Eu tenho a palavra: a saga de Dona Fiota

 

LÚCIO EMÍLIO JÚNIOR – O documentário, disponível no youtube, Eu tenho a Palavra (2012) traz uma personagem-chave da nossa cidade e cultura: Dona Fiota, apelido de Maria Joaquina dos Santos (1931-2019), uma das falantes mais importantes da Língua do Negro da Costa. No filme, ela encontra um estudante africano da UFMG, Amadeu Chitacumula.

Eu tenho a Palavra é um documentário etnográfico do IPHAN, dirigido por Lilian Sola Santiago, Nesse documentário, são mostrados Amadeu, angolano, e Dona Fiota, bom-despachense, num encontro emocionante. Quando Fiota fala em “curimar”, ou seja, comer, dar comer aos animais, Amadeu reconhece prontamente aquela palavra. Fiota é falante da “língua do negro da Costa” e Amadeu é falante de quimbundo e mbundo.

Eu Tenho a Palavra é um documentário que pretende contribuir para a valorização da participação da cultura banto, preservada pela oralidade, na configuração do patrimônio cultural brasileiro.

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Se levarmos em consideração que a língua viva de um povo é o testemunho mais antigo da história desse povo, os dados obtidos no domínio da língua, da religião e das tradições orais no Brasil revelam a presença banto como a mais antiga e superior em número e em distribuição geográfica no território brasileiro, por mais de três séculos consecutivos. Testemunho desse fato é o próprio vocabulário associado à escravidão, com palavras tais como quilombo, senzala, mocambo, mucama, assim como o vocabulário religioso afro-brasileiro, onde os mais conhecidos são candomblé, umbanda, catimbó, macumba. Ainda hoje há registros de falares isolados em comunidades rurais, vestígios de antigos quilombos, que preservam um sistema lexical banto, como a “língua do negro da Costa” ou “Gira (língua, gíria) da Tabatinga”, ainda falada no quilombo de Tabatinga, situado no bairro Ana Rosa, periferia da cidade de Bom Despacho (MG).

A “língua do negro da Costa” era falada nas antigas senzalas das fazendas do interior de Minas Gerais e, com ela, os escravos podiam se comunicar livremente. Dona Fiota conta: “A gente não podia falar o nome do trem. Tem assango? Não, não tem assango. Tem cambelera? Não, cambelera também não. Tem caxô? Nada de caxô. Então, minha mãe falava: ‘Catingueiro caxô. Caxô o quê? No Curimã. Ela estava avisando que o patrão havia chegado. Aprendi essa língua com a minha mãe. Ela falava todo dia para mim até eu aprender. Isso traz toda uma história pra gente, tanto das partes alegres, como das tristes”.

O outro personagem é Amadeu Fonseca Chitacumula, um estudante angolano no Brasil. Conhecedor e amante de sua cultura, ele comenta no documentário que Dona Fiota tem antepassados em Angola. O que ela fala é mais da língua umbundo, então ela pode ser de Huambo ou de Bié (estados angolanos). Possivelmente veio da região sul de Angola, de Huambo. O que ela fala, segundo ele, tem poucas palavras de quimbundo e em grande parte é umbundo.

Depois de se cumprimentarem em português, Dona Fiota pronunciou frases no dialeto que aprendera com a mãe. Chitacumula, surpreendentemente, entendia tudo o que dona Fiota dizia, e traduzia etimologicamente a origem de suas expressões, comparando com sua língua natal, o umbundo. A língua umbundo é falada pela etnia banta ovimbundo, da qual Chitacumula faz parte, e que constitui cerca de 40% da população de Angola.

Nesse documentário, Bom Despacho aparece mais fotogênica do que nunca. Com a palavra, Dona Fiota.

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