável da qual ele sempre se orgulhou, vindo a se casar aos 40 anos”.

A sobrinha de Leda Hamdan, Luda Calais, ao falar sobre sua tia, descreve-a como uma mulher bela e talentosa, que frequentemente desempenhava o papel de “mocinha” ou protagonista nos espetáculos.

Teatro, Cinema (Odeon, Regina), Clube Social, Salão São Vicente – são locais que despertam emoções por meio das lembranças nostálgicas de um passado em nossa cidade. Mas onde estão esses lugares agora? Como podemos reencontrá-los em nosso meio social? Onde podemos apreciar espetáculos em Bom Despacho?

Leda Hamdan em cena com Nelsina (Foto cedida por Cléia Cançado)
A mocinha da maioria das peças, Leda Hamdan (Foto cedida por Cléia Cançado)

Diante da proximidade do Centenário do Clube Social, cujo destino ainda é incerto após sua designação para a Secretaria Municipal de Educação, e o assunto ter sido discutido durante a Conferência Municipal de Cultura, torna-se imperativo criar um espaço dedicado à cultura. Digo e repito: surge a necessidade urgente de uma Casa de Cultura, um local onde os artistas possam expressar seus talentos, permitindo-nos aprender com nossos antepassados a construir um futuro no qual a arte seja uma presença constante, transformadora das nossas vidas.

É fundamental que essa Casa de Cultura seja acessível à periferia, aos povos que não residem na região central da cidade. A inclusão dessas comunidades nas atividades culturais em Bom Despacho é essencial para promover a equidade e a diversidade, proporcionando oportunidades para que todos possam participar ativamente da vida cultural. A Casa de Cultura, ao atender às diferentes regiões da cidade, não apenas democratizaria o acesso à arte e à cultura, mas também fortaleceria os laços comunitários e contribuiria para um desenvolvimento mais abrangente e inteligente da nossa sociedade, para onde, em tempos midiáticos, todas as nossas câmeras iriam se voltar.

(Vander André Araújo é advogado, filósofo e escritor / Foto do alto: Dona Léia atuando em cena com José Pessoa Marra / Arquivo Cléia Cançado)

 

 

 

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