Verdadeira história da escravidão no Brasil

 

TADEU ARAÚJO – Para conhecermos o Brasil é preciso conhecer a história da escravidão no país. Assunto que os brasileiros nunca estudaram e não conhecem. Nossas escolas nunca se preocuparam com esse tema e só superficialmente nos ensinaram sobre ele. Assim, nossos conhecimentos sobre a escravidão e sobre os negros – que são a maioria dos brasileiros – não nos foi revelada pela elite branca, talvez por racismo ou menosprezo por essa raça de cativos.

Depois de muitos anos sentado nos bancos escolares, sem ter aprendido coisa alguma sobre os escravos, estou agora surpreso e assustado de tomar conhecimento desse assunto de maneira aprofundada através de um autor brasileiro que foi a fundo em suas pesquisas. Que desnudou a segregação de uma raça, a qual ajudou a fundar os pilares de um país chamado Brasil e que ainda hoje são segregados e relegados a segundo plano pela nossa sociedade e pelos governos de sua pátria.

Quem é esse autor?

Seu nome é Laurentino Gomes. Paranaense de Maringá e sete vezes ganhador do Prêmio Jabuti de Literatura. Formado em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná, com pós-graduação em Administração pela Universidade de São Paulo. É titular da cadeira número 18 da Academia Paranaense de Letras.

Suas obras

Depois de ter recebido diversos prêmios e vender mais de 2 milhões de exemplares no Brasil, Portugal e Estados Unidos com a série 1808, 1822 e 1889, Laurentino dedica-se a uma nova trilogia de livros de reportagem, desta vez sobre a história da escravidão no Brasil. Resultado de seis anos de pequisa e observações que incluíram viagens por 12 países e três continentes, para produzir 3 volumes de mais de 400 páginas cada um. O primeiro volume cobre um período de 250 anos do primeiro leilão de cativos africanos registrado em Portugal, na manhã de 14 de agosto de 1444, até a morte de Zumbi dos Palmares, em 24 de novembro de 1695.

Os dois volumes seguintes dedicam-se ao século XVIII e ao movimento abolicionista que resultou na Lei Áurea de 13 de maio de 1888, chegando até o presente legado da escravidão que ainda hoje assombra o presente e o futuro dos Brasileiros.

Trechos escolhidos

Escolhi para publicar aqui alguns trechos que nos revelam a existência miserável, pobre e triste dos africanos. O que chamou muito a minha atenção nas descrições do autor foi o trabalho, as torturas e castigos impostos aos negros por seus donos, que eram senhores absoluto de suas vidas, como se fossem animais que lhe pertencessem.

O trabalho

Os brancos não trabalhavam em serviços pesados. Enquanto isso, nas minas e garimpos de ouro e diamante, nas fazendas e lavouras de cana-de-açúcar e café, na construção de palácios, casas cidades, os cativos submetiam-se a jornadas longas, pesadas e perigosas e foram construindo o Brasil dos brancos. A labuta começava antes do nascer do sol e ia até o anoitecer.

Havia ainda escravos pescadores, garotos de recados, carregadores de cargas e objetos, lavadeiras, cozinheiras, sapateiros, açougueiros, coureiros, tecelões, carpinteiros, seleiros, alfaiates, pedreiros. Costureiras, paneiros, barbeiros e cirurgiões. Alguns ocupavam-se de posições muito simples e desagradáveis, como recolher as fezes e as urinas acumulados nos penicos, durante a noite e depositá-las em rios ou riachos. Com seu trabalho criaram o nosso país e a nossa civilização. Em pagamento receberam castigos, torturas, fome, humilhação.

Morada e alimentação

A senzalas sem ventilação e trancadas à noite ficavam junto à casa grande. A moradia dos trabalhadores consistia em simples cabanas ou barracões com paredes de taipa e coberta de palha. O chão era de terra batida. Alguns desses cubículos tinham apenas uma porta, sem janela. O sono era atormentado por nuvens de mosquitos e insetos. Dormia-se em redes ou no chão. Em meados do século XVIII, a vida útil de um escravo não ia além de 12 anos. A alimentação era precária. Em geral composta por 2 refeições por dia na forma de angu, feijão, farinha de mandioca, charque e sal.

Navios negreiros

Nos porões dos navios negreiros que vinham da África para o Brasil, os negros – homens, mulheres e crianças – eram acorrentados e amontoados em porões fétidos, sem ventilação, sem higiene e levados para serem vendidos como mercadorias. Cada um dos embarcados tinha de estar com 3 marcas de ferro quente na pele: uma com o nome de seu vendedor, outra com o nome do comprador, outra com o selo de impostos pagos. Ao chegarem ao Brasil, deviam receber um sinal de ferro quente na face anunciando o nome de seu novo proprietário. Às vezes acrescentava-se uma nova marca, a do F, que indicava o caso de ser um negro que já fugira.

Mortos nos navios negreiros

Entre 1501 e 1567, os navios embarcaram na África cerca 12,5 milhões de cativos. Desse total, 10,5 milhões chegaram vivos à América. O número de mortos na travessia do Atlântico é estimado em 1,8 milhões. Seus corpos eram jogados no mar e devorados por tubarões, os quais seguiam rota desses navios para se alimentarem de carne humana.

Torturas e castigos

Quando os senhores compravam seus escravos, em sua chegada, ele era aconselhado a castigá-los, chicoteando-os, assim que chegassem em sua casa. E deviam fazer isso amiúde para que eles tivessem medo do patrão e não fugissem, trabalhassem direito e não reclamassem.

Por fugirem, desobedecerem, deixarem de fazer suas tarefas, ou por algum serviço mal feito, os donos os deixavam seminus. Davam-lhes ou mandava os feitores darem 150 chibatadas, mais ou menos de acordo com suas faltas e segundo a vontade do patrão, isto por um dia ou mais. A pele das vítimas ficava lenhada com sulcos escorrendo sangue por toda parte. Então para não morrerem e acarretarem prejuízo para o patrão, eram “tratados” de seus ferimentos. Usava-se no tratamento água morna com sal, limão e xixi. Em vários arquivos encontram-se relatos de torturas envolvendo órgãos sexuais de homens, mulheres e crianças.
Nas cidades a sessão de chibatadas era executada em via pública, nos pelourinhos. Tambores e música anunciavam o evento. Narra a história que a praça se enchia de gente que gritava e aplaudia o acontecimento.

Epílogo

Os poucos trechos de livros Escravidão que citei aqui revelam uma pequena parte das desumanidades da escravidão negra no Brasil. Os métodos de trabalho, as torturas, os sofrimentos e maus tratos a que foram submetidos. Revelam também sua importância da formação de todo povo brasileiro. Ao ler os três volumes da obra de Laurentino Gomes, sentiremos a verdadeira história desse povo, cujos descendentes, mais da metade de nossa gente, ainda levam vida sofrida e discriminada em nossa sociedade.

(Meus sinceros agradecimentos a meu filho Tadeu e a meu genro Alexandre Magalhães que me presentearam com os volumes da obra Gratidão que li com sofreguidão como uma das mais importantes de minha jornada de leitor contumaz.)

Tadeu Araújo

Tadeu Araújo Teixeira é professor, escritor, colunista e membro da ABDL

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