“Existe um grande clube na cidade” (ainda)

VANDER ANDRÉ – Antes que me prejulguem por ser cruzeirense e intitular o texto com a famosa composição do maestro mineiro de Vespasiano, Jadir Ambrósio, confesso que sou fã de “carteirinha” do Clube Bom Despacho, localizado em frente ao Fórum e ao “castelinho” lusitano da Cemig. 

Quando o Carlos André Bernardes era o seu Diretor Social, lá pelo começo da década de noventa, consegui me associar e passei a frequentar as atividades sociais daquele espaço tão nobre da cidade. Mensalidades em dia, verificadas criteriosamente pelos inesquecíveis Dona Roxa e o Becão, adentrava, com orgulho e “beca”, naquele salão, todo em taco de madeira, decoração modernista e coração elitista, com suas mesas numeradas e hierarquizadas. 

Eram noites glamorosas, que contavam com o preparo impecável do Oldack e companhia, nos bailes de sábado de Aleluia (que inclusive é cenário na ficção do meu livro “Pode durar o tempo de uma música”), Réveillon, ou nas alegres e festivas noites carnavalescas, além dos tradicionais bailes de debutantes, o momento mais importante em que os pais (e mães, e tias, e tios etc) apresentavam as belas moças, no esplendor dos seus quinze anos, e nos estilos de roupas, cabelos e maquiagens que marcaram época, à sociedade bom-despachense. 

Um bom tempo depois, em 2011, já ciente da sua desativação da função original, e por uma nostalgia das festas de casamento, aniversários e uma necessidade de encontrar um espaço na cidade que representasse a minha trajetória pessoal, escolhi o Clube para ser o local da comemoração das minhas quatro décadas de vida. 

Lá estavam presentes familiares, amigos, gente vinda de longe, em um baile de máscaras, numa chuvosa e divertida sexta-feira de carnaval, embalada pelas marchinhas que marcaram época, tocadas e cantadas pelo talentoso Boleka. Foi uma noite memorável, que alguns dos que estavam presentes podem confirmar, assim espero, até mesmo porque, alcoolizado de tanta felicidade, muita coisa eu já não mais me lembro. Sei que fui socorrido, com uma dose de glicose, pelo saudoso e querido Doutor Marco Túlio Quirino, que também lá estava presente. 

E por falar em saúde, soube que o local, municipalizado, isso mesmo, ele portanto é “nosso” atualmente, um espaço público de toda a comunidade bom-despachense, serviu como Secretaria Municipal de Saúde, espaço de bazar e que hoje está sob gestão da Secretaria Municipal da Educação. 

Esse fato me chamou a atenção e pesquisei o histórico sobre sua destinação, encontrando textos como o do Professor Tadeu Araújo, em 22.07.20, aqui mesmo no Jornal de Negócios, em que ele informava que o prefeito “provavelmente buscou em sua ascendência a inspiração que o levou à auspiciosa decisão que acaba de tomar: transformar a antiga sede do Clube Bom Despacho, que foi o palácio das mais elevadas manifestações de nossa sociedade, hoje ocupada pela Secretaria Municipal de Saúde, em um Centro Cultural”. 

Esse sim seria um grande sonho que muito me honraria ver realizado na nossa cidade: a restauração do que hoje encontra-se bastante danificado e a transformação do Clube num Centro Cultural, abarcando todas as manifestações artísticas da nossa comunidade. E o que poderá ser ainda mais interessante, comemoração da grande efeméride: o local completará, em 2027, cem anos, isso mesmo, um século da sua inauguração e bênção solene do Padre Augusto e do baile em 14.08.1927, que foi embalado pela banda de jazz do Batalhão da Força Pública de Minas Gerais. 

Insisto e convido a todos para que possamos repensar os projetos para o espaço do Clube, neste centenário que se aproxima e que consigamos preservar a memória da nossa cultura, da nossa história, costumes e valores do povo de Bom Despacho. Não podemos nos deixar levar pelo imediatismo, pelas necessidades imperiosas de outras áreas, mas que tenhamos consciência do nosso papel influenciador dos destinos das futuras gerações e tomemos atitudes de preservação. Salvaguardemos os interesses dessa geração de cidadãos que, infelizmente, não mais terá o privilégio do uso de espaços na cidade como os tradicionais Hospital Dr. Miguel, Cine Regina e tantos outros que, relembrando o poeta mineiro Drummond, “é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói”. 

Vander André Araújo é advogado, filósofo e escritor

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