Cheiros, pessoas, lugares, comidas e bons momentos

 

Ao celebrar os 111 anos de Bom Despacho eu poderia aproveitar para narrar fatos sobre nossas origens e história, mas preferi ater-me a trivialidades e dizer o que me faz amar tanto esse lugar e me sentir tão bom-despachense. 

Amo viajar, mas adoro chegar no alto da BR-262, perto da Copasa, onde já dá para avistar a cidade e pensar … estou em casa. 

Adoro viver aqui. Acordar de manhã, ir na padaria Tia Helaine aqui do bairro Esplanada, onde moro, ou na padaria São Vicente, pertinho do Miguel Gontijo, e ser gentilmente atendida pelas meninas que sempre perguntam como estou, porque sumi e o que vou querer para o dia. Como não ficar grata ao sair da padaria e deparar com a Raquel ou seu irmão, com aqueles legumes e verduras frescos, baratos, deliciosos e sem agrotóxico para preparar a refeição do dia? 

Amo também caminhar pelas ruas e pensar que se eu cair, furar o pneu do carro ou tiver algum tipo de contratempo, diferente de quando estou em São Paulo ou Belo Horizonte, vai sempre ter alguém para segurar o meu braço, como muitas vezes já aconteceu e perguntar: Roberta, você precisa de ajuda? Está tudo bem? 

Aqui a vida funciona como a de uma grande família, com todos os prós e contras que uma grande família tem. Acredito que é o preço da intimidade. E mesmo que às vezes seja caro, ser íntimo é um presente raro, que pode até nos fazer sentir expostos, mas quase sempre nos faz acolhidos.

Há 22 anos vivo no bairro Esplanada. Logo que me mudei, tinha uma senhorinha, minha vizinha de frente, que quando eu punha o pé na porta perguntava: onde você vai? Vai na sua mãe? Vai demorar? … Quando eu voltava, ela sabia quem tinha estado à minha procura e guardava todos os recados e encomendas que por ali passavam na minha ausência. No começo, achei aquilo absurdo e me senti incrivelmente invadida. Com o passar dos anos fui aprendendo a lê-la, a entender seus motivos e a receber aquilo como um cuidado. A outra, Dona Maria, que vivia na casa ao lado, fazia comidas e quitandas deliciosas e sempre levava uma amostra para eu experimentar. 

Por mais que hoje em dia eu, por falta de demanda, não compre mais o leite que o Tõe entrega, acho o máximo vê-lo transitar de charrete diariamente pelo bairro, entregando seus leites e queijos. Quando estou com meus sobrinhos sempre peço, não sei se por eles ou por mim, para nos deixar subir na charrete e passear por parte do percurso, como eu fazia quando a Dadá ainda era bem pequena. 

Não posso deixar de declarar o meu amor pelas estradinhas de terra que circundam a cidade. Pena que alguns as vem enchendo de lixo e desmatando seu entorno.

Outra coisa que gosto muito de fazer é ir sozinha na sorveteria Sol e Neve, comprar sorvete, descer a rua até a Biquinha, sentar debaixo daquela árvore imensa e deliciando meu sorvete, pensar em tudo que já aconteceu ali.

Amo caminhar até o fim da minha rua, até a Igrejinha São Sebastião, que fica no alto do morro e de lá ver o sol ir embora. Detesto que tenham construído um salão ao lado da igreja e destruído um pouco da poesia, mas, feliz ou infelizmente, o curso da vida não segue observando apenas os nossos anseios e necessidades. As pessoas daquela comunidade querem fazer festa, reunião e, pra elas, o salão tem um sentido.

Adoro sair de casa no fim de semana e caminhar ou correr na Vila Militar, onde há silêncio, água gelada, passa pouco carro e, ainda, me sinto protegida. Quando era criança, já gostava. Andava por toda a Vila. Imaginava que o quartel era um castelo e brincava por horas naquela pracinha. 

E os pés de goiaba esparramados pela cidade? Custa-me esperar a época para parar em cada pé, que já sei estrategicamente onde estão (tanto as brancas, quanto as vermelhas) e saboreá-las.

Fora os grandes profissionais que há na cidade em diversas áreas: a Brigithe, com aquela aula de francês maravilhosa, a Vanessa, que vai até a nossa porta dar aula de inglês, o Leo Assunção, com sua música e violão, a Tita que faz as melhores empadas e por aí seguimos…

Como esquecer de umas das joias da cidade: a minha família por perto e os meus amigos, os de infância que viveram comigo preciosos momentos na Vila Aurora, os da Escola (Coronel Praxedes e Miguel Gontijo) que são partes da minha vida até hoje, os da Correbom, que não me deixam cair na zona de conforto e tantos outros espalhados pelos vários cantos da cidade.

Até hoje acho emocionante ir na Capelinha da Santa Casa e reviver as épocas em que a gente coroava Nossa Senhora na escadaria do Hospital, sob a batuta da Irmã Genoveva ou brincava no Lactário, onde sempre tinha algo para as crianças depois da missa.

Como diz uma amiga minha, não precisamos de muito para viver. 

Poderia encher muitas páginas com minha narrativa, mas o espaço é insuficiente. Vou limitar-me, então, a agradecer por ter nascido brasileira, numa cidade mineira, localizada a uma altitude aproximada de 768 metros, no Alto São Francisco.

Vou limitar-me a agradecer Bom Despacho por ter me brindado com tantos cheiros, pessoas, lugares, comidas e momentos incríveis e desejar que as pessoas cuidem bem daqui, do entorno, das edificações, das áreas urbanas e rurais. E, por fim, ansiar que saibamos preservar nossas ricas tradições e culturas, festas típicas e populares, fauna e flora, mantendo sempre o calor da intimidade. (Portal iBOM / Imagem ilustrativa)

 

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