Dilermando: pequenas alegrias tornam a vida suportável
LÚCIO EMÍLIO – No início dos anos 2000, o escritor e bancário aposentado Dilermando Cardoso manteve, durante dois anos, uma coluna intitulada “Casos & Crônicas”, abordando em grande parte suas memórias em relação a lembranças, fatos, boatos e personagens da vida política bom-despachense no passado recente.
No início de 2023, Dilermando escreveu e publicou um romance regional sertanejo, o Sertão Meu: Gerais, inspirado no Engenho do Ribeiro. Para ele, segundo seu avô, o sertão começava em Dores, logo do outro lado do São Francisco, aqui era “gerais”. Dois dos capítulos podem ser lidos CLICANDO AQUI.
A edição foi restrita, mas Dilermando alegou que colocou alguns exemplares nas escolas e na biblioteca municipal. O ilustrador é o mesmo do livro do Vander André Araújo. São cinquenta personagens no livro (conforme Dilermando explicou em entrevista a Dênis da Central FM). O principal personagem é o coronel Firmino, que arbitrava tudo. Do lado feminino há uma menina suave, doce, Lena. O bandidão da história, Serafim, era um bate pau, trabalhava armado para os fazendeiros. Serafim era o matador.
Como a coluna fez sucesso, no ano de 2008 Dilermando reuniu as crônicas em um simpático livrinho de capa azul, “Crônica de Bom Despacho”, um volume com as melhores crônicas publicadas. Mamãe tem uma lembrança afetiva muito boa dessas crônicas, por isso comprei o livro para ela.
Mamãe tem uma lembrança bastante curiosa de uma crônica de Dilermando. Era a história de uma encenação de teatro escolar da paixão de Cristo onde, empolgado com o papel, o rapaz que fazia o soldado romano passou a bater com realismo o chicote nas costas do aluno que fazia Jesus Cristo. E lá pelas tantas, o aluno que interpretava o Cristo deixou a cruz no chão, passou a gritar palavrões e correu atrás do soldado para revidar as chicotadas que lhe ardiam no lombo!
Não encontrei, no entanto, tal crônica entre as publicadas. No entanto, há uma com uma temática semelhante, intitulada “Contrarregra”. Dilermando contou que ficou como contrarregra em uma peça encenada na escola. Dilermando passou, então, a exercitar dotes artísticos: competia a ele abrir cortinas, cuidar do som, luzes, cenários, bem como um par de roldanas. As roldanas faziam com que Cristo subisse aos céus no clímax, através de uma corda passada entre as pernas do Cristo-ator. Ele assim definiu a apoteótica cena final:
“Tudo transcorreu sob controle, até a cena final, quando a mais de dois metros suspenso no palco – em emocionada ascensão – o aluno Cristo perdeu o equilíbrio, ficando dependurado de cabeça para baixo. Seminu, ele gritava sacrilegamente:
– Pelo amor de Deus, alguém bambeia a corda, porque tá enforcando meu pinto!
O desastre poderia ter sido contornado, em parte, fechando a cortina da boca do palco; mas caprichosamente, também ela emperrou… enquanto a seleta e religiosa plateia, composta inclusive por freiras e noviças atônitas, não sabia se vaiava ou se aplaudia. Foi aquele Auto da Paixão, Morte e, infelizmente, Ressurreição de Cristo, meu primeiro e último trabalho em teatro, para felicidade geral dos atores e atrizes”.
Como se vê, ele supera o caso que ficou na imaginação de minha mãe. Vale a pena, então, conferir o novo livro de Dilermando, para que ele nos divirta com mais casos como este!
(Portal iBOM / Lúcio Emílio Júnior é filósofo, professor e escritor / Foto: Arquivo).