João da Casinha, o dono do armazém da Rua do Céu
VANDER ANDRÉ – João Benedito do Couto, carinhosamente conhecido como João da Casinha, é uma figura icônica na cidade de Bom Despacho. Nascido em 9 de junho de 1933, Seu João, agora com 90 anos, recebeu-me em sua casa, onde reside há décadas, na esquina das ruas Flávio Cançado Filho (antiga Rua do Céu) com Padre Vilaça, para compartilhar um pouco da sua história de vida que remonta a tempos em que a cidade era bem diferente da atual.
Quando questionado sobre a origem do seu apelido, ele se emocionou e começou a falar sobre o carinho e afeto por seu pai, Vicente da Casinha (foto), de quem herdou o apelido. Chamar-se assim é uma maneira de homenagear e lembrar do seu falecido pai, que vivia num casarão (está aqui talvez a ironia do apelido), com padrões de aroeira e assoalho de tábuas largas, com um “rego” passando por debaixo da casa onde ele nasceu, na região da Cachoeira dos Couto, que infelizmente não existe mais por lá. Durante aquele período, ele ajudou bastante o pai a criar as suas irmãs, trabalhando duro na lavoura, “naquela roça de 9 hectares nos Couto”, onde também ajudou a construir a casa.
Casado com Dona Zilda há 64 anos, o casal teve 7 filhos, 2 já falecidos, e aprecia muito a companhia dos netos. Seu João foi para Bom Despacho aos 9 anos para estudar, quando seu pai vendeu a roça e a família se mudou para a rua Flávio Cançado Filho, na casa do Esquival, de frente ao Ratinho, como ele recorda. Ele se formou na oitava série, na Escola Coronel Praxedes, e guarda boas lembranças da infância, quando era aluno da Dona Eglantina, esposa do Capitão Marques Rosa, até o quarto ano. Ele destaca uma curiosidade: a professora, por vezes, era substituída em sala de aula pelo Camargo Capitão, que conduzia as atividades com maestria.
Seu João trabalhou no comércio desde os 16 anos, quando começou com o senhor Chico Lopes em um estabelecimento que hoje abriga a Unimed em Bom Despacho. Aos 19 anos, ele serviu o Exército Brasileiro, em uma das primeiras turmas do recém-fundado TG 04006 na cidade. Neste ponto, ele faz uma pausa, suspira e comenta do seu grande sonho de ter sido militar, abrindo a carteira e mostrando a sua foto uniformizado. No entanto, devido ao fato de já estar “engrenado” no comércio, já com muitos resultados, ele optou por desistir da carreira militar.
Curiosamente, foi durante esse período que ele conheceu o grande amor de sua vida, a Dona Zilda, então uma garotinha de 12 anos, por quem se apaixonou e de quem nunca mais se separou. O namoro começou em segredo, depois que se conheceram no armazém do seu Niquito, onde funcionava a antiga Caixa Federal. Dona Zilda entra na sala nesse momento, para auxiliar o marido no compartilhamento das memórias, e ambos lembram que a família de Seu João tinha ciúmes dela, especialmente as suas cunhadas, já que o Seu João era o único homem em uma família de sete filhos! Eles namoraram por sete anos antes de se casarem, ela com seu primeiro e único namorado, em uma cerimônia na Capela da Santa Casa, sob as bênçãos do vigário de Dores do Indaiá.
Os dois contam, com um sorriso nos lábios, que até hoje travam brigas de amor durante o dia, mas jamais eles podem ficar de mal à noite, isso uma tradição por quase 74 anos!
Seu João da Casinha também trabalhou com Celso Malaquias em um armazém no Larguinho, que ele vendeu para o seu irmão, o professor Júlio Malaquias, que não entendia muito dos negócios. Com “dois porcos no chiqueiro”, como garantia para a transação e muita disposição para trabalhar e pagar mensalmente o valor, ele acabou comprando o Armazém.
O tradicional comércio, que manteve por mais de sessenta anos na casa onde ainda mora, se chamava Armazém Popular, mas todo mundo conhecia como Armazém do João da Casinha. Lá ele vendia cereais, miudezas, acessórios para pesca, como anzóis e chumbada. Além disso, ele costumava abater porcos, no lote em frente, para venda no balcão. O local era um ponto de encontro de amigos e diversos fregueses passavam por lá. Deles, se recorda do Zé do Chico da Passagem, que comprava cigarro e porco, e o engraçado Sargento Buduca, falecido há muito tempo, que era seu companheiro de pescaria, sua atividade favorita, no Rio São Francisco ou Araguaia, ao lado dos estimados Badu e João Pacífico.
Em uma ocasião engraçada, uma senhora comprou 5 kg de toucinho em seu armazém, enquanto Buduca aguardava por ele para sair para pescar e cavar minhocas. Ao ver a senhora distinta comprando aquela parte do porco fresquinha, ele fez uma de suas piadas, perguntando se ela gostava de porco com “canjica”, referindo-se ao tipo de carne que dá “lombriga solitária”! Infelizmente, ela não entendeu a brincadeira do amigo e logo devolveu o toucinho, deixando a compra nas mãos do irritado Seu João.
A casa onde ainda mora foi construída pelo Gustavo Lopes, há mais de 80 anos, mantendo as características da arquitetura da época, com aquelas várias portas grandes de madeira. Seu João conta que comprou a casa do filho do Gustavo, o Barão, por uns 4 mil cruzeiros. Em frente à casa, havia um circo e um parque numa pracinha, onde hoje está localizado o Colégio, da qual ele tem imensa saudade. Segundo ele, houve uma luta significativa na época, pois muitos não queriam que ali fosse construído aquele prédio.
Seu João da Casinha sempre teve vida social muito intensa com Dona Zilda e vive rodeado de amigos. Frequentador de entidades, da Praça de Esportes e do Clube Social de Bom Despacho, o casal era reconhecido como o arroz “doce” dos bailes. Ele é um dançarino habilidoso, um verdadeiro “pé de valsa”, sabe dançar muito bem valsa, bolero, forró. Todas as suas filhas participaram dos bailes de debutantes no extinto Clube Bom Despacho.
No dia a dia, Seu João aprecia a comida que prepara junto com a esposa, revelando a sua preferência pela carne suína, já que a vida inteira ele costumava abater porcos. Ele gosta especialmente de uma costelinha suína bem gorda, com mandioca, dispensando a carne de vaca, mesmo a do tradicional açougue que existia ao lado da sua casa, da memorável Dona Irene.
O casal gosta de recordar das suas inúmeras viagens, especialmente para as praias. Dona Zilda me contou de uma em especial, em que foram ao Rio de Janeiro, a convite de amigos que moravam em Barra Mansa, na tentativa de “caçar” o famoso cantor Nelson Gonçalves, de quem eram fãs, num restaurante que ele frequentava. Infelizmente, ele não estava lá e restou apenas tirar uma foto na praia de Copacabana para relembrarem com muito amor dessa ousada experiência. Logo depois, o cantor se apresentou em Divinópolis, mas o local não acomodou todos os interessados, então eles só conseguiram encontrá-lo no dia seguinte, quando, finalmente, ela teve a chance de “pegar na mão do Nelson”, sob olhar enciumado do Seu João da Casinha.
Hoje, seu João da Casinha se aposentou do comércio, mas ainda é habilidoso nos cálculos, apaixonado por matemática e ainda acompanha o seu movimento bancário. Ele desfruta de uma vida saudável em Bom Despacho, cercado por amigos e familiares. Com carinho, ele lembra das lutas e desafios que enfrentou junto com sua esposa e filhos ao longo dos anos e celebra o amor que compartilha com todos. Sua vida é uma história de sucesso, superação de dificuldades, amor e gratidão, e ele se considera um ser humano abençoado por tudo o que tem e pelas alegrias que a cidade e sua jornada lhe proporcionaram.
(Vander André Araújo é advogado, filósofo e escritor / Foto do alto: João do Couto e dona Zilda em 2014 / Fotos: Arquivo da família)
Que bela reportagem ! Um retrospecto de nossa história e de suas personagens atuantes! Éramos clientes tb do Sr
João que cativava a todos com a sua cortesia e amabilidade! O seu comércio era diferenciado ,além de estar sempre funcionando lá se encontrava de tudo,desde a carne até o anzol! Obs: eu era quase criança mas colaborava com as compras! Obrigada Sr.Joao pela amizade e carimho!