História do Natal pelo Mundo

 

FERNANDO CABRAL – Lisboa (de onde escrevo) está enfeitada para o Natal. Locais históricos receberam iluminação alegre e a decoração natalina típica se espalha por todos os pontos turísticos da cidade. Como cidade cosmopolita que sempre foi, por suas ruas e vielas desfilam todas as nacionalidades ao lado dos portugueses: nepaleses, chineses, ingleses, franceses, brasileiros. Americanos e asiáticos, africanos e europeus, todos parecem bem-vindos. Quando a noite chega, os locais iluminados se tornam uma movimentada babel que mal se disfarça ao som onipresente do Jingle Bells. Afinal, é Natal.

Jingle Bells é uma das canções mais tocadas e mais cantadas na época do Natal. Conhecida no mundo inteiro, tem versões e adaptações em grande número de línguas. Ela foi também uma das primeiras músicas a serem gravadas em cilindro e em disco. Há, porém, uma curiosidade que pouca gente sabe: ela não foi composta como música de Natal. Alegre e jocosa, a música se refere aos sinos colocados em cavalos que puxavam trenós em que os rapazes se exibiam para as moças nas cidades do interior dos Estados Unidos.

Mas não importa. No final do século XIX a música já tinha sido apropriada como canção natalina.

A mesma coisa aconteceu com o Natal. Muito antes do nascimento de Cristo os povos do hemisfério norte faziam uma grande festa na última semana de dezembro. Entre os povos mais ao norte, como os vikings, ela durava enquanto durassem as fogueiras alimentadas pela lenha trazida pelas famílias que se reuniam.

Em Roma as celebrações começavam no dia 17 e terminavam no dia 25 de dezembro. Originalmente eram chamadas de saturnália, porque homenageavam o deus Saturno, ligado à agricultura. Posteriormente passou a homenagear o deus sol, conhecido como Sol Invictus e também os jovens e as crianças, quando eram chamadas de Juvenália.

Por que povos tão diferentes e tão afastados tinham estas grandes festas no final de dezembro? O fato está relacionado com a movimentação do sol e com as estações do ano.

Ao longo do ano o sol se desloca do hemisfério norte para o hemisfério sul. À medida em que isto acontece, os dias vão ficando mais curtos e as noites mais longas. Caso extremo é do Polo Norte, quando a noite dura seis meses. Os povos primitivos sofriam com estas noites longas e frias. Todavia, chega um dia em que o sol para de afastar-se no sentido sul. É o solstício de inverno (para quem mora no hemisfério norte). A partir desde momento, o sol começa seu caminho de volta para o hemisfério norte. A duração dos dias começa a aumentar e a duração das noites a diminuir.

Este solstício ocorre entre o dia 21 e 23 de dezembro. Portanto, para os povos primitivos, esta data marcava o renascimento da vida. Para os romanos, era a vitória do sol – daí, o nome que lhes davam, de Sol Invictus – o Sol Invencível.

Mas havia outro motivo para comemoração. Antes da chegada do solstício de inverno, as famílias cuidavam de colher e armazenar os produtos agrícolas. Em seguida matavam os animais domésticos e faziam conservas. Eram suas provisões de inverno. Portanto, era o momento em que tinham a maior quantidade de alimentos armazenados.

Assim, a abundância de alimentos combinada com o renascimento do sol era festejada intensamente, durante vários dias. Depois as famílias se recolhiam para passar o inverno.

Mas o que tudo isto tem a ver com o Natal?

Bom, a Bíblia não diz quando Jesus nasceu. Contudo, com base em informações circunstanciais, como a passagem da Estrela de Belém, as estalagens lotadas, o censo romano, os estudiosos acham que foi na primavera (março-junho, no hemisfério norte). Se é assim, como o nascimento de Cristo veio a ser comemorado no dia 25 de dezembro?

Para os judeus e para os primeiros cristãos, a data religiosa mais importante era a Páscoa. O Natal não existia. A páscoa judia está relacionada com a libertação do jugo egípcio e a páscoa cristã está relacionada com a ressurreição de Cristo.

No calendário cristão, o domingo de páscoa é usado como ponto de partida para cálculo de todas as datas consagradas. Como o domingo de Páscoa se baseia no calendário lunar, trata-se de uma data móvel. Vem daí que as festas religiosas dos cristãos são móveis. O Natal, porém, é exceção. Ele já nasceu com a data fixa de 25 de dezembro. É neste ponto que a história do cristianismo se encontra com a história dos povos pagãos.

Sem certeza histórica, atribui-se a data ao Papa Júlio II. Segundo esta versão, um bispo da igreja do oriente questionou o papa quanto à data exata do nascimento de Jesus. O Papa então decidiu que seria 25 de dezembro pois com isto já aproveitava a comemoração da Saturnália que os romanos apreciavam. Outros acreditam que a data já havia sido instituída pelo menos dois séculos antes, mas pelo mesmo motivo. Qualquer que seja a verdade, pelo menos por 200 anos após a ressurreição de Cristo, não havia Natal. A Páscoa continuava sendo o marco fundamental para as festas religiosas, exceto o Natal, a única que nasceu com data fixa.

Um pouco mais tarde a igreja criou o Advento, cujo dia inicial ocorre quatro semanas antes do Natal. Surgiu a segunda data fixa do calendário Católico.

Com muitos pontos obscuros e cercado de dúvidas, assim se conta o surgimento do Natal.

Apesar de sua origem romana e cristã, hoje o Natal é uma celebração quase universal que se espalha mesmo por países onde praticamente não há cristãos, como China, Japão, Índia e tantos países islâmicos.

É o que estamos vendo em Lisboa, por onde começamos nossa história de hoje. Nesta cidade cosmopolita, praticantes de tantas religiões diferentes passeiam despreocupados, se entrecruzam e conversam enquanto desfrutam a decoração e ouvem canções natalinas. Este fato, por si só, já merece ser comemorado: tantas religiões com aparências tão diferentes reunidas em paz para celebrar o que é a essência de todas as religiões: a harmonia entre as pessoas e a reconciliação com o eterno incógnito.

Afinal, não importa que Jingle Bells não tenha sido composta como música de Natal; importa que ela foi adotada no mundo inteiro como música que representa o que o Natal representa: a alegria, a felicidade, a fraternidade, o amor, o renascer, a vida.

O Natal representa o que todas as pessoas de bem querem para si e para o próximo. Por isto, é um momento em que se renovam nossos desejos de paz e harmonia para todos os bom-despachenses. E que tudo de bom se irradia daí para o Brasil e para o mundo. (Portal iBOM / Fotos: Fernando Cabral)

Fernando Cabral

Fernando Cabral é licenciado em Ciências Biológicas, advogado, auditor federal e ex-prefeito de Bom Despacho

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