Berinjela: vivendo a vida de palhaça

 

ROBERTA GONTIJO TEIXEIRA – O circo é um lugar mágico. Nos possibilita sensações incríveis e nos permite viajar no encanto da vida. É uma cultura milenar que leva alegria e aprendizado a alguns lugares onde o acesso é restrito. É essencial usarmos a cultura e a arte como instrumentos de inclusão e desenvolvimento. É primordial levarmos a arte a sério. Afinal, viver dela não é uma tarefa fácil, particularmente no Brasil, onde há tanto preconceito quanto a determinadas profissões. Tratamos as pessoas e algumas profissões como inferiores e seguimos, vida afora, achando que é assim que deve ser, que é normal e que não podemos fazer nada a respeito. Claro que podemos e devemos repensar, reformular, aprender e mudar. 

Durante a pandemia, não só a circense, mas muitas formas de arte e manifestação cultural afloraram mundo afora e chegaram até nós, pela internet, nos salvando de muitas formas, trazendo um pouco de alento, esperança e alegria, em momentos tão sombrios. 

Falamos tanto em empatia hoje em dia, mas temos muita dificuldade em ser, de fato, empáticos. Queremos nos divertir, ter acesso a um bom show, dar boas risadas … E do outro lado? Como vivem as pessoas que nos proporcionam esses momentos? Não é fácil ser artista. Não é fácil não ter uma renda fixa e exercer um trabalho onde as pessoas nos olham como se não tivéssemos uma profissão “séria”.

Paixão pela arte

Por isso, para homenagear os tantos e tão talentosos amigos artistas que tenho, desejando esparramar a alma do circo e da arte, pretendendo dizer o quão sério é trabalhar como artista, quis hoje tirar meu meu chapéu e agradecer a quem vive e espalha a arte neste País e neste mundo, às vezes tão áspero. Decidi contar um pouco da história de Liliana Alzira Cunha (Lili), filha de Madalena Cunha e neta de Mozart Cunha que, destacando-se em toda a família, sempre teve para ela um olhar paterno, atento e gentil, valorizando seus desenhos, sua arte e sua forma de expressar. Pena não ter ele vivido para conhecer a Berinjela, que é hoje quem se tornou a Lili, nossa artista circense bom-despachense.

Formada em Teatro e Psicologia, mãe da Maria Cândida – hoje estudante de Medicina pela UFMG – e da Ana Laura – estudante de teatro e ainda em dúvida sobre qual faculdade cursar -, Lili sempre foi apaixonada pela arte. Nunca se encaixou e sempre teve dificuldade com as regras e formas muito convencionais de comportamento. Sofreu muito por ter que se adaptar a uma rotina e a escolhas de mundo que não eram as suas. 

Arte na veia

Mas, como tudo que é preso um dia se liberta por uma válvula de escape, a palhaçaria a chamou, como me disse ela: “a gente não escolhe ser palhaça, a gente é chamado a ser”. Após o término de seu casamento e, ainda estudando Psicologia, foi convidada por Júnior de Souza a viver o papel de uma cigana na peça “A Fantástica Saga de Tonho Estrela e sua amada Lívia Luanda”. A peça foi apresentada dentro de um circo, montado no Campo da Associação, ao lado do Colégio Miguel Gontijo. 

Foi a gota d’água para reascender a arte em sua veia. A partir daí ela entrou para o grupo Fama Produções Artísticas e, através do grupo, passou a participar de peças teatrais, tanto em Bom Despacho, como nas cidades vizinhas. A psicologia passou a ter um papel secundário, como um pano de fundo para ela compreender o mundo, os seres e quem realmente era.

Todos os seus focos e olhares estavam voltados para a vida artística, ainda que não fosse possível, ao menos ainda, se dar ao luxo de viver dela. As filhas exigiam cuidado. Ela seguiu vivendo suas responsabilidades e conciliando com a trajetória do grupo.

Berinjela entra em cena

A Berinjela só veio um tempo depois, no primeiro mandato do então prefeito Fernando Cabral, que encomendou ao grupo uma peça sobre a dengue, que estava atingindo níveis caóticos em Bom Despacho naquele ano.

A peça contava, além do mosquito da dengue, com outros personagens e algumas palhaças, dentre elas, a Berinjela, a quem Lili deu vida e da qual nunca mais se desincorporou. Foi amor à primeira apresentação.

Após a peça, foi para um encontro de palhaços em Mariana, trouxe alguns para Bom Despacho oferecendo e praticando oficinas de palhaçaria e passou a encarar a profissão de ser palhaça como algo muito sério e importante. Quando lhe perguntam: o que você faz? Ela orgulhosamente responde: sou palhaça.

Profissão palhaça

Como precisava ajudar na formação das filhas, mudou-se com elas para o edifício Maleta, em BH, passou a ser revendedora da Mary Kay e a ganhar dinheiro, chegando a diretora da marca. O trabalho não combinava com ela e, nos momentos de folga, era Berinjela quem a salvava. Continuou atuando e conheceu um grupo de mulheres chamado Calcinha de Palhaça, que se reunia para conversar, se ajudar e, também, para desenvolver o ofício da palhaçaria feminina. Aprendeu muito com elas. 

Com as filhas já encaminhadas, voltou para Bom Despacho e foi dar vida à Berinjela. Faz espetáculos, eventos, cria calendários anuais com as histórias de Bom Despacho, contando ora sobre profissões, pontos turísticos e o último narrando os pratos e os cozinheiros bom-despachenses. 

Ela não pára. Luta, sonha, constrói e busca viver da profissão que escolheu, que considera séria, linda e merece ser vivida em sua intensidade. Respondeu ao chamado e quer viver da arte de ser palhaça, no caso dela, especificamente de ser Berinjela. 

Rodar o Brasil

No último ano, Lili e o companheiro Eloy d’ Paula, um músico, decidiram abandonar os trabalhos convencionais e por o pé na estrada com o espetáculo “Circo de Dois”. Estão, inclusive, fazendo algumas apresentações em Bom Despacho. 

O tema do espetáculo é o meio ambiente, porque a ideia não é apenas a arte pela arte. A ideia é unir arte, aprendizado, conscientização, cultura e espalhar alegria por aí. Adaptaram um carro para ser a moradia e a intenção é colocar a “mochila” nas costas, rodar o Brasil, quiçá o mundo espalhando a linda e milenar arte circense.

Precisamos repensar a valorização da arte em cada uma de suas expressões. Minha gratidão aos meus amigos artistas, palhaços, músicos, pintores, escultores. Que saibamos assisti los, compreendê-los, levá-los a sério e remunerá-los melhor. 

Salve a arte que nos salva, nos liberta e nos tira da mediocridade. Palmas a todos os artistas a quem saúdo através da Lili.   (Portal iBOM / Roberta Gontijo Teixeira é bacharel em Direito, ambientalista e servidora pública federal / Fotos: Arquivo Lili Cunha)

 

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