Denise Coimbra abre Sarau Literário na Cruz do Monte

 

Evento inaugurou saraus que vão acontecer no Memorial Nossa Senhora do Bom Despacho

VANDER ANDRÉ – Em 6 de setembro, o Memorial N. Sra. do Bom Despacho, localizado na Cruz do Monte, abriu as suas portas para receber convidados. Na ocasião, os presentes puderam visitar a exposição temporária com parte do seu acervo de arte sacra e material religioso católico, além de prestigiar o primeiro Sarau. O evento literário ocorreu no 2º andar do edifício, no Espaço Romeu Lopes Cançado, nome dado em homenagem ao grande benfeitor da Igreja, irmão do também falecido Padre Jayme. 

Ao receber os convidados, a voluntária Gísila Couto falou sobre a história da construção do Memorial e a necessidade de conquistar mais voluntários para a sua manutenção. Ela também destacou a utilidade do espaço para troca de ideias, reencontros com amigos, exposições, consultas à biblioteca, realização de mostras, apresentações musicais, esquetes teatrais, rodas de conversas e, claro, o projeto Sarau Literário no Memorial. 

Para inaugurar a série de eventos literários que acontecerão com escritores bom-despachenses, foi convidada a presidente da Academia Bom-Despachense de Letras, a psicanalista Denise Coimbra, autora do livro de contos 54, Rua da Alfândega. A escritora, contista e poetisa, por muitos anos foi colunista do Jornal de Negócios, escrevendo crônicas sobre o cotidiano da cidade e suas praças. 

Paixão pelos livros

A mediadora do evento, Gísila, questionou Denise sobre a inspiração para escrever o seu primeiro e até então único livro editado. Denise prontamente mencionou a grande influência da sua mãe em seu amor pela literatura. Sua mãe trabalhava na casa de um promotor e, ao limpar as estantes de livros, costumava pegar um livro e sentava para ler, compartilhando as histórias com os filhos quando voltava para casa. Enquanto isso, seu pai, um militar em busca de promoção na carreira, sempre trazia livros como presentes quando viajava ao Rio de Janeiro, deixando-os à disposição dos filhos, ao lado de suas camas. 

Denise também compartilhou uma história em que o seu irmão, o também escritor Alberto Coimbra, certa vez pediu ao pai que comprasse livros para eles em uma livraria perto da Praça da Matriz. No entanto, seu pai sabiamente o levou até a Biblioteca Pública, localizada, à época, na esquina da Praça da Matriz com Rua Alferes Tavares, ensinando aos filhos o valor de recorrer à Biblioteca sempre que desejassem um novo livro de “presente”. 

Sobre 54, Rua da Alfândega, Denise confessou que o livro foi escrito há muitos anos e ficou guardado em uma gaveta. Em 2014, quando morava em Belo Horizonte, entregou o material para sua professora de Português e Literatura, que lhe disse que o livro estava pronto para ser publicado, cabendo à Denise fazer uma seleção dos contos que comporiam a coletânea. Além disso, a autora contou com a opinião do também colunista deste jornal, o professor Tadeu Teixeira, que, além de elogiar o trabalho, escreveu o prefácio para a obra. 

O livro contém textos concisos, que dialogam com os leitores, explorando pequenas histórias e presta homenagem ao trabalho das pessoas invisíveis que cruzaram o caminho de Denise, ao longo da sua vida, demonstrando seu respeito por cada atividade executada por elas, como lavadeira, faxineira, passadeira, mecânico dentre tantos outros. Denise reflete sobre os trabalhos que ela própria também desempenhou na sua vida, inclusive como psicóloga do trabalho. Durante o Sarau, ela leu para os convidados a crônica da passadeira Zenaide, que há 25 anos passou milhares de peças de roupa, engomou, guardou, num trabalho repetitivo, árduo e quente. O texto emocionou a todos pela sua sensibilidade ao retratar a vida de uma profissional que ainda hoje realiza funções em algumas casas. 

Compartilhar emoções

Como membro e presidente da Academia Bom-despachense de Letras, Denise enfatizou sua crença no poder do coletivo, pois “juntos somos mais fortes”. Ela reconheceu que a entrada na Academia contribuiu para agregar e propor novas experiências para a comunidade. Desde que o professor Ronan Tales a convidou para participar da Academia, ela percebeu que escrever, geralmente uma atividade solitária e dolorosa, poderia ser compartilhada com outros escritores, e ninguém melhor do que os demais escritores da nossa cidade. 

Quando questionada sobre seu público-alvo, sujeito principal da leitura dos seus textos, Denise afirmou que não tem um público específico em mente, pois escreve tentando dialogar com todos. No entanto, ela mencionou um leitor que a abordou certa ocasião, dizendo: “essa história da personagem Margarida você escreveu para mim! Tem tudo a ver com a minha história de vida!” Isso a levou a entender que seu livro seguiu pelo mundo, está por aí, tocando a vida de muitas pessoas. 

Abrindo mais uma janela, Denise confessou que tem o apelido carinhoso de “Windows”, por estar sempre abrindo janelas nas suas conversações com amigos, alternando assuntos com facilidade. Falou também sobre a sua experiência de custear a edição do livro, que contou com a ajuda de amigos, por meio de uma “vaquinha”. Para a segunda edição, ela expressou a possibilidade de usar esse método novamente, e antecipou o interesse, que será muito bem-vindo, daqueles que desejarem lhe apoiar. 

Projetos futuros

Na sua conclusão, Denise falou sobre seus projetos futuros. Ela acha pouco provável voltar, por ora, para a difícil arte de escrever poesias. Inspirada pelo trabalho da escritora e jornalista bielorussa Svetlana Alexievitch, Denise sonha em fazer algo diferente. Assim como a bielorussa no seu livro O fim do homem soviético conversou com pessoas, examinou as vidas das que foram afetadas por transformações e gravou as suas histórias, inclusive com os sobreviventes da guerra, Denise pretende escrever também sobre os seus personagens, muitas das vezes, criados a partir das histórias das pessoas que passaram por sua vida, transformando as suas experiências em livros, ou em fascículos a serem compartilhados nas suas redes sociais. 

Além desse trabalho, ela mencionou que tem várias páginas de um romance que infelizmente “não sai de jeito nenhum”, textos que entrelaçam as histórias de diversas mulheres. Ela reconhece a dificuldade de escrever sobre esse tema, algo que seu irmão Alberto, aproveitando a janela aberta, concluiu, com maestria, ao afirmar que: “as mulheres foram os últimos escravos a serem libertos”. 

(Vander André Araújo é advogado, filósofo e escritor)

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