Maura Lopes Cançado: a “louca que escreve”

LÚCIO EMÍLIO JÚNIOR – Nossa cidade não tem livrarias desde 2008, mais ou menos. A última existiu aqui ao lado, na Praça da Matriz, onde hoje é a Praça Lanches, aliás excelente local, propriedade do amigo Ivan, assíduo leitor deste jornal.

Na adolescência, nos anos 80, o professor Ronan tinha uma livraria na Praça da Rodoviária, onde hoje é um açougue, se não me engano. Lá estava sempre o professor Juninho, que posteriormente deu grande contribuição ao teatro e até ao cinema locais, com o filme Uma Chance para Glória. Ele lançou os atores Italo Laureano e Thales Braga, dentre outros. Italo Laureano recentemente fez a minissérie Segunda Pele, série onde ele faz o tenente Selton do Bope e que teve apoio da PM. Eu tenho uma memória distante dessa livraria, mas lembro-me nitidamente do hoje economista Bruno Carazza dos Santos entre seus frequentadores. Hoje Bruno escreve uma coluna no jornal Valor Econômico, teve o blog Espírito das Leis junto da Folha de São Paulo e tem um site na internet (brunocarazza.com.br).

Até bem pouco tempo atrás, eu costumava encontrar livros numa papelaria chamada BD Útil. Os livros ficavam ali ao fundo, mas infelizmente a papelaria acabou. E foi numa livraria, uma espécie de seção de saldos que abriu de forma passageira ao lado do Banco do Brasil que encontrei, finalmente, o livro Hospício é Deus, Diário I, de Maura Lopes Cançado, a maior escritora que viveu aqui nesse nosso Bom Despacho. O perfil biográfico ao final do livro citou nossa cidade:

Uma garota bonita que desafiava a morte em um aviãozinho amarelo. Essa imagem nunca saiu da memória de um menino de calças curtas que brincava no esqueleto de um velho Aeronca Champio e divertia-se ao ver os voos do aeroclube de Bom Despacho (MEIRELES, 2015, p. 210).

Esse menino, segundo o jornalista Maurício Meireles, que escreve um estudo biográfico que fez as vezes de posfácio do livro, era o jornalista Pedro Rogério Moreira. Nós o conhecemos aqui na cidade como Pedrim do Sô Benigno. Posteriormente, Pedro Rogério foi colega de Cesarion Praxedes, jornalista, poeta e filho daquela menina, a escritora Maura Lopes Cançado. E escreveu, inspirado nela, o romance Bela Noite para Voar. No livro, ela inspira uma mulher que também é piloto de avião e salva o presidente JK de um desastre aéreo tramado por conspiradores. Um dia, ao falar de Maura a minha querida amiga Luciene Guimarães, maior tradutora de Marguerite Duras no Brasil, sabia dela e contou-me que a academia estuda bastante Maura: “ela é a louca que escreve”.

Maura entrou no aeroclube (que era onde é o bairro Campo de Aviação) aos quatorze anos e lá conheceu outro piloto, Jair Praxedes, filho de um coronel da PM, o nosso coronel Praxedes (que deu nome a uma de nossas escolas). O casamento não durou muito e foi apenas no religioso, por exigência de José Lopes Cançado, o pai de Maura. Segundo Pedro Rogério do Couto, Maura era uma mulher adiante de seu tempo. Era tida como libertina, as outras mulheres tinham inveja dela. Ela casou grávida antes disso virar regra, como é hoje em dia, quando o feto acelera os procedimentos matrimoniais e só assim as pessoas casam-se. Ao contrário, nesse tempo isso era enorme escândalo (anos 40!). Ela tinha mania de grandeza e dizia que seria a maior escritora da língua portuguesa. Maura foi amiga de Carlos Heitor Cony e ele disse, posteriormente, que sua coluna Da Arte de Falar Mal, no Correio da Manhã, foi inspirada numa fala de Maura. Ela dizia que seu esporte preferido era falar mal dos outros, dizia que “falar mal é uma arte”.

Maura Lopes Cançado teve uma vida muito trágica, marcada por internações em clínicas psiquiátricas. Numa dessas crises, matou uma moça grávida de quatro meses. E, depois disso, traumatizada, passou a morar com o filho Cesarion Praxedes e nunca mais escreveu. Ela pouco trata de nossa cidade em seu livro, nem menciona seu nome. Bom Despacho, de certa forma, perseguiu-a, ela, por ser separada, tentou inscrever-se no instituto Izabela Hendrix em Belo Horizonte, mas sua fama chegou primeiro e ela foi recusada lá. Ela era apaixonada pelo sogro, o coronel Praxedes. A família Lopes Cançado daqui de Bom Despacho tem parentesco distante com ela. Já acompanhei um curso de Literatura e Psicanálise a respeito de sua obra, disponível no youtube. Maura foi elogiada por Assis Brasil, um dos mais importantes críticos literários do tempo em que lançou Hospício é Deus e Sofredor do Ver, seus únicos livros.

Maura é imbatível como nossa maior escritora. Recentemente, uma peça chamada Uma Mulher ao Sol, de Danielle Oliveira e Maria Augusta Montera, dirigida por Ivan Sugahara, inspirou-se no livro Hospício é Deus. Foi notícia em O Globo, a peça foi encenada no Rio de Janeiro. Paulo Sérgio Teteco, amigo de Pedro Rogério, passou-me essa interessante informação em março desse ano de 2023. “Maura, super-Maura, Maura de todas as coisas e de nada, solene e vaga”, diz ela, autodefinindo-se. Sendo bem “fora da casinha” e tendo sofrido aqui, com certeza Maura adoraria a definição que os bom-despachenses dão, de forma bem humorada e piadesca, de nossa cidade e de si mesmos: “se cercar vira hospício, se colocar uma lona, vira circo”!

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