Minha história de amor e aventura

ROBERTA GONTIJO TEIXEIRA – Engraçado usar páginas de um jornal pra falar sobre amor ou relacionamento. Tornar pública uma coisa tão subjetiva e pessoal. Alexandre Magalhães, meu namorado paulista, também colunista deste jornal, já fez isso muitas vezes por aqui. Narrou meus furtos aos pés de goiaba, as histórias com os carrapatos, as peripécias fugindo das vacas, as emoções do reinado e, assim, as pessoas que o leem seguiram, de uma certa forma, acompanhando nossa história.

Nunca me senti confortável para fazer o mesmo. Não sei porque. Talvez porque ele já faz o suficiente, talvez por uma questão de privacidade ou mesmo por ele abordar todos os tópicos, sem deixar sobrar para mim.

As pessoas me param muito na rua, conhecidas e desconhecidas, para falar sobre esse assunto. Muitos até me chamam de “Namorada Bom-despachense”. Perguntam, também, em diversas ocasiões porque o Alexandre? Porque um namorado que mora tão longe e que tem uma cultura diferente? Porque não algo mais fácil, alguém daqui, com menos diferenças? Então, por mais que eu não sinta necessidade de analisar questões do meu relacionamento, elas me são apresentadas pelas pessoas e é inevitável não internalizar as perguntas.

Depois de 6 anos e, como bem disse o Alexandre, duzentas colunas dele para o Jornal de Negócios, resolvi formular uma resposta às muitas perguntas que me são feitas e torná-la pública.

Estou prestes a fazer 50 anos. Tive um casamento muito especial que durou 10 anos e foi interrompido pelo acidente de trânsito que vitimou o Leo. Eu e Alexandre nos conhecemos sete anos depois, em Abrolhos, na Bahia. Nós dois tínhamos ido levar as filhas para ver as baleias que estão aos montes por lá, geralmente de agosto a outubro. Ele chegando do passeio e eu prestes a embarcar na aventura. Nos encontramos no restaurante, cada um com a filha a tiracolo. Jantamos na mesma mesa de um bar naquele dia e esse foi o início de uma relação entre nós quatro, eu, ele e nossas filhas, que já dura seis anos.

Alexandre muitas vezes é incompreendido. Sério, nada de elogios, língua afiada e dono de um conhecimento geral invejável. Bemmmm paulista. Tipicamente, paulista. É meio enquadrado para os padrões bom-despachenses, entretanto, transita em qualquer universo e lugar, sejam eles simples, confusos, sofisticados, rurais, urbanos, simplórios ou intelectuais. Já leu meio mundo de livros e ama, como eu, a música popular brasileira, tendo severas restrições ao sertanejo universitário. É louco por um cinema, um teatro, um papo interessante, uma viagem. Adora tomar um bom vinho, comer bem, ir a restaurantes muito caros e sofisticados, ou me acompanhar naqueles botecos copo sujo, que ninguém dá nada por eles e que fazem a gente imensamente feliz.

Vidro de pimenta

Como eu, adora andar a pé. Às vezes, nove horas da noite, combinamos assim: vamos comer algo? Vamos! Pode ser a pé? Claro! E vamos caminhando e conversando. Chegando no lugar, tomamos uma cerveja gelada, pedimos um vidro de pimenta – porque tudo que ele come, até o pão de queijo que asso para o café da tarde, é regado a muita pimenta. Comemos um pão de alho, porque quase sempre é o que nos sobra do cardápio, por Alexandre ser vegetariano. Eu, às vezes, desisto de acompanhá-lo e encaro logo uma pratada de tropeiro, com bastante torresmo, que amo… e então voltamos, por ruas quase sempre desertas, conversando, observando detalhes e às vezes, brigando.

A quantidade de cerveja e a hora de ir embora do bar é sempre um problema. Eu, já no terceiro copo estou satisfeita, quero fazer outro programa, pôr as pernas pra cima, ir descansar. Ele ainda precisa de mais uma dúzia deles para se sentir satisfeito e, quando acaba a rodada e me distraio, ele combina com o dono do bar, nas minhas costas, a saideira. Fabinho é o mestre de servir saideira sem minha autorização.

Atrás de vaga-lumes

No fundo do meu bairro tem um lote vago. Um pasto, na verdade, que, em alguns períodos do ano, vive lotado de vaga-lumes. Descobri isso certa vez e, desde então, nós dois, quando dá certa hora da noite e não temos o que fazer, vamos até lá na espera de vê-los. Quando eles não estão por lá, abrimos um vinho, apagamos as luzes e ficamos no meu terreiro deitados, por horas, conversando e olhando pro céu, divagando, filosofando e às vezes, brigando. A gente briga bastante. Temos um bocado de divergências. Culturais, pessoais, espirituais e linguísticas.

Em alguns períodos cismo com a bicicleta, ponho o transbike no carro e faço ele levantar comigo as 5h00 da manhã no domingo, o que ele detesta, porque adora dormir até tarde, e saímos pelos povoados, roças e estradas do entorno. Procurando rios, bichos e nos aventurando.

Em outras ocasiões quero ir mais longe e pegamos o carro, eu amo dirigir e ele odeia, e andamos por quilômetros para passar o dia em um lugar diferente. Ele diz: mineiro é muito engraçado, roda léguas como se fosse ali, bem pertinho. Reclama, mas está sempre ali, topando minhas propostas e me fazendo companhia.

Correria em São Paulo

Quando ele está com o tempo mais apertado, vou para São Paulo. No começo sofria. Não sou nada urbana e São Paulo tem disparidades e dificuldades que me machucam a alma e me fazem sentir cansada. Lá, em algumas oportunidades em que estive, fez um frio de doer a alma. O número de pessoas/famílias em situação de rua é incontável. As desigualdades saltam na nossa cara e tudo é muito longe, impessoal e cheio. Em uma oportunidade, fiquei trabalhando por lá algumas semanas, dentro do Tribunal. Pegar o metrô, diariamente, e me deparar com aquela cidade gigante e intensa foi uma escola. E tudo isso rodeado pelos melhores restaurantes que já conheci e milhares de opções de cultura, lazer e música que é uma das coisas que mais amo. Ainda prefiro mil vezes a vida por aqui, mais calma, mais calorosa, mais aconchegante e em contato com a natureza.

Nas poucas vezes em que saímos do Brasil, Alexandre sempre me salvou com a língua, fosse com papos num inglês fluído ou num espanhol empolgado. Experimento muitas cores, sabores, lugares e pessoas quando estamos juntos e acho que também ofereço isso a ele.

Amor pela natureza.

Temos um conceito de mundo, de ser humano e de valores éticos bem parecidos. Temos um amor pelos bichos e pela natureza em comum e nos deslumbramos e até choramos ao ver algum bicho raro cruzar nosso caminho. Assim foi, por exemplo, no dia que, indo para a roça da Bela, topamos com um tamanduá bandeira.

Temos uma ausência de vaidade que a maioria dos seres hoje acha indispensável. Não nos produzimos, não nos maquiamos, não compramos roupas caras, joias, presentes luxuosos. Queremos nosso dinheiro em boa comida, viagens, educação das nossas filhas e bons shows. Comungamos de um pavor pelo tratamento desigual em decorrência de questões sociais e raciais e gostamos de, às vezes, ficar só.
Dividimos igualmente nossas contas, sem um explorar o outro. Nos falamos diariamente. E, às vezes, como todos, ou quase todos, brigamos.

Gosto do que vivenciamos juntos aqui, gosto do que dividimos em São Paulo, gosto do que descobrimos quando estamos viajando e aprendi a gostar do tempo que temos separados, cada um na sua cidade para viver a sua individualidade.

Tão diferente e tão parecido

Não sei onde esta história nos levará, até quando durará. Sei que é prazeroso e com todas as divergências, divertido ter um companheiro tão parecido comigo e, ao mesmo tempo, tão diferente de mim. Então, acho que é por isso que escolho manter um namorado paulista. Ainda que meio insegura com a distância, ainda que meio ciumenta com a vida que levamos quando estamos distantes. Fato é que estamos velhos e acho que não há nada mais caro nessa idade do que um misto de companheirismo, amor, sossego, aventura e novidades e sinto que é exatamente isso que oferecemos um ao outro.

Admiro o modo que ele vive, do sotaque que tem ao falar, das escolhas pessoais que ele faz. Amo o ser que ele é e acho, sinceramente, que a vida não poderia ter me presenteado com escolha melhor para dividir a estrada.
(Portal iBOM / Roberta Gontijo Teixeira é bacharel em Direito, ambientalista e servidora pública federal / Fotos de arquivo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *