O Aleph é em Bom Despacho

ALEXANDRE MAGALHÃES – Há alguns anos li o conto “O Aleph”, de Jorge Luiz Borges, escritor argentino dos mais interessantes. No conto há um buraco minúsculo sob uma escada, através do qual se pode ver tudo, todo o universo, passado e futuro.

Já comentei várias vezes com meus amigos bom-despachenses que considero Bom Despacho uma espécie de Aleph, onde o passado, o presente e o futuro vivem juntos. Tudo ao mesmo tempo, agora.

Uruguai sem água

Nosso vizinho, que já foi parte do Brasil Império, o Uruguai, está com 0% de água. Situação muito similar à qual vivenciei em São Paulo há mais ou menos uma década, quando acabou a água potável e foi proibido lavar carros, passeios ou calçadas. Quase foi proibido dar água aos animais domésticos e as casas, como a de minha mãe, só recebiam água da Sabesp, empresa estatal que fornece o líquido precioso, duas ou três vezes por semana. Havia até um plano para evacuar a cidade, caso os últimos 2% de água secassem na Represa de Guarapiranga. Foi por pouco.

Por que o Uruguai está nesta situação? Porque estamos destruindo a natureza, mudamos o clima. Os eventos climáticos, como as chuvas, mudam, entre muitas outras variações que causamos. 

No caso do Uruguai, uma das respostas mais objetivas é a mudança dos cursos dos rios. Para regar as plantações e/ou alimentar a criação de animais de corte, muitos fazendeiros mudaram o curso dos rios, fazendo-os passar por suas propriedades, represando parte das águas em seus domínios. Enquanto isso não prejudicou (sempre prejudica, claro) a população em geral, todos fizeram olhos grossos e não denunciaram, não reclamaram, não se manifestaram. Alguma semelhança com Bom Despacho? 

Ouço mil histórias de famílias bom-despachenses que ajudaram e ajudam a matar o Rio Picão, que desviam águas desse ou daquele rio. Ninguém reclama, ninguém se manifesta, o poder público finge que não sabe do problema. Quando faltar água, como aconteceu em São Paulo há uma década ou no Uruguai agora, será tarde para reverter a situação.

Altas temperaturas

Os continentes do hemisfério norte, ou pelo menos do que se convencionou chamar de norte, já que o planeta é uma bola solta do universo, sem sul, sem norte, estão com as mais altas temperaturas da história. Centenas de pessoas morrem todos os dias por causa do calor. Não só os humanos, mas os animais também não resistem. Li hoje que produtores de mel estão tentando salvar as abelhas enviando as colmeias para outros países. 

Por que isso está acontecendo? Porque estamos destruindo a natureza, mudamos o clima. Os eventos climáticos, como o calor, mudam, entre muitas outras variações que causamos. 

Novamente, Bom Despacho vê no presente o que muitos lugares fizeram no passado… e estão pagando caro agora. Quando corro pelas estradas de terra da cidade, é visível a substituição de mata nativa por eucalipto. A destruição da natureza mexerá com tudo e com todos. O eucalipto consome muita água e, claro, logo a água será pouca para sustentar a população. Com os desvios dos rios, lugares que tinham água antes, não a terão mais… e só perceberemos isso quando Bom Despacho estiver como São Paulo há dez anos ou como o Uruguai agora: seco, sem água para sua população.

Cerrado 

Outro dia, ouvi de uma pessoa na qual confio muito, que um dos mais importantes políticos da cidade disse algo como “o Cerrado não vale nada. Se o substituirmos por soja, a terra gerará riqueza para Bom Despacho”. Esta triste frase, dita por alguém que não consegue entender como as mudanças climáticas acontecem, farão de Bom Despacho uma nova São Paulo, uma nova Uruguai.

Manter as matas vivas

Um dos lugares onde mais gosto de correr é a Matinha, que nem sei se o nome oficial é esse mesmo. Árvores nativas, animais silvestres, temperatura sempre mais baixa que no restante da cidade.

Uns amigos bom-despachenses disseram-me que a dona do local faleceu e que agora a matinha está à venda. Meus amigos acham que quem comprar vai destruir a mata e plantar eucalipto ou soja.

Discutiam comprar a matinha para deixá-la intocada e à disposição da população. Disse a eles que a melhor solução seria tornar esse pequeno santuário em um parque público. Ter um dono é uma solução temporária, que pode durar até a pessoa precisar de dinheiro e aceitar os eucaliptos ou a soja. Um parque é uma solução para sempre. 

O Aleph é em Bom Despacho

Eu olho Bom Despacho e a vejo como São Paulo, que há cento e vinte três anos, em 1900, tinha 100 mil habitantes, o dobro de Bom Despacho neste momento. São Paulo tinha rios limpos (meu pai nadou no Rio Tietê e o ex-presidente da FIFA, João Havelange, era campeão de natação competindo nele), tinha matas, tinha vida silvestre. 

Quando morei em Londres, nos idos de 1991, tinham acabado de limpar o Rio Tâmisa, que era como o Rio Tietê, ou seja, puro esgoto, e ficou limpo.

Cada povo escolhe o que fazer com sua natureza, com suas águas e rios, com suas matas, com sua vida silvestre.

O agora é sempre inimigo do futuro. Ter prazer ou renda imediato, plantando soja e eucalipto sobre as matas, é priorizar o agora e matar o futuro.

Olhando pelo buraco sob a escada, vejo que Bom Despacho é hoje tudo que São Paulo, o Uruguai, os Estados Unidos, a Europa e a Ásia já foram e não são mais. E estão pagando caro por isso. Se olharmos para o futuro agora, é possível evitar os desastres ambientas nos quais Bom Despacho está se metendo. Manter os rios em seus cursos naturais, manter as matas, regulamentar as plantações destruidoras de eucalipto e soja é olhar o futuro, sofrendo um pouco agora. Mas, tendo um futuro…    (Portal iBOM / Alexandre Sanches Magalhães é empresário, consultor e professor de marketing, mestre e doutor pela USP e apaixonado por BD e SP / Imagem ilustrativa)

Alexandre Magalhães

Alexandre Sanches Magalhães é empresário, consultor e professor de marketing, mestre e doutor pela USP e apaixonado por SP e BD

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