Ninho das galinhas no carro do meu pai

ROBERTA GONTIJO TEIXEIRA – Outra história envolvendo meu pai, que adoro, é a das galinhas. Meu pai comprou alguns pintinhos para meus sobrinhos que vinham da Bahia passar o Natal. Claro, eles curtiram os bichinhos enquanto estavam aqui e voltaram para casa sem eles. 

Meu pai, então, adotou a turma dos quatro filhotinhos de galinha que havia comprado. Os pegava no colo e dizia: – Olha, eles se aninham em mim, me confundem com a mãe. 

Foram crescendo a pão de ló. Muito bem alimentados. Até que um dia precisamos todos viajar. Era necessário alguém para assumir a responsabilidade por eles. O Ricardo, vizinho da chácara ao lado, sempre muito solícito com meus pais, reservou um espaço para guardar e cuidar dos bichinhos na chácara dele. Meu pai, quando viu o espaço reservado, protestou: – Acho que não vai dar certo. Esse espaço é muito pequeno para eles. Eles vão se sentir presos. Estão acostumados com a liberdade.

Pena não ter aquela carinha que a gente manda nas figurinhas de whatsapp por aqui, para eu demonstrar o meu constrangimento. 

Ricardo, claro, com toda gentileza, providenciou um espaço maior para hospedar os pintinhos dele. 

Galinha na janela

O tempo passou e hoje temos três galinhas, bem cuidadas e muito gordas, já que o galo, aproveitando o portão do sítio aberto, acabou fugindo. Matá-las, só por cima do cadáver do meu pai. Elas são bichos de estimação.

As histórias com essas galinhas dariam narrativas gigantescas. Vou tentar me limitar a algumas.

Minha mãe, extremamente organizada, delimita lugar de bicho, de gente, de plantas. Cuida de tudo com esmero e muita organização. O jardim, então, é a menina dos olhos dela. 

As galinhas do meu pai, claro, vivem causando conflitos familiares. Além de adorarem o jardim da minha mãe – pois, como ele defende, vivem livres e soltas em todo o espaço do sítio e não enjauladas num galinheiro, – também tentam invadir a casa. Segundo meu pai, elas só desejam um lugar confortável para botar. Não serve qualquer ninhozinho não. Sabem o que ele passou a fazer? Queria outra carinha de whatsapp. Passou a deixar a porta do carro dele aberta para que elas, particularmente uma que é a favorita dele, pudessem botar em ninho adequado. 

Até ai, meio estranho, mas tudo certo. Carro dele. Galinha também. Ninguém pode opinar. 

Fato é que meu pai não é exatamente observador para algumas coisas da vida e, por vezes, quando entra no carro, esquece de conferir se a galinha poedeira está lá. Outro dia, foi para o Ipê, fez uma pequena parada na padaria e, como sempre, deixou o carro aberto. Quando voltou, lá estava a galinha empoleirada na janela aberta do carro. Segundo ele, olhando o movimento. 

Quando foi me contar a história disse: – Você não imagina o quanto ela gosta de ver o movimento da cidade. Estava, quietinha na janela, apreciando tudo. 

Tempo da delicadeza

Bom, estamos vivendo de uma forma tão às avessas de tudo. Morrendo de trabalhar, correndo pra lá e pra cá, presos no trânsitos e atolados em valores de duvidosa preciosidade. Talvez a visão de mundo do meio pai seja um pouco esdruxula, mas ninguém há de negar que é por demais delicada. 

Como bem diz o Chico, já plagiando Guimarães Rosa: precisamos instaurar o “tempo da delicadeza” com as plantas, com os bichos, com a cidade e, principalmente, uns com os outros. 

(Portal iBOM / Roberta Gontijo Teixeira é bacharel em Direito, ambientalista e servidora pública federal / Foto ilustrativa)

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