Natal nos traz novas formas de viver, amar e olhar o mundo

 

ROBERTA GONTIJO TEIXEIRA – As festas de fim de ano por aqui serão um pouco diferentes. Lembro no primeiro ano que Dada veio para nossa família e passou o natal conosco. Ela tinha apenas um aninho e queríamos apresentar a ela o mundo, permiti-la ver as luzes que decoravam as árvores e mima-la com presentes e brinquedos.

Tudo era novo. Para nós e para ela. Para mostrar-lhe as belezas da vida e das festas de fim de ano, passamos, naquela ocasião, a olhar tudo com novos olhos, com o deslumbramento que só uma situação de novidade pode trazer.

Este ano, de uma forma diferente, a história se repete. Como relatei numa edição anterior, meus cunhados, gêmeos de 40 anos, com necessidades especiais, vieram passar natal e ano novo conosco.

O dia a dia em São Paulo não permite a proximidade com os animais, que para nós são comuns: vacas, cavalos, galinhas. Para eles, vê-los de perto é uma novidade e, claro, fazemos questão de passear por algumas fazendas com eles para possibilitar-lhes estas vivências. Até um sapo que apareceu outro dia aqui no quintal foi motivo de festa.

Um deles tem restrições mais severas. Além de se deslocar apenas em cadeira de rodas, tem limitações na cognição. É como se fosse uma criança de 3 anos. Fica impressionado cada vez que o galo canta. A cada novo canto do galo, ele me diz: olha o galo cantando.
É bem interessante vê-los vivenciar essas novas experiências.

As dificuldades e embaraços do dia a dia, para cada um de nós, são muitos, mas todos compensados pelo prazer de tê-los aqui conosco.

Cada ato praticado envolve uma série de atividades. O simples fato de fazer xixi, por exemplo, tem um longo ritual. É preciso conseguir senta-los, ajeitá-los e encaixar a cadeira cuidadosamente nos pequenos espaços do banheiro para, só então, cumprir a tarefa. Tento me adaptar e fazer o melhor que posso, mas além de inexperiente sou um pouco estabanada. Às vezes esbarro, trombo e me embaraço com a lida.

Outro dia me desculpei com o Rafa, o que tem restrições mais severas, por uma troca de roupa meio desajeitada que fiz e emendei logo a pergunta: – Está tudo bem? Você se machucou? Ele se limitou a responder: “A mamãe estava mais acostumada”.

Uma outra experiência que me deixou em saia justa esta semana foi o pedido matinal do Rafa. Alexandre, meu companheiro, dormiu um pouco mais nesse dia e me coube a tarefa de servir sozinha a eles o café. Prepara um pão daqui, um café com leite dali, um leite com chocolate e, de repente, Rafa me chama chorando: “quero um remédio”. Perguntei: “Pra quê? Onde dói?” “Estou com saudades da mamãe”, respondeu ele. Foi uma luta conseguir explicar que não havia remédios para curar esse tipo de dor. Como contei antes, minha sogra faleceu há um mês e meio atrás e eles ainda estão tentando vivenciar e superar esse processo de luto. Explicação finalizada. Ele voltou para mim e disse: “então se não tem esse remédio, me dá um para o joelho”. Inventei um placebo qualquer e disse: “Pronto. Esse aqui é maravilho. O joelho vai ficar ótimo”.

E assim, estamos seguindo, aprendendo. Entre deslumbramentos, novidades, esforços físicos e alguns episódios de choro, às vezes de saudade, às vezes de encantamento, às vezes só por não saber como lidar com uma situação cotidiana.

Quando sinto algum tipo de exaustão, penso na lida de muitos e de cada um, nas peculiaridades, nos motivos de estarmos todos pendurados em uma bola azul, girando solta, em alta velocidade no espaço. Há de ter um propósito para tudo isso.

Que bom que toda essa rica experiência está acontecendo conosco no Natal e nos possibilitando ser um pouco mais família, um pouco mais diversos, um pouco mais humanos.

Que bom que a presença deles em nossas vidas, apesar das tarefas extras diárias, vem possibilitando a cada um repensar pequenos valores, olhar diferente para as calçadas que precisam ser adaptadas, reavaliar nossos comportamentos e aumentar a nossa gratidão. Ter mobilidade é independência é sagrado e nem sempre nos damos conta disso.

Muitos são os que estão por aí, não necessariamente sem mobilidade física, mas sem comida, sem acessos, sem possibilidades e o que é mais triste, em alguns casos, sem amor.

Que possamos viver o natal com seu real sentido, o de renascimento e doação. Que possamos cuidar uns dos outros, amar uns aos outros e agradecer a Deus o simples fato de estarmos vivos e caminhando.

Nesse caso, de novo, o natal e suas luzes vieram nos mostrar, ao menos aqui em casa, novas formas de viver, amar, nos doar e olhar o mundo.

Que não percamos esse olhar. Que seja sempre natal, tempo de amor, luzes e doação. (Portal iBOM / Roberta Gontijo Teixeira é bacharel em Direito, ambientalista e servidora pública federal / Fotos de arquivo da família)

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